Capítulo 71 - Propósitos
Havia várias coisas fora de ordem, mas Mayck decidiu mantê-las em segundo plano. Já se passou algum tempo desde seu terrível encontro com aquele Ninkai, que poderia fazer a humanidade questionar sua existência.
Ele relatou a Nikkie, mas ela pareceu não ligar muito para o cerne da questão e apenas disse que poderia ser um novo tipo. O garoto acabou pensando que poderia não ter sido nada demais e ele só estava instável por conta dos últimos eventos. Mas ele não se esqueceria só com aquela explicação.
Ele estava na sala. Era a última aula do dia e faltavam poucos minutos para acabar. Sem pressa, Mayck fez as anotações da matéria de inglês e debruçou-se na carteira ao terminar, observando a sala sem pensar em nada em particular.
Era um dia comum durante o período escolar. Porém, durante a noite, ele teria que sair pelas ruas outra vez, ajudando no controle dos Ninkais.
Outro problema com que devia se preocupar era acerca do vazamento de informações da polícia, que havia criado um burburinho na internet. Vários sites de notícias já haviam disseminado a informação para todo o país, o que era, claramente, um problema.
“Certo, pessoal, por hoje é isso. Não se esqueçam de estudar para a prova que teremos semana que vem”, a professora anunciou e logo depois o sinal tocou.
Os alunos arrumaram suas coisas e começaram a deixar a sala. Mayck também saiu, após se despedir de seus amigos.
Perto da saída, enquanto trocava seus calçados, ouviu uma dupla de garotas conversando. Pelo pouco que ele se lembrava, eram colegas de classe de Haruna.
“Sério mesmo? Isso é bizarro.”
“Pois é. Parece que estamos enfrentando um monte de alienígenas. Hahaha!”
As duas saíram conversando sobre o mesmo assunto e acabaram deixando Mayck curioso a respeito.
Alienígenas?
Talvez fosse só uma piada entre elas, mas com tudo o que estava rolando, ficar atento era crucial e não desconfiar de tudo era impossível.
Mais tarde, ele foi para a base da Black Room, indo até a sala de Michio que havia o chamado. Ela queria fazer uma análise na arma que o garoto carregava.
“E com isso…” ela fez uma pausa dramática com sua voz praticamente desinteressada, mas ainda havia um fraco sorriso em seu rosto. “… está completa mais uma fase das armas especiais da Michio.” Suas mãos na cintura e suas chiquinhas balançaram.
“Hmm… você poderia me dizer o que fez exatamente?” Mayck levantou uma sobrancelha.
Ele viu todo o processo, desde que a garota pegou sua arma sem a bainha, colocou em uma espécie de suporte rodeado de equipamentos tecnológicos que emitiam alguma radiação específica. Depois, um monte de luzes foram acesas, junto a um som de equipamentos eletrônicos, enquanto ela monitorava tudo por um holograma.
Isso demorou uns cinco minutos, e após tudo acabar foi como se nada tivesse acontecido.
“Você não entendeu?” A cabeça de Michio caiu para o lado. Ela parecia mais confusa que o garoto.
“Nada.”
Como se estivesse lidando com alguém de QI extremamente baixo, ela suspirou profundamente.
“Não haja como se isso fosse ensinado na escola.” Mayck retrucou, percebendo os pensamentos dela.
“Bom, basicamente, eu fiz uma leitura dos dados guardados nas pedras receptoras e avaliei seu desempenho desde o seu primeiro uso.”
“Uau. Você pode fazer isso?”
“É claro. Porque as pedras receptoras são um dispositivo eletrônico feito a partir de um minério especial chamado Pedra Lunar, que é capaz de reagir com a energia de um portador. Inclusive, foi por causa dela que as IDs foram chamadas de magia. Isso porque as pessoas achavam que tais pedras liberavam mana para elas e estas conseguiam utilizar suas habilidades. Mas depois de um estudo minucioso…”
Foi descoberto que as pedras não emanavam nenhum poder. Elas apenas recebiam a energia que vinha dos seres vivos. Então o conceito de magia não se aplicava muito bem com os poderes. Além do mais, tal pedra não era conhecida pelo público, pois os governos do mundo todo as deixaram na mão da Strike Down e filiados.
