Índice de Capítulo

    O templo era tão silencioso que conseguia ser assustador. O vento que soprava levemente, tornando o ar mais frio, ajudava nessa impressão. 

    Nem parece que eu tive aquela briga aqui. 

    O terreno do templo estava completamente restaurado à sua forma original. Era como se a Strike Down tivesse um mapa minucioso de cada canto do mundo para uma reparação necessária. E Mayck ainda não os tinha visto trabalhar uma única vez. 

    “Caramba, que merda. Eu não pensei que uma olhada rápida poderia causar tantos problemas”, Caleb comentou, recuperando seu fôlego. “Valeu pela ajuda.”

    “Nós só corremos aleatoriamente. Eu não ajudei em nada. E por que você fugiu em primeiro lugar?”

    Eles apenas se enfiaram no templo para despistar os perseguidores. 

    “Como eu estava te falando, quando eu estava vigiando… trabalhando, acabei presenciando um grupo aleatório fazendo algum tipo de troca. Eu fiquei curioso e cheguei um pouco perto demais…”

    Caleb coçou a nuca, lembrando-se de seu erro. Mayck soltou o ar de seus pulmões, já sabendo o que aconteceu em seguida. Ao que parecia, Caleb estava sendo perseguido há alguns dias. 

    “Normalmente eu não teria cometido uma falha dessas… Mas isso não importa agora. O que importa é que eu quero descobrir o que eles estavam contrabandeando. Para me seguirem como carnívoros, não deve ser coisa pequena.”

    “É, você pode estar certo. Bom, te desejo sorte.”

    Mayck deu de ombros e começou a caminhar na direção do portão, não dando a mínima para o problema de Caleb. No entanto, o garoto de olhos prateados o impediu com um movimento rápido. 

    “Espera, espera! Você tem que me ajudar.”

    “Hã? Por que? Isso não tem nada a ver comigo. Você se meteu nisso porque quis.”

    “Isso não passa de calúnia. Eu só estava curioso… enfim, me ajuda. Eu não conheço nada por aqui, então serei inútil sozinho”, implorou. 

    “Que coisa irritante. Por que quer ir em frente com isso, em primeiro lugar? Isso não deveria ser problema seu, não é?”

    Havia a Strike Down, a GSN e a Black Room para cuidarem de assuntos envolvendo portadores. E se não fosse algo relacionado a isso, então era um caso de polícia. 

    Caleb se afastou e cruzou os braços, balançando a cabeça de um lado para o outro. 

    “Ah, isso não dá. Como membro da nova Lótus, eu não posso fechar meus olhos para um caso potencialmente perigoso.”

    “Nova Lótus? O que é isso?”

    Mayck estreitou os olhos com curiosidade. Caleb respondeu:

    “Não conhece? É uma organização privada do Brasil. Temos uma parceria com a Strike Down… esquece. Eu já tô falando demais. Enfim, você tem que me ajudar a descobrir o que eles estavam fazendo. Pela paz mundial.”

    “‘Paz mundial’? Que conveniente. Se a Lótus é uma organização brasileira, então os problemas do Japão não são da sua conta.”

    Caleb deu um passo para trás, visto que Mayck tinha razão em suas palavras. Porém, ele não tinha a intenção de ceder. 

    “Você está certo, mas não quer uma ajudinha extra no seu trabalho? Ouvi histórias que você faz parte de uma organização chamada Black Room. Se algo perigoso estiver envolvido, você não vai se sentir mal por ter deixado de lado?”

    “… Com certeza, não.”

    “Ah, cara, não seja tão frio. Vamos, vamos. Não vai demorar muito. Eu só quero que você me guie, pode ser? Não é tão difícil, é?”

    A insistência de Caleb só deixou comprovado que ele só queria se meter em problemas. Afinal, ele não conseguia viver sem um pouco de emoção em suas costas. Ele não teria se metido com aquelas pessoas, caso contrário. 

    Porém, Mayck também não podia negar que estava curioso. Além do mais, Caleb tinha razão na parte de poder ser algo perigoso. 

