Capítulo 74 - Abalando a estrutura
O céu acinzentado e o vento frio que soprava, praticamente o dia inteiro, eram os maiores indícios de que o outono chegou. As nuances amarelas e vermelhas das folhas anunciavam que era hora de se preparar para o inverno que chegaria em breve.
A chuva que se iniciou no fim da tarde ainda se mantinha firme mesmo durante a noite, criando poças, e junto ao vento, derrubando folhas e mais folhas das árvores, que lentamente iam diminuindo seu gasto de energia para sobreviver ao frio.
Os dias eram mais curtos, as noites mais longas e isso impactou diretamente na vida daqueles que escondiam a sua verdadeira natureza sob a luz do sol.
Houve um aumento incrível na quantidade de Ninkais em busca de um único alvo, como se eles estivessem mostrando que tudo o que se sabia sobre eles era nada mais que uma ilusão.
Eles começaram a atacar em conjunto e não mostravam hostilidade um para com o outro, mas também não pareciam estar cooperando.
Havia quem se perguntava se o clima os afetava.
Outros, imaginavam que aquela pessoa tinha dedo nisso. E que poder tremendo ele tinha para afetar e decidir o que esses monstros poderiam fazer.
Desde que a Strike Down repentinamente ficou mais rígida, o número de portadores que lutavam entre si diminuíram, assim como o número de arruaceiros que só se importavam em se divertir.
Durante toda a noite, era possível encontrar grupos de agentes da Strike Down que patrulhavam com afinco, prontos para corrigirem qualquer portador que estivesse fora das rédeas. Chamar de patrulha nem parecia mais correto com o passar dos dias.
Dava para dizer sem medo que eles caçavam os caçadores fora dos regulamentos.
Mas isso é o esperado. Mayck observou um desses grupos se distanciar após darem um pequeno tratamento para um portador que estava procurando briga.
Parece meio agressivo demais, mas não tem outra forma de segurar um bando de pessoas com superpoderes. Eu entendo por que uma decisão dessas foi tomada.
Ele se esgueirou ainda mais no beco escuro e seguiu para uma outra parte da cidade.
Não que isso vá terminar bem.
Apenas algumas horas depois de sair para as ruas, ele já tinha se deparado com algumas dezenas de Ninkais considerados peixes pequenos.
Eles não eram um problema tão grande para ele, mas a quantidade em que apareciam tornava as coisas um grau mais cansativo e irritante.
Enquanto fazia sua patrulha rotineira, ele também se deparou com portadores lidando com outros monstros, mas apenas os ignorou; era uma visão bem comum naqueles dias, então não era necessário muita atenção.
O que incomodava o garoto eram os inúmeros olhares que ele sentia ao passar por algum grupo da Strike Down. Eles podiam estar só fazendo o trabalho deles — prestar atenção em qualquer portador —, mas parecia haver algo mais.
Hana também esteve agindo estranho com ele nos últimos dias, então ele não pôde evitar sentir um desconforto incomum.
A noite já passava do seu ápice. O silêncio era quase que extremo e as gotas da incessante chuva lavava a máscara do garoto, que já estava prestes a ir buscar um guarda-chuva. Mas, se ele fosse até em casa naquela hora, não voltaria mais, então era melhor terminar o que tinha que fazer e acabar o trabalho daquela noite.
“Se esse é o outono, eu me pergunto como vai ser o inverno…” Ele esfregou as mãos.
O frio agredia sua pele, mesmo que seu sobretudo fosse feito de um tecido leve, mas que aquecia bastante o corpo, mas não o suficiente.
“Eu acho que vou pra casa… já fiz muito por hoje.”
Ele respirou fundo antes de dar meia volta na rua e seguir para casa, mas aquela sensação, que mais parecia um pequeno choque, percorreu dos pés a cabeça e ele soube que havia um Ninkai por perto.
Logo agora…? Bom, antes tarde do que nunca.
Ele seguiu uma certa direção.
Ele não tem uma presença forte, então não acho que seja um de classe Pesadelo… vou ter sorte se for, pelo menos, de classe ‘C’ ou ‘D’.
Alguns segundos depois, ao dobrar duas ou três esquinas seguindo seu instinto, ele sentiu uma outra presença. Em seguida, um pequeno flash amarelo de luz distante e um rápido estrondo.
Alguém já está lá? Então eu posso ir embora, né?
A presença do Ninkai sumiu. Mas, como já estava lá, decidiu apenas averiguar.
Era um rosto conhecido que ele viu ao chegar no local exato. Pensou em chamar, mas a figura o notou mais rápido do que ele imaginava e também o reconheceu de longe.