“Olha, você sabe bastante da história.” Ele poderia aplaudí-la, mas se absteve disso.
“Sim. Não tem como trabalhar com tecnologia se você não sabe o mínimo do funcionamento da natureza e como elas interagem com o ambiente.”
Nesse momento, o peso da desinformação recaiu sobre os ombros do garoto, que fez uma expressão amarga.
Eu não sei o mínimo…
“Tá, e em que a análise da katana te ajuda?”
“Com as informações contidas nos dispositivos, eu posso saber o quanto de energia é possível imbuir nos receptores, se varia de tamanho para tamanho e também se elas são versáteis ou apenas alguns tipos de elementos base podem ser imbuídos.”
“Hmm… entendo…”
“Não. Você não entende”, bradou Michio.
“Eh…?” Uma reclamação tediosamente. Mayck já estava ficando de saco cheio da garota.
“Imagina só se conseguirmos criar robôs carregados com energia dos portadores? Criar trajes robóticos que podem ser usados como armaduras de combate? Ou então criar equipamentos médicos com propriedades de cura que podem ser usados para o tratamento de doenças terminais ou até mesmo encontrar a fórmula da imortalidade?”
Michio falou apaixonadamente, o que era bem estranho de se ver, dado o seu comportamento indiferente habitual. Mas foi aí que Mayck percebeu que ela era uma obcecada por tecnologia.
“Tá…”
“É aí que está a grandiosidade dos avanços tecnológicos. Um garoto como você nunca entenderia.”
Não entendo por ser um garoto ou por não amar a tecnologia tanto quanto você? Ele levantou uma sobrancelha.
De uma forma ou de outra, o garoto deu de ombros e saiu da sala de controle, deixando Michio sozinha em sua palestra sobre a perfeição da tecnologia sem que ela percebesse sua deixa.
“Acabei de ver um lado bem irritante dela.” Ele caminhou pelos corredores brancos da base subterrânea.
Ah, esqueci de pegar a espada de volta… que seja. Não vou voltar lá agora de jeito nenhum.
Se voltasse, acabaria enfrentando aquela obsessão maluca por mais algum tempo.
Ali era incrivelmente silencioso. Vez ou outra ele passava por soldados de máscaras brancas que, talvez, ele nunca saberia quem eram. Mas não era como se isso importasse tanto.
Estavam todos ali por seus próprios motivos. Poderia ser apenas pelo dinheiro, um modo de viver ou obrigação, mas o fato era que eles lutavam para garantir que a população visse a luz do sol no dia seguinte sem problemas.
Boa sorte para nós… Mayck desejou sem nenhum motivo aparente.
Ele chegou até a sala de Zero, onde estava antes de ser chamado por Michio e quando entrou, encontrou o líder da base sozinho, fazendo alguma coisa no notebook em sua mesa.
“Já terminaram?” O homem falou assim que o viu.
“Acredito que sim. Mas, francamente, nunca pensei que Michio pudesse falar tanto. Geralmente quando a vejo ela está dormindo ou trabalhando depois de virar a noite.”
“Haha… ela é assim desde quando chegou. Eu nunca a vi agindo como uma criança da idade dela ou conversando com os outros sobre algo além de tecnologia. Parece que faz parte dela.”
“Bom, eu não julgo, no entanto.” Ele se sentou no sofá ao lado perto da parede.
“E você? Você tem algum hobby ou algo que goste de falar sobre?”
“Hmm… hobby, é? Nada de especial. Mas se eu fosse escolher algo que eu goste de fazer é ouvir e tocar música.”
Zero piscou algumas vezes. Ele parecia surpreso.
“Isso foi inesperado. Não pensei que tivesse um gosto tão refinado.”
“Eu não diria isso…”
“E que tipo de instrumento você gosta de tocar?”