    Mayck suspirou pesadamente e virou as costas. 

    “Que seja. Mas se você me meter em encrenca, vou te denunciar à tal Lótus.”

    “Não faça isso, por favor.”

    Seguindo Mayck, ambos retornaram ao local em que estavam minutos atrás. Não demorou muito para darem de cara com os perseguidores, que pareciam estar os procurando. Pelas suas vozes, o que eles queriam esconder ficou ainda mais suspeito. 

    Os dois garotos se esconderam no terraço de uma loja de doces que tinha ali e observaram atentamente. Caleb, vigiando os perseguidores com um binóculos que ele carregava, pôs uma expressão tediosa no rosto. 

    “Então, qual é o plano?” perguntou.

    “O plano é seu trabalho. Se vira”, Mayck respondeu, sentado com as pernas cruzadas ao lado. 

    “Ah, para. É sério. Eu não sei muito sobre planejamentos. Conto com você pra isso.”

    Mayck apertou os olhos e suspirou. O que aconteceu com o papo de ser apenas um guia? Parecia que Caleb não se lembrava de sua promessa de poucos minutos atrás. Sendo assim, ele falou, sem mostrar um pingo de interesse. 

    “Apenas vá até lá e os obrigue a dar informação.”

    “Hã?! É sério? Você acha mesmo que eles vão ceder tão fácil?”

    Caleb mostrou sua maior expressão de inconformidade e indignação com o tal plano. 

    “Você tem uma ideia melhor?”

    “Ugh! Vamos seguí-los…? Não… acho que eu não tenho.”

    “Então é isso. Sem falar que são três perseguidores que saíram correndo atrás de você e gritando sem nenhum pingo de discrição. Você acha mesmo que são profissionais?”

    Eram apenas capangas que cederiam ao primeiro sinal de perigo inevitável, foi o que Mayck quis dizer. Já tinha encontrado vários por aí, pessoas que não tinham uma lealdade verdadeira, mas abaixavam a cabeça para qualquer um que lhes oferecesse uma quantia em dinheiro maior do que sua ganância ou colocasse-os em seus lugares sem hesitação. 

    “Vai lá. É só mostrar um pouco de poder que você consegue qualquer informação.”

    “Nesse caso, não deveria ser você? Já que é bastante conhecido e temido.”

    “Eu sou apenas um guia, certo? Estou te guiando no que deve fazer. O trabalho pesado é problema seu.”

    Resmungando um “é irritante mas é verdade”, Caleb bufou e guardou seu binóculo. Em seguida, saltou do edifício sem medo. Mayck ficou assistindo o desenrolar lá de cima. Viu os três se surpreenderem com a chegada de Caleb, os viu tentar lutar e os viu sendo derrubados em segundos com movimentos de capoeira incrivelmente habilidosos. 

    “Viu? Não foi tão difícil.”

    Mayck desceu do edifício e se aproximou de Caleb, que desmaiou todos os três perseguidores depois de conseguir as informações. 

    “Como foi?”

    “Ah… bem, eu achei meio decepcionante.”

    Mayck fez um gesto como quem dissesse “não é?”

    “Enfim, parece que eles não sabiam o que tinha na mala, mas deram pistas de onde ela poderia estar.”

    “Isso é ótimo, não? Onde é o tal lugar?”

    Caleb coçou a cabeça com um olhar sem esperança no rosto. 

    “Eles disseram que é perto da torre de Tóquio ou algo assim… Não tem como saber onde é exatamente. Teríamos que vasculhar tudo.”

    “Quanto a isso não tem problema. Você pode deixar essa parte comigo, apenas vamos.”

    “Quê? Sério mesmo?”

    Ambos partiram em direção à torre de Tóquio, que não era tão perto de onde estavam. No caminho, tiveram de lidar com Ninkais que saltavam na frente deles como monstro de bolso. Caleb teve que cuidar deles, no entanto, já que Mayck se recusou a fazer qualquer movimento de luta. 