“Mestre! Há quanto tempo!” Merlim saltou na direção do garoto para abraçá-lo com um enorme sorriso, mas apenas um passo para o lado de Mayck o fez quase cair de cara.
“Não faça uma coisa dessas…”
“Ehehe… Foi mal. Mas realmente já faz um bom tempo que não nos vemos. Como você está? Tem passado bem? Aposto que está muito mais forte, não é? Quando é que você vai testar minhas habilidades?”
Jogando perguntas em cima de perguntas, Merlim o rodeava como um cachorrinho feliz. Mayck apenas suspirou. Não sabia como aquele garoto tinha tanto apego por ele.
Tudo o que eu fiz foi usar ele de cobaia… Vai entender.
“Eu tô bem. Obrigado por perguntar.” Ele olhou ao redor. “E vejo que você está bem forte…”
Apesar de não ser um Ninkai tão poderoso que ele viu, virando poeira e sumindo em meio às gotas de chuva, ainda era um feito e tanto para Merlim, que tinha mais ousadia que coragem.
É coisa do mestre dele…?
“Ah! A propósito, mestre, o meu mestre… a pessoa que está me treinando gostaria de conhecer você.”
“Hm? E quem é essa pessoa?”
“Otohiko-sensei. Ele é um cara muito forte. Você vai ver. Claro, não é mais forte que você, mas ele é incrivelmente forte e que aceitou me treinar.”
“Hmm… Bom, quem sabe uma hora.”
“Vocês vão se dar muito bem. Eu garanto”, Merlim disse, com olhos cheios de esperança.
“Claro, claro. Foi bom te ver, mas eu tenho que ir andando. E tome cuidado com a Strike Down por aí. Não vá fazer besteiras.”
“Entendido.” Ele prestou continência, como o bom garoto que era.
Mas, no momento que Mayck deu as costas, outra presença avassaladora preencheu o ambiente de tal forma que quase o fez se engasgar com nada. Merlim também percebeu e acabou ficando imóvel por alguns segundos.
Outra vez?! Esse parece um problema.
Mayck correu para a fonte daquela presença terrível.
Dessa vez, com certeza, é um de classe Pesadelo.
“Es-espera aí…!” Merlim seguiu após ele.
Conforme se aproximava, mais forte as correntes do medo o seguravam. Embora fosse ligeiramente mais fraca, ainda era uma presença parecida com a que ele encontrou há algum tempo.
Aquele monstro que o achou tão insignificante que apenas o ignorou.
Não demorou muito para ele ver aquela silhueta que poderia se camuflar por completo no breu se não fosse a iluminação pública, que piscava o tempo todo, como se estivesse prestes a ceder, um ar frio correu pela rua, enquanto a sensação de impotência parecia abraçá-lo.
O quê…?!
Sua visão periférica detectou dezenas de corpos de outros Ninkais em estados deploráveis espalhados pela rua.
Foi ele quem fez isso…?
Sei coração vacilou e suas pernas quase falharam.
Havia alguém mais ali e quando se deu conta, Mayck apenas disparou mais rápido que uma bala, empunhando sua espada e intervindo na mordida que a vítima, em estado de choque, levaria.
As inúmeras presas escondidas sob aquela pelagem de um preto profundo e olhos vermelhos como uma lua sangrenta.
O som daquelas presas riscando e tentando romper a espada ressoavam pela escuridão, fazendo algumas faíscas saltarem.
Deu tempo…
Mayck foi sendo obrigado a usar uma força absurda para se manter firme na mesma posição. Um erro e a criatura, também absurda, tragaria a garota, e ele logo em seguida.
Ele é muito forte… porcaria. Meus braços já estão tremendo.
Ele precisava tomar uma nova atitude. Chegando ao limite de sua força física, ele empurrou a criatura para trás com a espada — parecia estar tentando segurar um caminhão em alta velocidade —, mas foi obrigado a recorrer à suas habilidades elétricas para levantar a guarda do monstro, que parecia não ter nem o reconhecido como uma ameaça.
Nisso ele obteve sucesso e conseguiu afastá-lo.
Apenas isso o deixou ofegante.
Droga… Que bicho maldito…
A garota caída no chão atrás dele não conseguia formar uma palavra. Apenas lágrimas escorriam de seus olhos arregalados que acabara de ver uma esperança quando estava prestes a morrer.
“Você tá bem?” Mayck perguntou sem olhar para ela.
“Si-sim… obrigada…”
“Ótimo, então, fique paradinha aí. Se você se mexer, essa coisa vai atrás de você rapidinho.”
Ele se posicionou na frente da garota, deixando claro para o Ninkai que iria protegê-la. Só assim ele conseguiu atrair a atenção total dele.