“Piano e violino. São bem interessantes pra mim apesar de eu não ter nenhum dos dois… Mas, mudando de assunto, houve alguma novidade recentemente?”
“Novidade? Na verdade, houve sim.” Zero teclou seu notebook e virou a tela para Mayck. “Parece que a câmera de um estabelecimento gravou um Ninkai alguns dias atrás. Por sorte, um dos nossos trabalhava na segurança de lá, então o registro não foi vazado.”
O vídeo tinha apenas alguns segundos e gravou uma criatura quadrúpede passar correndo pela rua durante a noite.
“Hmm… é engraçado que nada assim tenha acontecido antes.”
“É realmente curioso. Mas parte disso tem a ver com a Strike Down, que está sempre preparada. Mas, geralmente, quando os Ninkais atacam eles não deixam sobrar nem o sangue das presas, então os desaparecimento são colocados como mais um dos casos dos desaparecimentos em massa.”
“Por isso os assassinatos não são registrados”, Mayck concluiu.
“Uhum. Mas isso não quer dizer que estamos invisíveis. Algumas fontes indicaram que há algumas investigações da polícia que envolvem portadores e Ninkais. Então nós temos que redobrar a cautela.”
Mas é mais fácil falar do que fazer…
O garoto soltou seu peso no sofá. Tudo aquilo estava encaminhando eles para um péssimo cenário. Se continuasse daquela forma, o mundo que eles conheciam iria virar história.
“Ah, quanto a Ascension, não temos dúvidas de que eles têm parte nisso tudo. Não sei o que eles pretendem, mas Yang está atrás de alguma coisa em específico.”
“Tá falando do The Fake Human?”
“Sim. Nós não sabemos o que ele é realmente, mas se Yang o quer não é nada bom e deve ter um motivo para o que está acontecendo agora.”
“Possivelmente esses eventos têm um propósito e estão nos planos dele, né…? Aquele cara sempre foi imprevisível. Não me surpreenderia se ele estivesse tentando fazer os portadores serem conhecidos pelo mundo todo…”
Zero parou de repente. Ele e Mayck tinham chegado à mesma página.
Se o plano de Yang fosse revelar os portadores para o mundo, então eles estavam em uma situação pior do que o esperado.
“Nós precisamos fazer algo a respeito…” Zero cruzou os braços e começou a bater seu dedo indicador impacientemente. “Primeiro, nós temos que encontrar quem está vazando as informações policiais. Não tem como pararmos a polícia agora que ela chegou tão longe, mas nem tudo está perdido.”
“O que você pretende fazer?”
“Mayck, você pode cuidar disso? Quero que você encontre o responsável pelos vazamentos e o impeça. Nós temos muito a fazer.” O homem se levantou. “Eu vou convocar Nikkie e vamos planejar os próximos passos.”
“Hm… tá, okay.” Mayck ficou confuso com a explosão de seriedade repentina, mas ele entendia. Perder tempo era um tiro no próprio pé.
Além do mais, já que Zero pediu para ele cuidar do caso, então queria dizer que ele já desconfiava das suspeitas que Mayck tinha.
Esse cara é bem assustador.
Mayck saiu da sala junto a Zero, porém seguiu por um caminho diferente, indo até a sala de Michio. A garota estava dormindo, então ele silenciosamente tirou sua espada do suporte — os equipamentos estavam desligados — e a guardou na bainha, fazendo-a sumir no ar como mágica.
Eu acho que ela fica melhor dormindo…
Ele a observou antes de sair. A garota parecia ter passado pelo menos duas noites em claro para estar dormindo tão profundamente, como se nada mais importasse.
Boa noite, Michio…
Com isso, ele saiu da base, seguindo sem rumo pela rua escura e silenciosa de madrugada.
<—Da·Si—>
Era cerca de 2hrs, então não precisava se preocupar tanto com civis vagando naquele horário. Se encontrasse alguém, as chances de ser um portador seriam mais de noventa por cento.
Hoje está estranhamente silencioso.
Mayck observou a rua de cima de um pequeno edifício. Ele estava perto da estação que tinha no caminho de sua casa.