    O silêncio na área que costumava ser a mais movimentada do dia era palpável. O ar frio entrava nas narinas dos garotos livremente. 

    Enquanto Caleb olhava admirado para a torre de Tóquio, Mayck se afastou, dizendo a ele para esperar enquanto ele fazia algo. 

    Esse algo, na verdade era fazer uma verificação de quem estava naquela área. Obviamente, poderia encontrar muitas pessoas, que provavelmente não teriam nada a ver. No entanto, Mayck tinha uma ideia em mente. Se houvesse um grupo criminoso por perto, então eles estariam escondidos e reunidos em algum lugar.

    Se eles não estivessem ali, isso significava que já tinham partido para um local mais afastado dali. 

    Porém, boa parte desses grupos ficam por aqui. Já que a área movimentada é a que seria menos investigada pela polícia ou até mesmo as organizações. 

    Fechar um local para uma investigação geraria uma enorme comoção, sem contar que poderia colocar a vida de centenas de civis em risco. 

    Então Mayck o fez. Moonlight Nightmare e ele foi capaz de enxergar um mundo que poucos ou ninguém podia. Um sorriso se abriu em seu rosto, enquanto ele olhava para um prédio de vinte andares poucos metros dali. 

    Depois de desativar sua ID, ele foi até Caleb. 

    “O que foi fazer? Você demorou.”

    “Não importa. Vem. Eu encontrei eles.”

    Caleb torceu o nariz, questionando como isso foi feito, mas não recebeu nenhuma resposta e só pode seguir Mayck com a indignação pulsando em sua mente.

    Os dois se dirigiram para o prédio em questão. Parecia apenas um prédio comercial comum, e era, realmente. O que era feito e para o que era aquele prédio não tinha nada a ver com o que estava sendo realizado ali. Não importando, Mayck e Caleb invadiram o local pelo terraço, utilizando as habilidades de Caleb para abrir as portas que impediam as passagens deles. 

    Por dentro, viram que se tratava de uma empresa de contabilidade. Não entraram nas salas, mas passaram por algumas com placas escritas “escritório” ou que indicavam a qual equipe tal sala estava destinada. 

    Estava escuro, mas isso não era problema para os dois garotos, e Mayck também tinha dado um jeito sorrateiro nas câmeras de segurança usando eletricidade sem que Caleb percebesse. 

    “Onde eles estão? Já descemos uns cinco andares.”

    “Estamos perto. Eles devem estar entre o décimo e o sétimo andar. Mais importante, já pensou em como vai abordá-los?”

    “Hmm… acho que vou fazer do mesmo jeito. O que acha de atacarmos e arrancarmos informações mais precisas? Eles não devem ser melhores que aqueles três”, sugeriu Caleb. 

    “Se você acha que consegue fazer isso sem chamar atenção, então vá em frente.”

    “Fechou. Vamos fazer assim. Espero que me ajude dessa vez.”

    “Apenas se for necessário”, Mayck martelou isso mais uma vez. 

    Chegando no oitavo andar, eles pararam repentinamente sob o comando de Mayck, e o motivo era simples. Numa sala com uma placa escrita “almoxarifado”, ele ouviu alguns barulhos, então presumiu que haviam chegado. 

    Caleb tomou a frente e se aproximou da porta, tendo certeza das vozes. Ele acenou positivamente e deu duas batidas. Um silêncio tomou aquela sala por alguns segundos. Os dois garotos se prepararam mentalmente e se posicionaram um em cada lado da porta, até que ela foi aberta lentamente e um homem saiu. 

    “…!”

    Caleb, agilmente, agarrou o homem pelo braço direito e o puxou para fora. Arremessou-o no chão sem que tivesse a chance de abrir a boca e socou-o fortemente no estômago. O homem imediatamente ficou inconsciente, sendo um garoto de olhos prateados e outro de máscara branca sua última visão. 

    Os dois invadiram a sala rapidamente. Os homens reunidos sacaram suas armas. 

    “Merda! Quem são vocês?!”

    “Acabem com eles!” Gritaram. 