E agora…? Como eu lido com ele?
“Mestre…!” A voz de Merlim ecoou de longe e logo ele se aproximou e parou, com as mãos no joelho e arfando. “Eu… pedi pra esperar…”
“Foi mal, mas era urgente. Que tal me dar uma mão?”
“Hum?” Ele parecia confuso, mas entendeu de imediato ao ver aquela coisa distante da realidade há poucos metros deles. “Mas… que porcaria é essa?” Involuntariamente, ele deu um passo para trás.
“Ele é bem forte, realmente, mas nós podemos dar um jeito.”
“O quê?! Você até pode, mestre, mas eu mal…”
“Relaxa. Você consegue. Se não conseguir, nós três morremos aqui. Por que eu não sei se vou conseguir dar conta sozinho.”
“Isso piora tudo!”
Se nem Mayck sabia até onde aguentava com aquele monstro, o que ele poderia fazer? Foi o que o garoto pensou em meio ao seu desespero e aflição.
Apenas o olhar daquela criatura o fazia querer se ajoelhar e implorar por sua vida.
“O que você consegue fazer?” Mayck insistiu.
“An? Está falando das minhas habilidades? Eu posso atirar flechas de luz…”
“E o que mais?”
“Bem… é só isso na verdade…”
“Já é útil o bastante. Escuta, eu tenho um plano. É bem arriscado, mas se você fizer tudo corretamente, nossa chance de sucesso é oitenta por cento.”
“Não cem por cento?!” Sua indignação estava ligada ao máximo.
“Uhum.” Mayck brandiu sua espada contra o chão, a sua frente, e marcou um ‘X’. “Quando eu disser ‘agora’, você atira uma flecha bem aqui. A mais poderosa que você conseguir.”
“Eh?! Mas porquê?!”
“Só confia em mim dessa vez, okay? Fique um pouco mais longe e atento.”
Merlim ainda tinha suas queixas, mas quando foi colocá-las para fora, não havia Mayck que escutasse, pois ele já havia disparado para cima do Ninkai, preparado para fatiá-lo sem demora.
Seria ótimo se ele conseguisse, mas provou um pouco da velocidade daquele monstro que se equiparava a dele.
Uma raiva queimou dentro dele quando viu que só havia cortado o ar.
É assim que meus inimigos se sentem?
Ele não esperou e avançou novamente contra o monstro que foi para a sua esquerda, brandindo sua espada com o lado cortante e esperando que conseguisse algum bom resultado.
Ele gostaria de dar um fim no Ninkai sozinho, assim não colocaria uma vida em risco. Mas as coisas não estavam assim tão boas.
Quando ele corria para a criatura, prestes a dividi-lo em dois, a criatura esquivava no último segundo, carregando seu corpo robusto como um pequeno pinheiro com uma extrema facilidade.
Ele parece tão pesado… mas é rápido pra cacete. Qual a lógica? Eu preciso encontrar o momento certo para colocá-lo na armadilha. Espero que minha energia não se esgote antes.
Seus corpos mudando de posição a uma velocidade alucinante, desviando de vários pingos de chuva e quase invisíveis aos olhos de Merlim e da garota, que não se moveu um centímetro.
O som da lâmina se chocando aos dentes do monstro, que pareciam aço ressoavam por toda a parte.
Depois de uma série de três movimentos com a espada, Mayck cortou as gotas de chuva e finalmente conseguiu fazer sua lâmina entrar em contato com a criatura, embora tenha sido no mesmo local anterior.
As enormes presas do monstro segurando a lâmina e tentando quebrá-la.
“Você não vai quebrar ela tão fácil.”
O garoto cogitou fazer uma explosão com eletricidade, mas a criatura foi mais rápida ou foi o que ele pensou no momento. Na verdade, uma segunda cabeça emergiu dos pêlos profundos e volumosos do monstro, sua boca também cheia de presas, e atacou diretamente no braço esquerdo do garoto.
Merda!
Os dentes se fincaram em seu braço como as presas de uma cobra, que despejava suas toxinas no sangue da vítima. Uma dor agoniante percorreu seu corpo.
Esse maldito… fingiu estar tentando quebrar a espada, quando na realidade estava me segurando?
Ele não era da classe Pesadelo à toa.
Embora não o perfurassem devido à resistência do tecido, a dor ainda era horrível.
A segunda cabeça apertou ainda mais, como se para quebrar os ossos de Mayck e recebeu uma boa quantidade de volts em troca.
A criatura recuou rapidamente, sentindo os efeitos daquela energia devastadora que explodiu em um piscar de olhos.