Mesmo olhando atentamente, não conseguia encontrar nenhuma alma por ali, mas só por algum tempo. Com uma aparição repentina, um Ninkai rastejou para fora da escuridão de um beco próximo, do outro lado da rua.
Era parecido com uma aranha, possuindo dezenas de pernas longas e finas que não faziam barulho ao tocar o chão. Tudo ficou estranho de repente, a temperatura caiu e um peso emergiu de lugares desconhecidos apenas com a aparição daquela coisa.
Aquele também é um novo tipo…? Porque tá me causando muitos arrepios.
O corpo do garoto estremeceu das pernas até a cabeça, e um vento gelado e misterioso soprou sobre ele.
Por que uma aranha…? Não tinha coisa melhor?
Ele queria protestar o fato daquilo ser semelhante a uma coisa tão apavorante, mas nada podia ser feito. De um jeito ou de outro, ele teria que lutar contra aquilo ou então alguém sofreria as consequências.
Bom… vamos nessa.
Ele deu um passo. Só havia desviado seus olhos daquela coisa por um segundo quando foi respirar profundamente, mas foi o suficiente para ela simplesmente desaparecer como uma alucinação.
Eh? Pra onde foi?
Uma sombra estranha cobriu a dele. Assim que olhou para cima, viu uma criatura que tinha, pelo menos, cinco metros de comprimento, caindo sobre ele com as pernas longas e finas esticadas, querendo dar um abraço mortal no garoto.
Mayck acabou fazendo um som assustado e saltou para trás, sentindo calafrios intensos dos pés à cabeça.
Ela é rápida pra caramba.
Seu coração palpitava fortemente.
Assim que atingiu o chão, ela começou a se balançar, como se suas enormes pernas fossem flexíveis demais para seu corpo ligeiramente menor do que parecia de tão longe. Sua cabeça e seu abdômen pareciam um só, então era mais parecido com um opilião do que com uma aranha.
Mas não importava. Era semelhante a um aracnídeo, então era igualmente assustador. Dezenas de olhos travados em um alvo fixo e um odor ardente que causava sofrimento às narinas de Mayck.
Era realmente um Ninkai que ele nunca tinha visto antes, mas não parecia ser um de classe Pesadelo, então não haveria muitos problemas. Apesar do receio de se aproximar daquela coisa, Mayck precisava descobrir o que ela fazia, para futuras referências, e para acabar com ela rapidamente.
Olhando assim, ela tem alguns pelinhos espalhados pelo corpo, então não parece ser muito resistente. Mas o problema pode ser essas pernas… Parecem agulhas.
Mayck juntou as mãos, fazendo um gesto de empunhadura e sua espada surgiu com um rápido flash e a bainha nas costas.
Querendo ou não, eu tenho que matá-la. Mas vou ver do que ela é capaz primeiro.
Mayck não usou sua velocidade, mas, em guarda, caminhou até a criatura lentamente, sem desviar os olhos dessa vez.
Não sei como ela se locomoveu até aqui tão rápido, então descobrir isso é o primeiro passo.
O monstro reagiu a aproximação levantando os dois primeiros pares de pernas e abrindo sua boca que parecia mais uma pinça, da qual escorria uma gosma fedida. No próximo segundo, ela lançou as pernas sobre o garoto, que desviou tão rápido quanto um piscar de olhos.
As pernas dela atingiram o chão com tanta força que abalou a estrutura em que estavam e duas pequenas crateras foram feitas no telhado daquele edifício.
Ela é forte também.
Mayck estava atrás dela e assim que foi notado, mas um daquele ataque foi efetuado. O garoto apenas desviou de novo.
Parecia que ela não mostraria outra habilidade naquele ritmo, então Mayck se apressou em cortar aqueles pares de pernas como um raio, assim que elas chegaram ao seu alcance. Um estrondo alto cortou o ar, proveniente do manejo da espada, junto a um brilho azul intenso que durou menos de um segundo.
Após isso, as quatro pernas dianteiras daquela criatura caíram no chão e um ruído agonizante saiu de suas entranhas.