    No entanto, antes que pudessem disparar contra eles, foram atacados desmaiados com socos e chutes. Os disparos que se seguiram foram apenas reações instintivas, os quais atingiram o teto, paredes e as prateleiras do local. 

    Dos oito homens que estavam ali, sete ficaram desacordados. O que restou foi desarmado e imobilizado por Mayck. 

    “O-o que estão fazendo?! Quem são vocês?”

    “Hm… nós vimos que você tem algo interessante nessa maleta”, disse Caleb, pegando o objeto nas mãos. “Queremos que diga o que é isso.”

    “Idiota! Pensa mesmo que eu vou—”

    “Olha, companheiro, meu amigo aqui não vai pegar leve se você não desembuchar agora.”

    “Não me chame de amigo. Mesmo assim, não posso negar que estou curioso. É melhor você evitar mais problemas… físicos, eu quero dizer.” 

    Mayck pôs mais força no braço imobilizado do homem, chegando perto de quebrá-lo. O homem gemeu e agonizou de dor. 

    “Tá! Tá bom! Eu falo, eu falo! Essa é uma encomenda que temos que entregar a alguém. Não sei o que é, de verdade—”

    Seu braço estalou.

    “Argh!!! Eu menti! Isso é um tipo de soro que devo entregar para Takeru-san! Eu não sei o que ele faz, eu juro!”

    “Takeru? Quem é?”

    “É um líder do submundo! Ele controla uma das facções mais fortes que tem. Nós só fomos encarregados de pegar e entregar a encomenda! Estou falando sério?”

    “Hmm…”

    Caleb pôs a maleta em pé, no chão, e se sentou sobre ela, na frente do homem. Abaixou-se para ficar perto do rosto dele que estava enterrado no chão. Mayck puxou seus cabelos para fazê-lo olhar Caleb. 

    “E quem foi o fornecedor?”

    “Eu não sei, é sério…” os olhos do homem estavam lacrimejando de tanta dor e medo. Como dois garotos podiam ser tão assustadores? Seu corpo trêmulo estava paralisado de pavor. 

    “Ah, é? Pode dar um fim nele”, Caleb ordenou friamente. Mayck pegou na garganta do homem e a puxou levemente. 

    “Espera! Por favor! Eu posso dizer onde vocês podem encontrar Takeru-san! Não me matem por favor!”

    O homem abriu a boca desesperadamente, como se sua vida dependesse disso. Ele contou tudo o que sabia sobre Takeru, onde ele costumava operar e quem ele comandava. Era uma facção chamada de Girassóis Vermelhos, que rivalizava com muitas outras no submundo. 

    Uma pena que depois disso o homem levou uma descarga elétrica muito forte em sua cabeça e desmaiou instantaneamente, sem tempo até para implorar por sua vida. 

    “Vejamos… o que temos aqui?”

    Caleb abriu a maleta depois de puxar os dois ganchos de metal que a prendiam. Havia duas seringas de, ao menos, dez centímetros de comprimento envoltas em um material aveludado que impediam que fossem danificadas por qualquer impacto. Elas continham um líquido arroxeado, quase transparente, que parecia reluzir no escuro. 

    “Que coisa é essa?”

    “Não sei. Temos que ir até o tal Takeru para descobrir.”

    Mayck analisou as seringas de perto. Por algum motivo, ele sentia que já tinha visto aquele líquido antes, mas não conseguia lembrar onde. Ele então pegou uma delas. 

    “Ei, ei! O que está fazendo?”

    “Pegando uma amostra?”

    “Eu não disse que você podia ficar com uma.”

    “E precisa dizer? Eu trabalho para a Black Room. Se tem algo que pode causar problemas, eu tenho que relatar. Você fica com a outra e faz o que desejar. Não é do meu interesse.”

    “Seu… Ah! Que seja. Nesse caso, vai ter que ir comigo até o fim dessa bagunça. Hoje já está muito tarde, então vamos procurar o Takeru amanhã. Falou?”

    “Por mim, tanto faz.”