Ficou um silêncio total depois disso e assustadoramente bizarro.
O Ninkai começou a vibrar seu corpo, fazendo sons de chocalhos, os quais ecoaram até o fundo da alma dos que ali estavam, como se várias serpentes estivessem reunidas num só lugar.
Mayck foi visto como uma ameaça.
Em seguida, cinco cabeças como a anterior começaram a sair dentre seus pêlos que foram se arrepiando e se armando como lâminas.
Sua verdadeira forma se revelou. Era como um pinheiro cheio de cabeças iguais, com presas afiadas e olhos vermelhos que pareciam um abismo de sangue e terror.
Não havia pés. Seu corpo era como um tronco e as cabeças, ramificações.
Ele emanava uma energia sufocante, dando a impressão de que era uma criatura totalmente diferente de poucos segundos atrás.
Um calafrio se agarrou a Mayck, paralisando-o por um momento.
O que é isso…? Isso é pior que o que eu encontrei antes. Ele consegue suprimir a própria energia?!
A sombra da morte pairou sobre eles de repente.
Os batimentos do garoto aceleraram. Merlim e a garota, ainda no chão, também sentiram aquele pavor desconhecido e eles se perguntavam se Mayck poderia vencer.
É claro que não… não tem como matar uma praga dessas… não dá nem pra chamá-lo de Ninkai.
Ele deu uma rápida olhada por cima do ombro para Merlim e a garota, verificando se ambos estavam bem, mas, para sua surpresa, a garota era Saki. Seus olhos se arregalaram com a coincidência bizarra.
Mas, esse momento de distração foi o suficiente para o monstro se aproximar, dando-lhe um susto que fez seu coração errar uma batida, e tirando suas chances de fuga.
As seis cabeças o morderam em seus braços, pernas e cintura, causando uma dor terrível. Mesmo que não o ferisse diretamente, o casaco não podia inibir a dor.
As cabeças exerciam uma força de preensão enorme. Mayck gritou em agonia.
“Gaah…!”
Porra! Isso dói pra caralho…!
Naquela situação, mesmo que não fosse perfurado pelos dentes, seus ossos poderiam ser quebrados e órgãos perfurados, então o dano seria ruim de qualquer forma.
Ele precisava sair dali o mais rápido que podia, mas não tinha como se mover; as cabeças estavam erguendo-o no ar.
“Mestre!”, Merlim gritou com todas as suas forças, prestes a correr para ajudá-lo, mas …
“Fica aí! Siga o plano.”
Suas ressalvas não seriam ouvidas outra vez.
Eu acho… que não é hora de me segurar, por mais que eu queira. Que se foda a Strike Down. Eu não vou morrer aqui.
Ele lutava contendo suas forças para não arrumar problemas desnecessários, mas aquilo não era hora de pensar sobre isso
Suas esperanças estavam quase ruindo, mas ele se recompôs, apesar da dor que poderia tirar sua racionalidade.
Em voz baixa, ele ativou sua chave de comando.
O ambiente se escureceu, adquirindo uma tonalidade azul escura.
Ao redor da criatura, três círculos brilhantes surgiram, carregando disparos poderosos de eletricidade.
Mayck fechou sua mão com dificuldade, dando a ordem para o ataque e os lasers choveram sobre o Ninkai poderosamente, iluminando tudo ao redor e causando uma enorme onda de choque.
O resultado se mostrou segundos depois: Mayck no chão e o Ninkai a poucos metros dele naquele espaço sem cores.
Oh merda… nem isso acabou com ele?
Mayck sorriu de desgosto ao ver o monstro apenas enfurecido, tremendo, como se fosse expelir lava de sua cabeça.
Mas, olhando com mais atenção, ele percebeu que o ataque não havia sido tão inútil — duas das cabeças desapareceram e alguns dos pêlos ficaram chamuscados.
“Ehehe… Eu te peguei dessa vez.”
Ninkais não entendiam e nem compreendam a fala humana, mas, neste momento, aquele monstro parecia ter percebido que estava sendo provocado, então, como um flash, ele rasgou o ar e se moveu até o garoto, pronto para o destroçar com seus dentes desnecessariamente grandes.
Mayck pôde ver claramente a aproximação, então apenas se esquivou para o lado. Com os olhos ardendo em chamas, o Ninkai iniciou uma série de investidas, velozes e atordoantes, mas não conseguiu atingi-lo diretamente.
Contudo, Mayck se sentiu fraco devido ao pó que saía do pêlos do monstro quando ele se locomovia rapidamente e se espalhavam no ar.
Mas que droga… Um pó paralisante?