Então ela pode fazer sons também…
Sob os olhos fixos do garoto, a aranha rapidamente saltou a uma altura incrível que quase não dava para vê-la na escuridão e a gosma que caía de sua boca foi disparada como um fio extremamente pegajoso, e pelo odor que emanava era mais que o suficiente para saber que era corrosivo.
Mayck desviou do fio, sabendo que teria consequências caso fosse atingido e se preocupou em provocá-la ainda mais.
Quando um segundo fio foi disparado, ele permitiu que sua lâmina fosse atingida, em seguida, movimentou seus braços rapidamente para baixo.
Como eu pensei… não dá pra cortar.
Era como um tecido extremamente flexível. E também parecia ser um mau condutor.
“Pois bem. Você tem mais cartas na manga?”
Em um movimento igual ao anterior, porém, com muito mais força, ele acelerou a queda da aranha, que amorteceu no telhado como uma pena. Sem demora, o garoto avançou até ela como uma rajada de vento e manejou sua espada horizontalmente da esquerda para a direita, passando direto pela aranha.
Assim que chegou atrás dela, um líquido roxo jorrou de seu abdômen e todas as suas pernas foram cortadas, caindo no chão como membros independentes.
“Saliva que produz teia pegajosa e corrosiva, dezenas de pernas flexíveis que amortecem, permitindo que ela salte grandes alturas. Parece o predador perfeito de pássaros.”
Mayck cortou o ar, retirando o sangue que tinha nela e a guardou. Meteu a mão em seu bolso e retirou uma seringa, a qual fincou no corpo da aranha e coletou uma porção de seu sangue.
“Parece que rendeu hoje”, ele disse sem muito interesse, vendo o corpo se transformar em poeira e sumir no ar. “E eu odeio ser observado, sabe?” Ele olhou por cima de seu ombro.
A pessoa em questão pensou que não havia sido notada, mas o garoto mostrou que já havia percebido, falando com ela.
“Opa… eu não pretendia atrapalhar. Hehe…” Uma garota saiu detrás de uma enorme caixa de alumínio que parecia pertencer ao ar condicionado do edifício. “Eu pretendia ir embora sem fazer barulho, mas você é bem esperto. Me notou mesmo eu tendo uma alta furtividade.”
“Obrigado…” Mayck acabou ignorando a habilidade mencionada, fixando seu olhar no guarda-chuva que ela carregava consigo, o qual estava aberto sem necessidade.
Por que…?
“Eu acabei assistindo sua luta. Você é bem forte, né? Por acaso… é o famoso Olhos Azuis?” Ela inclinou sua cabeça levemente, fazendo seu cabelo curto e escuro balançar.
“Olhos Azuis? Que apelido besta.”
“Você acha? Bom, eu acho interessante, apesar de não ver nenhum motivo para ele. Mas é você mesmo?”
“Sei lá. Não dei esse apelido pra mim, então realmente não sei. Pode ser que haja alguém com olhos azuis por aí.” Mayck deu de ombros, pronto para sair de lá, mas foi interrompido pela garota.
“Ah, e essa máscara… você é da Black Room?”
“…Talvez eu seja…”
“Talvez? Bom, eu não me importo se não quiser me contar. Deixe eu me apresentar. Sou Murasaki Kana. E você é?”
Ela esperou uma resposta, mas Mayck se manteve em silêncio e pôs as mãos na cintura.
“Bom… se você quisesse me dizer não estaria com uma máscara para ocultar sua identidade…” Ela entendeu, mas não parecia que ela tinha feito a pergunta inconscientemente. Apesar de, supostamente, ter feito papel de boba, seu sorriso calmo ainda permanecia em seu rosto.
“Bom… me chame de ‘M’.”
“M-sama, hein… muito prazer.” Ela inclinou seu corpo levemente para frente e levantou um pouco seu vestido, mas sem soltar o guarda-chuva, em uma saudação cortês.
“Hm… sim. Prazer.” Era muita formalidade para o garoto saber como reagir, então ele abaixou sua cabeça.