    ****

    Uma ligação de um número desconhecido chegou ao smartphone de Mayck. Ele não fazia ideia de quem poderia ser, mas tentou adivinhar que fosse alguma pessoa maluca. Afinal de contas, eram seis horas da manhã. 

    Sonolento, ele atendeu o telefone. A voz não lhe era estranha, mas ele não conseguia dizer quem era de imediato. 

    “Alô?”

    “Você tem observado Haruki esses dias?”

    “Sim… porquê?”

    Pelo conteúdo da conversa, não poderia ser ninguém além de Fuka. 

    “Como ele está? Eu não o vi muito nos últimos dias, e ele não atendeu minhas ligações nem respondeu as mensagens.”

    “Olha, sinceramente” Mayck fez uma pausa para um bocejo e se levantou da cama. “ele não me parece normal. Parece que existe mesmo uma maldição. Caso contrário, não teria explicação para uma queda tão repentina.”

    “Como eu pensei… eu pesquisei sobre a Hachishakusama e parece que existem alguns meios de derrotá-la. Mas isso é melhor de ser discutido pessoalmente. Vamos nos encontrar com Haruki na casa dele.”

    “Isso parece meio apressado. Hoje ainda é um dia de aula, sabia? Que horas planeja fazer isso? Além do mais, eu tenho algo para fazer durante a noite.”

    Fuka ficou em silêncio por um instante. Não dava para saber que expressão ela estava fazendo nem imaginar o que ela estava pensando. 

    “Pode ser depois da aula. Duas horas devem ser suficientes para discutirmos uma estratégia. Porém, se a situação de Haruki não for nada boa, teremos que agir o quanto antes.”

    “Sim, sim… entendi. Até depois, então.”

    Bip… bip…

    O som interminável de fim de chamada ecoou depois que a voz de Fuka desapareceu como uma gota d’água no mar. 

    Desligou… Como ela conseguiu meu número em primeiro lugar?

    A dúvida pairou sobre sua mente. Por algum motivo, ele decidiu que era melhor não pensar sobre isso. No instante em que olhou para o relógio, o alarme tocou. 

    “Parece que hoje eu acordei primeiro que você…”

    Se despedindo de sua querida cama, ele saiu do quarto e se aprontou para ir à escola. Ao chegar lá, a primeira coisa que notou foi que Haruki estava ausente. E aí estava uma nova evidência de que a maldição do youkai estava em efeito. Mayck torceu para que não estivessem em um ponto irreversível. 

    Akari também estava de volta. Com a desculpa que havia tirado uma licença médica, ela se safou de questões inconvenientes por parte do corpo docente da escola, mas isso não evitou que seu tapa-olho se tornasse um assunto na classe. Quando os colegas perguntavam sobre, ela apenas sorria dizendo que acabou se machucando feio certo dia, então estava esperando cicatrizar. 

    Enquanto isso, Mayck tentava se conciliar com os olhares afiados que recebia de Chika vez ou outra. Ela não estava fazendo isso por maldade, Mayck entendia isso. Era uma medida inconsciente de proteger a amiga que ela tanto prezava. Só restava esperar o dia que os dois se reconciliassem de verdade. 

    Fim das aulas, Mayck seguiu direto para a casa de Haruki. Como combinado, Fuka estava lá. Mayck a viu de longe, então ela parecia ter chegado quase ao mesmo tempo que ele. 

    “Olá”, Mayck cumprimentou a garota, que respondeu com um aceno de cabeça. 

    “Pensei que você não fosse vir.”

    “Eu me pergunto porquê… Já chamou Haruki? Ele não estava na escola.”

    “Não. Eu acabei de chegar. Você ao menos conseguiu falar com ele por celular hoje?”

    Mayck balançou a cabeça de um lado para o outro. 

    “Não. Bom, vamos tentar chamá-lo.”

    Fuka concordou, então Mayck chamou por Haruki. Não havia campainha, por isso era a única forma. Porém, ninguém veio. Não havia um sinal de vida naquela casa. 