Ele percebeu depois de desviar com mais dificuldade que antes. Seu corpo estava começando a ficar mais pesado. Prender a respiração não mudaria muita coisa naquele ponto, mas ele o fez mesmo assim.
Eu espero que ele não tenha mais truques na manga… Preciso acabar com isso logo, se não, já era.
Para manter sua ID ativada, ele estava guardando muita energia. Então, possivelmente não teria energia o suficiente para derrotar o Ninkai, por isso ele precisava de Merlim.
Eu tenho que enfraquecer essa coisa. Não sei o tanto de poder que Merlim tem, e como essa coisa sobreviveu a três círculos com potência dividida igualmente, ele provavelmente resistiria a um ataque do Merlim.
Seu fôlego acabou; ele não poderia mais segurar a respiração.
Ele já estava ofegante. Uma dor se iniciou na lateral de seu abdômen, sinal de que estava chegando perto da exaustão total.
Já tô assim? Se pelo menos eu tivesse mais resistência… tenho que treinar mais. Vamos acabar com isso logo.
Não parecia uma boa ideia deixar a luta se prolongar e descobrir mais truques da criatura em questão.
Mayck manejou sua espada e esperou o timing perfeito para atingir um golpe elétrico carregado e pronto para detonar alguém em sua espada.
Quando veio, ele deu um passo para trás e um corte magnífico e esplêndido demais para alguém que não sabia usar uma espada corretamente riscou as moléculas de ar e atingiu em cheio o corpo grande do Ninkai, colando-o no chão a sua frente.
Nesse mesmo momento, a ID de Mayck se desativou.
Ótimo. Agora é só finalizar.
Sem esperar que o monstro se levantasse e voltasse a agir, ele ativou sua <Manipulação de Alma> e arremessou o monstro na direção que havia marcado anteriormente.
“Agora!”, ele gritou. E um flash de luz amarelo atravessou seu campo de visão seguido de um estrondo poderoso, que agitou o ar em volta e levantou uma cortina de poeira quando o monstro se chocou contra as paredes.
Houve silêncio naquele momento. Um silêncio absurdo, como se o mundo tivesse acabado de vez. Mayck estava tenso. Merlim e Saki também. Os três tinham seus olhares fixos num mesmo ponto.
Será que funcionou? Tal pergunta pairava sobre eles. A saliva desceu pela garganta.
Mayck foi o primeiro a reagir e apenas correu com tudo o que tinha e pegou Saki em seus braços.
“Ah!” Ela se assustou.
“Corre.” Foi sua única palavra para Merlim, que entendeu o recado instantaneamente.
O motivo era simples. Mesmo depois de ter gastado tanta energia com o Ninkai, ele simplesmente não se deu por vencido e já estava de pé, preparando seu próximo movimento.
Tá de zoeira. Não tem como segurar. A única coisa que podemos fazer é fugir e esperar que alguns portadores fortes apareçam.
Mayck conhecia sua própria força e ele percebeu que não tinha chances contra aquela coisa a não ser que tostasse sua própria vida; e isso estava fora de cogitação.
Se eu pelo menos desviar a atenção deles.
Um projétil afiado como uma lâmina riscou em sua máscara, e de repente eles estavam sob uma chuva de inúmeros espinhos de aço, banhados em uma substância paralisante e o garoto já havia recebido uma boa dose delas.
Em meio ao desespero da fuga, um grito entrecortado atingiu seus ouvidos. Era Merlim, sendo puxado por mãos negras e grotescas em seu tornozelo.
“Me-mestre!” O garoto tinha uma expressão aflita, apenas estendendo sua mão em busca de salvação. Ele uivou de dor.
“Porra…!” Mayck parou bruscamente, apertando o cabo da espada, sangue escorreu por seus dedos.
Mayck queria salvá-lo, mas tinha Saki em seus braços. Ela era apenas uma civil. Merlim, um portador. E os portadores deviam estar sempre prontos para perderem a vida.
Os projéteis não pararam. Eles continuavam como uma chuva torrencial e o garoto bloqueava o máximo com sua lâmina em mãos, enquanto evitava que Saki fosse atingida.
Ela estava agarrada em seu peito, paralisada de terror.
Onde está a Strike Down quando a gente precisa?
Mayck cerrou os dentes com força. Não podia contar com ninguém além de si mesmo naquela hora. Saki não poderia ajudá-lo e Merlim estava a um passo de ser morto.
No fim, eu vou ter que fazer tudo sozinho de novo…! Que se foda, então. Mais uma vez.
Ele já estava quase no limite de sua energia. Mas…
“Moonlight Nightmare!”