“Então, até mais, M-sama. Nos vemos depois. Vamos sair para caçar algum dia.”
Era um convite estranho de se ouvir, mas Mayck decidiu não responder e apenas observou Kana ir até a borda do edifício. Ele se perguntava se ela iria pular. isso deveria parecer loucura, mas se tratando de portadores, não devia ser subestimado.
Entretanto, assim que a garota pôs um pé ao ar livre, um estrondo, que se propagou pela cidade, e um poderoso flash de luz irrompeu na escuridão e milésimos depois uma onda de choque que quase arrastou Mayck para fora do telhado, forçando-o a cobrir o rosto com os braços e lutar para não ser levado.
Caralho. O que foi isso?
Seus ouvidos estavam zumbindo devido ao som ensurdecedor, mas ele não perdeu a consciência.
Onde está a garota?
Assim que se lembrou, olhou para trás, para o local onde ela estava a um segundo, mas não a viu. Ele correu até a beira do prédio e olhou para baixo. Havia um guarda-chuva aberto na calçada e quando ele foi movido, revelou a garota sorridente em pé, olhando para ele, como se nada tivesse acontecido.
Por algum motivo, o garoto ficou aliviado e seus ombros caíram, enquanto ele respirava profundamente.
Me preocupei à toa. Ela usou o guarda-chuva como paraquedas? Que legal.
E o garoto encontrou uma utilidade para se ter um guarda-chuva por perto.
Mas, o que foi que aconteceu? É uma luta?
Deixando Kana de lado, ele se virou para o local que julgou ser onde a explosão aconteceu. Havia uma espécie de vapor subindo aos céus e, de longe, dava para sentir o súbito aumento da temperatura que parecia retirar todo o oxigênio presente ali.
Mayck torceu o nariz, por causa do ar quente, que estava insuportável, ele queria cobrir o nariz, mas não podia tirar sua máscara. Suor começou a escorrer pelo seu rosto.
“Uau, isso foi intenso. Quem será o responsável?” Kana, de repente, surgiu ao lado do garoto.
“De onde você veio?”
“Surpreso? Bom, com esse guarda-chuva, eu posso voar usando habilidades de vento. Mas, mais importante, você não está curioso sobre a origem dessa explosão?”
O garoto inclinou a cabeça, esboçando, em seu rosto, sua maior expressão de desinteresse, mas logo desistiu de todos os protestos que tinha.
“Infelizmente eu terei que ir…”
“É seu trabalho como membro da Black Room, certo? Nesse caso, permita-me acompanhá-lo. Isso cheira a problema e pode ser interessante.”
Mayck ignorou as reais intenções da garota. Ele apenas começou a correr e saltar para outros edifícios na direção da nuvem de fumaça e cinzas que subiu logo após o vapor.
Quanto mais se aproximavam, mais difícil respirar ficava. O pouco ar que Mayck permitia entrar em seu pulmão parecia queimá-lo de dentro pra fora.
Por outro lado, voando com seu guarda-chuva de forma elegante, Kana parecia tranquila, enquanto uma camada de ar girava em seu entorno.
Assim que chegaram na fonte, eles pararam e se depararam com um cenário incrivelmente bizarro. O acidente ocorreu numa das principais avenidas, mas os prédios ao redor estavam derretidos, assim como o asfalto. Era um cenário parecido com o que Mayck vira anteriormente.
O ar estava úmido e quente e em um raio mais longe do grande derretimento de pedras, havia sinais de luta entre portadores.
O que foi que houve aqui?! Mayck não pode esconder seu espanto. Apenas vendo aquilo, ele conseguia dizer que uma batalha de alto nível aconteceu poucos minutos atrás.
“Uah! Isso está terrível. Para derreter as coisas desse jeito só pode ser algo vindo daquele idiota”, Kana comentou, ao pousar ao lado de Mayck.
“De quem você está falando?”
“Hm? Do Kazan. Não sabe quem ele é? Para derreter pedras desse jeito, só pode ser coisa da lava dele.”
Kazan?