    Sem tempo para esperar alguma mudança, Fuka entrou rapidamente e Mayck foi atrás dela. A porta estava aberta. Correndo pelos cômodos da casa escura, que estava completamente fechada, finalmente encontraram Haruki. 

    “Haruki!”

    O garoto estava sentado no meio de uma sala, de frente a uma espécie de mobília que continha incenso apagado e um quadro de três pessoas, sendo ele, seu pai e sua mãe. 

    “Hm? Mayck… e Fuka também? O que houve? Deveriam ter avisado que estavam vindo.”

    Ele se virou. Seus olhos estavam mortos e sem brilho, carregavam olheiras enormes na parte de baixo e uma expressão que parecia marcada pelo cansaço. 

    “Cara, você tem dormido direito?”

    Mayck olhou em volta. A sala estava limpa, sem sinais de que alguém se alimentou por ali. Mas como ele não viu outros cômodos, não poderia afirmar nada. 

    “Não… eu só quero ficar aqui, observando minha mãe. Ela era tão alegre… é uma pena que ela ficou daquele jeito.”

    “Haruki, nós estamos aqui para falar sobre a Hachishakusama. Precisamos pensar em uma forma de lidar com ela.”

    “É mesmo? Então vamos começar. Enquanto vocês conversam… eu vou ficar aqui.”

    “Hã? Isso não vai funcionar. Precisamos que você também preste atenção.” Fuka ficou levemente irritada. Segurou no braço de Haruki para levantá-lo.

    “Não me toque!” gritou, lançando um olhar feroz, fazendo a garota recuar imediatamente, assustada. “Eu vou ficar aqui.”

    Mayck também ficou atônito com a atitude inesperada do amigo. O que era aquela obsessão com a própria mãe? Estava claro que Haruki estava fora de si. 

    Ele olhou para Fuka, que estava com os olhos fixos em Haruki. Ela poderia estar em choque com a resposta que recebeu ou talvez mais irritada ainda. O capuz em sua cabeça não deixava espaço para deduções. 

    “Vamos só nós dois, Fuka. Deixe-o aí.”

    “Uhum. Está bem.”

    A mudança em seu comportamento era visível. Quando ela se virou, só tinha decepção em seu rosto que parecia prestes a chorar. 

    Os dois se conduziram para a sala onde ficava o kotatsu e se sentaram perto dele. O silêncio entre eles era pesado e constrangedor, devido ao que aconteceu há pouco. 

    “Você disse que fez algumas pesquisas. O que conseguiu?”

    “Antes de explicar, dê uma olhada nisso.”

    Com essas palavras, ela tirou um pequeno caderno de anotações do bolso interno de sua jaqueta e entregou a Mayck. O garoto abriu na primeira página e começou a folhear o caderninho de capa preta, que mal cobria sua mão. 

    Era um conjunto dos resumos das lendas de Hachishakusama e quais meios de combatê-las eram mencionados em casa uma delas. 

    Não havia muitas variações, e a maioria tinha exorcista como a principal arma contra o Youkai. 

    “… Hum… como posso dizer… você conhece algum exorcista?” Depois de ler atentamente, Mayck indagou. 

    “Não. E nem sei se eles existem.”

    “Quer dizer que isso é inútil?”

    “Eu não perderia meu tempo fazendo algo inútil. Você viu direito? O que eu estou querendo dizer é que Hachishakusama não é uma entidade que surgiu do nada.”

    Mayck ponderou por um momento. De repente, sua mente se iluminou. 

    “Ela foi invocada?”

    “Exatamente. Eu disse no outro dia, não disse? Que existiam grupos que faziam rituais para chamar essas coisas.”

    “Isso significa que se encontrarmos o local em que ela foi invocada, podemos dar um jeito de sumir com ela?”

    Fuka acenou positivamente. 

    “Só existe um porém. Como vamos encontrá-la?”

    “Sobre isso, talvez eu saiba como.” 

    O olhar do garoto foi direcionado a Haruki, que ainda estava imóvel, olhando para o quadro com os olhos arregalados e sem vida. 