… Ele ativou sua ID e criou seu espaço pessoal, embora algumas falhas demonstravam sua instabilidade. Ele não sabia o que poderia acontecer com ele depois. Mas precisava dar um fim naquela criatura imediatamente.
“Saki, se segure firme.”
Então, ele quebrou a resistência do ar com Saki em seus braços — ela com certeza perderia a consciência, mas era melhor que tê-la morta. Desviando os projéteis com sua espada, ele se aproximava do Ninkai cada vez mais.
Como um raio, ele cortou as mãos negras que rasgaram o tornozelo de Merlim e o girou de forma antinatural.
Prosseguindo. Outras centenas de mãos negras surgiram, tentando, furiosamente, agarrá-lo e torcê-lo como um pano de chão, mas o garoto partilhava da mesma raiva.
Ele não sabia do que se tratava aquela criatura, mas ela não podia ser comparada a um Ninkai comum. Podia-se dizer que era o ápice da classe Pesadelo.
Mayck saltou. Saki, inconsciente, pesava em seu braço, mas mesmo assim ele brandiu sua espada e poucos centímetros perto do Ninkai, desativou sua ID e preencheu os receptores da espada com o restante de sua energia, fazendo-os explodirem.
O ar vibrou. Um clarão de luz e uma onda de energia elétrica se espalhou pelo ambiente. Vidros e concretos se quebraram, incêndios se iniciaram e houve queda de energia em toda a cidade.
O corpo do Ninkai foi completamente desintegrado.
<—Da·Si—>
Como se um apito soasse em seus ouvidos apenas para atormentá-lo, Mayck abriu seus olhos lentamente. Sua visão estava escurecida, mas ele conseguiu enxergar uma lâmpada incandescente que piscava o tempo todo.
Parece que a energia está ruim… onde é que eu estou em primeiro lugar?
Ele olhou ao redor com dificuldade, sem mover sua cabeça. Era um cômodo escuro. Um cheiro de mofo e poeira impregnou suas narinas.
Tem alguém aqui…? O que foi que aconteceu?
Além de seu corpo estar sem forças, sua memória também estava nublada. Fosse preguiça ou não, ele simplesmente não queria fazer um esforço para se mover ou se lembrar do que ocorreu e como ele foi parar naquela situação.
“Ah, finalmente acordou, princesa.” Uma voz soou sarcástica em seus ouvidos.
Uma silhueta se aproximou dele.
“Achei que estava morto.”
Quem é esse?
Mayck não conseguia encontrar o rosto dele em lugar algum de sua mente então só desistiu. Tentou abrir a boca, mas nem forças pra isso tinha.
“Nem se esforce. Você, literalmente, está a dois passos da morte. Gastou noventa e nove por cento da sua energia. Sorte sua que eu cheguei lá, então a Strike Down não deve ter te visto.”
Ele rodeou a cama em que Mayck estava. Era mais uma maca, na verdade, e ela estava bem surrada, como se tivesse sido retirada do lixão e recolocada como imóvel naquele quarto também alugado de forma ilegal.
“Você é o Olhos azuis, não é? Eu queria te conhecer. Merlim me contou que você era o mestre dele, mas ele era tão fraco que eu pensei que você só estivesse ocupando a posição em que está por alguma cagada.”
Hmm…
O garoto sentou-se em uma cadeira reclinável, também retirada do lixo, e cruzou as pernas como um chefe de alguma facção.
Ele tinha um corpo robusto, até mais que Haruki, mas não parecia ser mais velho que Mayck. As roupas que usava eram simples: uma camiseta cinza e uma calça preta de moletom — os quais pareciam ser de tamanho pequeno para a idade dele.
Seus cabelos pretos, lisos e bagunçados, mostravam que ele não se importava muito com sua aparência. Pele clara e olhos pretos que não carregavam seriedade nenhuma, mas que, ao mesmo tempo, criava uma carranca natural.
“Eu me chamo Otohiko. Talvez você me conheça por Costureiro da morte.”
Costureiro da Morte? Que tipo de apelido é esse?
“E você, nesse momento, está no meu esconderijo. Eu só te trouxe aqui por dois motivos. Primeiro, eu queria te conhecer, segundo, você é amigo do Merlim. Eu não tinha motivos pra trazer aquela garota junto, mas aquele moleque insistiu.”
Garota?
A neblina em sua mente começou a se desfazer.
É verdade. Saki e Merlim estavam comigo… Será que eu consegui acabar com o Ninkai? Bom, acho que isso não importa agora.
Ele fechou os olhos, não só de cansaço, mas porque sua cabeça parecia que estava prestes a explodir e era a única coisa que sentia em seu corpo todo.