Mayck tirou seus olhos da garota e voltou-se para a rua cuja parte fora transformada em rocha vulcânica.
“Esse cara tá causando muitos problemas… Você é amiga dele, por acaso?”
“Hm? Não. De jeito nenhum. Não tenho interesse naquela pessoa. As ideias dele são muito idiotas e não me dizem respeito.”
Ideias?
O garoto queria perguntar, mas era melhor encontrar e dar um bom sermão no esquentadinho que gostava de derreter áreas urbanas, segundo ele.
Com um salto, ele desceu do edifício remodelado e procurou por alguma pessoa nos arredores. Não fazia muito tempo desde a explosão, então eles provavelmente estavam por perto.
Cara… que cheiro horrível. E é difícil respirar aqui também.
“Não é ele ali?” Kana perguntou olhando para uma das direções em que a rua seguia. Mayck olhou para o mesmo lugar e notou a silhueta de um homem um pouco mais alto que ele e que andava em passos pesados.
Mayck o reconheceu imediatamente.
Alto, corpo robusto, cabelos castanhos escuros e olhos que ardiam em chamas alaranjadas. Parecia que Kazan estava sempre pronto para uma batalha ardente. Suas roupas estavam queimadas e rasgadas, haviam cortes espalhados em seus braços e pernas, assim como um corte de lâmina em seu rosto.
Nada mais que isso era necessário para indicar que ele estava envolvido no conflito.
“Hahahahaha!” Ele ria histericamente, saindo da sombra dos prédios e ficando sob a luz da lua. “Porra, moleque, você é forte pra caralho e ainda tá se rebaixando?!” Ele parecia gritar ao vento.
Foi aí que Kana sorriu elegantemente e falou, como se olhasse para um ser inferior a ela, mas sem mudar sua postura calma.
“De novo fazendo bagunça, Kazan? Você é um menino tão malvado.”
“Hã?! Há, olha só a boneca das sombras. Veio se ajoelhar e reconsiderar minha proposta?” Ele olhou para ela com as mãos na cintura e uma postura de superioridade.
“Que bobinho. É claro que não. Mas, assim, eu quero te avisar que você está bem encrencado, mocinho.” Ela fez um gesto com a cabeça, sinalizando para sua companhia.
Kazan olhou para Mayck um tanto quanto confuso, mas logo sua expressão se alegrou ao perceber quem era. Um sorriso largo surgiu em seus lábios.
“Uau! Parece que meu dia melhorou em cem por cento. Hahahahah! Eu estive esperando pelo dia em que quebraria a sua cara, moleque da Black Room.”
Parece que ele se lembra de mim.
Mayck estreitou os olhos.
“Desde aquele dia onde vocês me atrapalharam eu venho sentindo uma vontade louca de matar gente como você. Mas vocês, imbecis da Black Room, se escondem igual aos ratos, então tive que me contentar com os outros imundos.”
“Então você saiu por aí caçando portadores?”
“É claro. Até que encontrei alguém que pôde me entreter, mas agora eu quero lutar contra você.” Ele apontou para o garoto.
Logo, Kana o chamou.
“M-sama, parece que o segundo indivíduo está vindo.” Ela acenou para a direção oposta.
Quando Mayck olhou, viu a figura se aproximando tranquilamente. Assim como Kazan, suas roupas estavam bem queimadas e havia diversos ferimentos em seu corpo, embora menos do que o homem da lava.
“Fu… cara, você é bem chato mesmo. Olha a bagunça que ficou aqui.” Ele olhou ao redor. “Eu vou tomar bronca por isso.”
“Haru… Hyu?!” Foi a vez de Mayck se surpreender com a chegada repentina de seu amigo.
Esse cara que o ajudou a fazer isso?
“Oh? Ooh! Olha só se não é o M-san! Yoo! Como você tá?” Hyu balançou os braços no ar. Entretanto, o que Mayck queria naquele momento era uma explicação sobre como as coisas chegaram naquele ponto.
“Isso não importa agora. Pode me explicar o que houve aqui?”