    “Entendi. Se Haruki está mesmo afetado pela maldição, então uma hora ou outra ele irá até ela. Mas não dá pra saber quando. Teríamos que ficar vinte e quatro horas ao lado dele…”

    “Você tem razão, isso não parece produtivo… Espera. Que tipos de rituais são usados para invocar os Youkais?”

    “Hm? Existem muitos. Os extremos são sacrifícios humanos e animais… Mas porque isso de repente?”

    “É que eu tive um mal pressentimento… Ei, Haruki, onde está sua mãe agora?”

    “Minha mãe? Ela… está no hospital… pobrezinha. Deve estar sofrendo tanto”, Haruki respondeu lentamente, sem sequer perder o quadro de vista. “Já sei. Eu vou vê-la. Preciso ir vê-la. É verdade. Se eu ver a minha mãe, vou poder ficar junto a ela pra sempre!”

    Haruki se levantou como se estivesse tendo uma crise de sonambulismo. Suas pernas bambearam e ele quase caiu, mas Mayck rapidamente o segurou. 

    “Tenho que ir… Minha mãe está me chamando…”

    Sob circunstâncias comuns, Mayck e Fuka com certeza teriam impedido o garoto de sair de casa naquele estado, porém, as coisas não eram assim. Seguindo-o de perto, ambos o vigiaram enquanto ele caminhava pelas ruas escuras em direção ao hospital. 

    Consciente do lugar em que estava indo, era duvidoso. Era mais como um instinto, como insetos atraídos por feromônios. Talvez nada estivesse passando na cabeça de Haruki, que apenas seguia o caminho conforme alguma força dentro dele mandava, fazendo-o quase se rastejar devido à forma desequilibrada que ele se movia. 

    “Estou indo, minha mãe…” um sorriso virtuoso no rosto. 

    Depois de vários minutos, eles chegaram ao hospital. Haruki continuou seguindo, porém, devido ao protocolo do hospital, eles precisavam preencher alguns documentos na recepção antes de fazerem uma visita. Fuka, então, se dirigiu ao segurança e tentou dialogar. 

    “Nós queremos ir até o quarto da mãe dele. Ele tem algumas deficiências, então, por favor, nos deixem passar.”

    “Sinto muito, senhorita, mas são as regras. Não podemos deixar vocês irem sem que comprovem a identidade de vocês.”

    Por conta da pressa em que eles saíram, não tiveram tempo para pensar sobre isso. Por outro lado, segurar Haruki e impedi-lo de continuar poderia ter consequências nada boas. O garoto poderia se irritar e acionar um comportamento explosivo, trazendo suas habilidades à tona, o que era um risco claro às pessoas ali e para a sociedade dos portadores em geral.

    Fuka olhou para Mayck, que tentava restringir os passos do ruivo, e acenou. Ele entendeu o sinal e puxou Haruki rapidamente em direção à saída.

    “O que está fazendo…? Eu quero ver minha mãe”, disse Haruki, rangendo os dentes. 

    “Tá, tá. Mas se contenha antes.”

    Mayck olhou para Fuka e para o guarda. Eles estavam envolvidos em uma conversa que ele não conseguia decifrar, mas com certeza ela estava tentando conseguir permissão para passar, ou era o que dava a entender, quando ela, na verdade, só estava ganhando tempo. 

    Vendo sua chance, Mayck levou Haruki para o elevador antes que alguém percebesse. 

    “Primeira parte, bem sucedida. O problema agora é…”

    Exatamente. Mesmo que tivesse cortado a segurança, ele não fazia ideia de onde a mãe de Haruki estava. 

    “Que pé no saco… Você vai ter que procurar, hein”, ele reclamou. Sua mão direita agarrada ao colarinho de Haruki como se segurasse um cachorro, afinal de contas, o ruivo estava tentando continuar seu caminho mesmo com as portas do elevador à frente. 