Qualquer barulho parecia uma explosão em seus ouvidos.
Tinha coisas que ele queria perguntar, porém, nenhum um som ele conseguia produzir.
“Você deve estar muito curioso, mas relaxa. Eu vou contar tudo a você. Mas antes, quero deixar claro que você está me devendo por eu ter te tirado de lá.”
Com uma expressão arrogante, ele começou a contar o ocorrido a partir do seu ponto de vista. Em uma saída rápida, ele sentiu uma energia avassaladora que parecia estar prestes a esmagar sua alma.
No entanto, Otohiko era uma pessoa que não recusaria um desafio tão facilmente, então decidiu buscar a origem daquela aparição que deveria ser um tabu.
Um clarão repentino de luz quase o cegou quando estava a caminho, junto a uma onda de choque que o acordou por um tempo.
Tudo o que ele sentiu foi um prazer descomunal; sabia que algo grande estava adiante. Até que chegou ao local e encontrou, entre escombros, Merlim, que tentava tirar Saki do local sem mais ferimentos.
“Resumindo, Merlim me pediu pra te encontrar e eu fiz. Então, se quiser me agradecer, faça um favor pra mim.”
Aff. Mayck suspirou em sua mente. Por que isso aconteceu?
A ideia de estar devendo favores era irritante.
“Eu vou deixar você descansar aqui hoje. Mas, assim que você puder se mover, vá embora rapidamente. A garota aí tem família, não é?”
Se ele se preocupava com o bem dos portadores era um mistério. Mas, provavelmente, Mayck pensou, ele devia ter segundas intenções assim como todos os outros.
“E diga a Merlim que ele fez um bom trabalho. Eu vou indo nessa.” Sem mais delongas, ele saiu pela porta de madeira caindo aos pedaços, que rangia ao ser aberta e fechada.
Sendo deixado sozinho com duas pessoas inconscientes, Mayck se focou em tentar se recuperar mentalmente, enquanto seu corpo ainda estava fraco.
Ele se sentia tão vulnerável que dava até medo.
Afinal, o que Saki estava fazendo lá? Será que foi só coincidência? Ou então foi por causa daquilo que eu falei?
Se o último fosse o caso, então ela tinha acabado de fazer contato com aquele mundo e ele não teria escolha a não ser revelar o que para ela era um abismo misterioso.
Além disso… tenho certeza que a Strike Down… até mesmo a Black Room vão vir atrás do culpado por isso… Droga… tô me sentindo um lixo.
Um suspiro escapou de sua boca. Ele estava lentamente se recuperando, mas tinha curiosidade em saber quanto tempo esteve apagado.
Eu devia ter perguntado…
Seus olhos começaram a pesar. A luz que piscava em sua vista estava, lentamente, sumindo.
Até que ele adormeceu, mas só para ser acordado pelo constante chamado de Merlim. Assim que abriu os olhos, viu um semblante assustado em seu rosto que logo se tornou alívio ao vê-lo abrir os olhos.
“Ufa… ainda bem. Você está bem…” Suas pernas fraquejaram e ele se debruçou na maca.
“Hm… sim. Já estou melhor.” Mayck conseguiu tirar o som de sua garganta e também sentiu um pouco de peso sumir. Ele decidiu tentar se levantar e conseguiu, embora teve que fazer um pouco de esforço.
“Ah…! Eu pensei que você estava morto… Por que você fez algo tão absurdo?!” Lágrimas brotaram de seus olhos como uma cachoeira e ele começou a chacoalhar Mayck pelos ombros.
“Ei, ei, ei, eu disse que tô bem. Fica tranquilo. Mais importante, a garota está bem?”
Ele afastou Merlim, o qual olhou para trás.
“Eu acho que sim… ela não tinha muitos ferimentos. Só alguns arranhões e Otohiko-sensei já curou ela.”
“Entendi… Espera, curou ela?” O garoto inclinou a cabeça com uma confusão visível.
“Sim. Ele tem essa habilidade de curar ferimentos.”
“Sério? Caramba…”
Já havia visto muitas IDs, mas uma que fizesse algo bom de verdade era a primeira vez.
“Falando nisso… Onde está, Otohiko-sensei?” Merlim olhou ao redor em busca de seu professor, mas não o encontrou.
“Ele saiu há algum tempo. Disse que você fez um bom trabalho.”
Os olhos de Merlim brilharam de repente e um sorriso largo e inocente apareceu em seu rosto, mas logo o sorriso pareceu pretensioso e ele fez uma tosse falsa, mudando sua compostura.
“Hahaha… é claro. Eu já sabia…”
“Deixando isso de lado, eu tenho que descobrir o que fazer com ela.”