“Pra resumir, esse cara aí comprou briga e eu aceitei, mas ele é mais louco do que eu pensava e ficou usando habilidades destrutivas para todos os lados.”
“Eu não acredito nisso…” Mayck balançou a cabeça em reprovação. O que ele mais temia era que houvesse vítimas daquela batalha descontrolada.
“Vão ficar me ignorando, é?! Não reclame depois que eu te der um coro.” Kazan chocou os punhos.
“Dá pra calar a boca? Com uma explosão daquela escala, a Strike Down já deve ter percebido e logo vai chegar aqui. Vocês percebem o que fizeram? E se tiver machucado pessoas comuns?”
Mayck olhou para os dois envolvidos com uma pitada de raiva, mas não demonstrava em sua voz, que estava apenas mais elevada.
“Você tem razão… desculpa. Eu não pensei direito. Imaginei que ele seguiria as regras da Strike Down e das outras organizações de não causar problemas aos civis, mas ele realmente é um problema.”
Como membro da GSN, o dever de Hyu seria advertir, prender, até mesmo eliminar portadores que não se importavam com a segurança pública, então ele não seria totalmente culpado no caso de uma luta de grande escala com aquela.
“Meu objetivo era só dar uma correção nele, mas aí as coisas saíram de controle… desculpa, de verdade.” Hyu fez uma leve reverência, mostrando que estava realmente arrependido.
Por outro lado, Kazan começou a zombar dele, chamando-o de fraco.
“Por que vamos proteger gente fraca? Eles não têm poderes. Isso quer dizer que são humanos inferiores a nós!”, ele bradou. “Nós devíamos matar todos eles, não é? E criar um mundo só com gente poderosa… não seria foda?!”
Mais uma vez, ele riu histericamente, jogando suas ideias ao ar. Entretanto, tudo o que ele conseguiu foi um olhar de espanto e repugnância de Mayck.
Eu me pergunto como nunca vi isso antes. Isso é um problema.
“Ei, idiota, você tá falando sério?”
“Hm? É claro que eu estou. Nós somos pessoas que superaram a humanidade do passado. Não tem porquê nos prendermos aos ideais de gente comum.”
“Droga… A partir do momento em que um portador pensa assim, o mundo está correndo um grande perigo. Não é bom deixar você solto por aí.” Mayck balançou seu braço direito e sua espada surgiu em sua mão magicamente.
Hyu se assustou com a mudança repentina de seu amigo, então correu até ele e segurou-o pelo ombro.
“E-ei, M-san, se você tiver que fazer isso, deixa que eu faço. É meu trabalho, afinal de contas.”
“Não. Tá tudo bem. Ele queria lutar comigo, não é? Então vou ensinar umas coisas pra ele no final.”
Matar alguém era uma ideia dolorosa. E um portador com Kazan morrer era um desperdício. Ele seria um aliado poderoso contra Yang. Contudo, pelo bem maior, ele não podia deixar o homem de lava propagar seus ideais distorcidos.
O poder corrompe o homem. De tudo o que existia, essa ideia era uma que podia-se dizer com confiança que era real. E ela estava se desenrolando bem na frente de Mayck, no homem chamado Kazan.
“Hahahahah. Então você vai vir? Perfeito. Vou derreter você por completo, até os ossos e então…”
“Silêncio!” Kana elevou sua voz, atraindo a atenção de todos.
“Você enlouqueceu, sua vadia?!”
“Eu disse pra ficar quieto.” Diferente de suas maneiras calmas e elegantes de antes, ela parecia um pouco preocupada e isso chamou a atenção de Mayck.
Quando fizeram silêncio, ela se atentou a um som que ouviu de longe. Era como um choro. Alguém sofrendo e berrando com todas as suas forças em um lugar distante dali.
Pálida, ela sussurrou:
“É um bebê…”
Um clima sombrio se instaurou sobre eles, enquanto pensavam nas palavras de Kana. Mayck, em especial, voltou seus olhos para Kazan, que não esboçava nada além de um sorriso perverso.
“Cara… você tá muito fudido.”
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