    Saindo do elevador, eles saíram no quinto andar e começaram a procurar, ou melhor, Mayck soltou Haruki e o deixou vagar até onde seus instintos, ou a maldade de Hachishakusama, mandassem. 

    Ambos vagaram pelo quinto, sexto andar, mas só no sétimo encontraram o que queriam. 

    “Quarto 25. Yukimura Miyuki. Parece que encontramos. A não ser que tenha mais que uma Yukimura por aqui.”

    Mayck parou em frente à porta branca de madeira revestida com a plaquinha contendo as informações acima. Qualquer dúvida sobre o achado foi apagado quando Haruki simplesmente abriu a porta e entrou sem mais nem menos. Mayck não tentou impedi-lo, apenas observou. 

    O quarto estava escuro. A janela com cortinas brancas estava entreaberta, deixando a luz da lua passar por ela e fornecer a única iluminação daquele lugar. Os aparelhos apitando, sinalizando que aquela moça de branco deitada sobre a cama ainda estava viva, embora não pudesse se mover, falar nem observar. 

    Um turbilhão de sentimentos invadiu o coração e a mente de Mayck. Sua última vez naquele hospital foi para ter sua última conversa com Takafumi. Naquela hora, ele nem sequer imaginava a perda que teria. 

    Não prometa nem jure. Apenas sua palavra basta. 

    A frase ressoava vitoriosa em sua mente. 

    “Mãe…”

    Haruki se aproximou da cama, ajoelhando-se ao lado dela. Um sorriso esperançoso surgiu em seu rosto. 

    “Tão silenciosa… você nunca foi de falar muito, né? Está tudo bem. Estou aqui agora. Eu vou ficar com você pra sempre.”

    Então essa é a mãe dele? Ele nunca falou sobre ela, então eu não fazia ideia de como ela seria. 

    Pelo menos ele percebeu de quem seu amigo havia herdado os cabelos alaranjados. Os braços magros e pálidos da mulher repousavam sobre o cobertor branco. Haruki pegou sua mão e a segurou com delicadeza. 

    “Ah, mãe, se você soubesse o que aconteceu durante o tempo que você ficou aqui…”

    Haruki começou a conversar com sua mãe, como se o fato de que ela nunca responderia não importasse. Mas, bem, o estado mental do garoto não estava em um bom estado. Mayck se abastece de fazer ou falar qualquer coisa. 

    De repente a porta foi aberta. Mayck tomou um susto e olhou para trás. Estava tão absorto em pensamentos que não percebeu que um dos funcionários do hospital estava chegando. 

    “Ah, é você…” Ele respirou aliviado vendo que era Fuka. “Como conseguiu passar?”

    “Eu dei um jeito. Mas não importa agora. Essa é a mãe dele?”

    Fuka foi adiante e se aproximou dele. Seus olhos recaíram sobre Haruki, que continuava sussurrando suas histórias para sua mãe. 

    “É o que parece. Eu me pergunto o que ela tem realmente, mas acho que Haruki não está em condições de explicar…”

    “Hm. Vendo de perto, ela não tem nada a ver com Hachishakusama.”

    A garota analisou friamente. 

    “E porque deveria?”

    “Por nada. Eu só estava pensando se ela teria alguma ligação. Foi isso o que você imaginou também, não foi?”

    Ela tinha razão. A princípio, Mayck pensou que a mãe de Haruki pudesse, de alguma forma, ter uma ligação com o youkai, porém, desde que entrou no quarto, não notou nada de anormal. 

    Parece que eu estava errado. 

    “Eu pensei. Mas não é o que parece. Bom, eu tenho algo a fazer agora. Deixe-o ficar com ela por um momento. Deve ser o suficiente para ele se recompor.”

    “Para onde você vai?” Fuka perguntou ao garoto que estava indo à porta. 

    “Vou encontrar alguém. Se algo acontecer, pode me ligar. Até mais.”

    Ela saiu e logo deixou o hospital, tomando cuidado para passar pelo guarda sorrateiramente. Seu objetivo era ir até a torre de Tóquio, onde marcou de se encontrar com Caleb. 

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