Mayck apenas o ignorou e um “mestre…” um tanto quanto tristonho ecoou na sala.
Agora que chegou a esse ponto, não tem mais como esconder. É incrível como eu a encontrei, mas, caso aconteça de novo, eu, com certeza, não vou poder ajudá-la. Então, é melhor oferecer suporte o quanto antes.
Saki balbuciou algo e seus olhos se abriram lentamente. Ela estava sentada em uma carteira escolar, debruçada sobre a mesa.
Quando levantou seu rosto, olhou ao redor silenciosamente, tentando se lembrar de onde estava e o que aconteceu. Seu olhar parou em Mayck por vários segundos.
“Mayck!?” Ela pulou na cadeira com um olhar surpreso.
“Que demora…”
Eu nem percebi que estou sem a máscara… agora não dá pra esconder mesmo.
Sem enrolar muito, Mayck contou o ocorrido para Saki. Eram coisas que ninguém acreditaria, mas, por conta do que viu, a garota não pôde simplesmente rejeitar tudo como uma paranóia.
Afinal, ela também tinha ligação com aquele mundo.
“Resumindo, é isso o que aconteceu. O que você vai fazer agora?” Olhando para Saki fixamente.
“O que eu vou fazer…? Isso é tudo muito repentino… eu não sei o que deveria responder.” Ela abraçou seu corpo, sentindo um leve tremor.
“Imaginei que seria assim. Não se preocupe. Você tem muito tempo pra responder. Eu disse pra você descobrir sozinha, então, o que achou?” Ainda sentado na maca, ele cruzou as pernas e apoiou a cabeça em sua mão.
Saki, por outro lado, se encolheu em seu lugar. Ela estava com medo. O que presenciou foi perigoso. O que poderia acontecer depois também seria perigoso. Por que Mayck estava envolvido com coisas assim? Ela se perguntava.
No entanto, as palavras não saiam de sua boca. Os olhos de Mayck a deixavam ainda mais assustada, ou melhor, ela achava que o garoto tinha alguma expectativa sobre ela, então não queria decepcioná-lo.
Sua resposta poderia mudar sua vida drasticamente. Se aceitasse tudo, não seria fácil, mas, se recusasse, apenas voltaria para sua vida sem graça e ordinária.
Eu… perdi muitas coisas e sei que a culpa é totalmente minha. Eu tenho que pagar pelo que fiz… será que essa é uma boa forma?
Ela levantou seus olhos.
“Lutar contra monstros… é uma forma de salvar as pessoas?”
“Hm? Bem… pode-se dizer que sim.”
“Você, mais do que ninguém, sabe de tudo o que eu fiz. Eu me arrependo de tudo, de verdade. Quero uma chance de me desculpar com todas as pessoas que eu fiz sofrer.”
Ela apertou sua mão sobre seu peito.
“Eu estou com medo. Aquilo foi assustador, mas eu não posso ficar com isso pra sempre. Mayck, me ajude a ser como você, por favor.”
Seus olhos azuis, antes abalados, mostraram uma determinação que acabara de nascer, ou que se revelou de verdade, por estar escondida há muito tempo. Ela tinha deixado muitas oportunidades de reconciliação passar durante aqueles meses, então não podia perder mais aquela.
Mais do que tudo, ela ainda queria estar perto da pessoa que amava.
“Você tem certeza disso? O que você viu hoje não foi nem a ponta do iceberg. Se você for, sua vida vai estar em risco o tempo todo…”
Ele pensou em fazê-la desistir, mas ela ainda permaneceu inabalável.
“Tudo bem. Eu aceito isso.”
Suas palavras foram firmes. Ditas de uma forma que ele nunca esperou vindo de Saki. Por um momento, ela pareceu uma pessoa diferente e isso fez algo vibrar em seu peito.
“É mesmo? Que assim seja, então.” Após um pequeno suspiro, ele se levantou. “A partir de amanhã, eu vou cuidar de você, até que você possa ser uma portadora independente e possa decidir sua vida sozinha mais vezes.”
Ela também se levantou rapidamente.
“E-está bem. Conto com você.” Seu corpo inclinado em uma respeitosa reverência.
“Ah! Mestre, isso não é justo. Por que você aceitou ela como sua aluna?”
Merlim se pronunciou com sua voz alterada, embora não emanasse maldade.
“São coisas diferentes.”
“Não é o que parece pra mim.”
Ele iniciou um discurso, explicando porque era tão injusto Mayck ter tomado Saki como sua discípula e não ter feito o mesmo com ele.
Já eram mais de quatro da manhã. Mayck precisava voltar o quanto antes.
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