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    Enquanto caminhava em direção à Torre de Tóquio, Mayck se pegou refletindo sobre Haruki e toda a situação que os rodeava. 

    Mesmo se convencendo de que o que pensou pudesse ser apenas um mal entendido, ele não conseguia se livrar daquele mal pressentimento que o cercava. 

    Não é que ele desacreditava de Fuka, mas tinha um certo grau de incredulidade quanto aos rituais para invocar seres mitológicos como youkais. Era possível existir? Sim. Porém, tudo o que ele presenciou até aquele momento tinha uma pitada de toque humano, quer fosse um portador que criou com habilidades desconhecidas ou um grupo através de experimentos duvidosos. 

    Entretanto, havia muitos mistérios rondando o mundo, então rir de qualquer possibilidade e descartá-la imediatamente era tolice. 

    A lua alta no céu com poucas nuvens, Mayck chegou até a torre e se infiltrou no meio da multidão, tomando cuidado com qualquer pessoa que olhava diretamente para ele. Afinal de contas, Caleb conhecia quem ele era de verdade, então vê-lo em seu ponto de encontro com o Olhos azuis seria o mesmo que dizer que eram a mesma pessoa. 

    Havia um beco escuro por perto, então o garoto foi até lá e pôs a máscara branca em seu rosto, certo de que ninguém o reconheceria a partir daquele momento. 

    “Oh, te achei. Pensei que fosse meter o pé e não iria aparecer.” Alguns minutos depois, Caleb se aproximou. “Espero que esteja preparado para o que vem a seguir.”

    “Eu não sou de deixar os outros esperando. Mas isso quer dizer que você já tem um plano para encontrar aquele cara?”

    Caleb sorriu presunçosamente, gesticulando e pondo a mão direita na cintura. 

    “Eu fiz minhas pesquisas. Mas ainda conto com você para o planejamento. Afinal, é trabalho do guia fazer o melhor plano turístico para os turistas.”

    “Sua lógica é bem irritante, sabe… Enfim, vamos indo. Para onde quer que a gente vá, vamos acabar encontrando um idiota ou dois.”

    “É bom que você entenda tão rápido. Mas deixe-me perguntar algo antes. O que você fez com aquilo?”

    Antes que Mayck pudesse continuar caminhando para o fundo do beco, Caleb o interrompeu. 

    “Ah, aquilo? Não se preocupe. Ainda está em minhas mãos. Quero descobrir o que é antes de entregar nas mãos da Black Room. Eles tem coisas demais pra lidar, sabe como é.”

    “É mesmo…? Bom. Acho que está bom assim, então.”

    Os dois saíram pela multidão. Caleb a frente e Mayck seguindo logo atrás, com o capuz em sua cabeça. 

    “Eu dei uma pesquisada mais a fundo ontem”, disse Caleb, num tom que Mayck podia ouvir. “Descobri que esse tal Takeru é um dos mais influentes no submundo de Tóquio. Ao que parece, ele é conhecido já faz um bom tempo e tem um longo histórico de conflitos com outros grupos criminosos.”

    Mayck escutou atentamente. Ele já tinha ouvido falar sobre algumas organizações que operavam nas sombras, mas nunca deu muito crédito, afinal, ele tinha outro foco. 

    “Infelizmente, as pessoas que eu encontrei não sabiam muito sobre, mas todos eles mencionaram rumores de que as facções estavam em uma disputa por poder. Só pra resumir.”

    “Se for esse o caso, então é certo afirmar que aquelas substâncias são algum tipo de arma… Você sabe quem mais está envolvido nisso?”

    “Er… eu estava focado em Takeru, então não liguei muito para os outros. Nós podemos descobrir hoje.”

    “Fala sério.” Mayck suspirou, balançando a cabeça em reprovação. 

    “Ei, não me trate como se eu fizesse meu serviço pela metade. Eu fiquei sabendo que há um lugar em que eles se reúnem… quer dizer, um membro da facção deles é bem conhecido, então é normal saberem sobre o paradeiro dele.”

    “Pelo menos isso… e quem é o tal?”

    “O nome dele é Shin. Pelo que me disseram, ele só é conhecido por se gabar o tempo todo de ser membro da facção de Takeru. Mas me alertaram para não criar confusão, já que o cara é barra pesada.”

    “Hmm… Então sua pesquisa não foi à toa. Onde nós vamos achá-lo?”

    Caleb a parou de repente e se virou para o que parecia uma viela estreita entre dois edifícios e com pouca iluminação. Levantou seu dedo indicador e apontou para o fundo do lugar. 

    “Lá. Seguindo nessa direção, tem um tipo de bar, onde ele gosta de passar a noite na bebedeira. Claro, quando não tem trabalho. Mas ele é tão avistado por esses lados que sabem até os dias que ele aparece ou não.”

    “E hoje é um desses dias. Bem, vamos lá. Se queremos descobrir onde Takeru está, é bom nos apressarmos”, afirmou. 

    “Você tem razão. Quanto mais rápido resolvermos isso, melhor.” 

    Caleb seguiu adiante. Mayck, porém, parou um pouco atrás. 

    “Antes disso, vamos combinar algumas coisas primeiro.”

    “O que foi?”

    “Mesmo sem saber como ele é, tenho certeza que nunca vai abrir a boca com alguém da Black Room por perto.”

    Caleb ponderou por um momento. Isso era verdade. 

    “O que vamos fazer então? Eu não sou muito bom com negociações… posso me virar, claro, mas você deve querer saber o que ele tem pra dizer, né?”

    “Obviamente. Mas quanto a isso, eu vou esperar um pouco mais longe. Você entra lá e conversa com ele. Eu tenho um dispositivo que permite chamadas, então é só você manter a ligação ativa.”

    “Quê? Sério?”

    “Aham. Só precisa me passar seu número. Não se preocupe, eu não vou embora. Vou ficar a uma distância segura. Tente não arrumar nenhuma confusão, está bem?”

    “E eu lá tenho cara de arruaceiro? Relaxa. Eu sei me controlar. Vou confiar em você.”

    Mayck assentiu. Meteu a mão no bolso e tirou o DA que recebeu da Black Room e gravou as informações de contato de Caleb. Depois de se dar mais algumas instruções, se despediram. Então ele se escondeu a cerca de dez metros do bar, no topo das escadas de uma saída de emergência de um dos edifícios.

    ****

    Caleb entrou no bar pela porta de madeira. Algumas luzes roxas acesas iluminavam o pequeno salão, que tinha algumas mesas redondas para quatro assentos preenchendo o local. Ao fundo, no lado oposto à porta, havia uma espécie de balcão, e alguns banquinhos em frente a ele. 

    Quando Caleb ouviu que era um bar, ele logo imaginou uma espelunca fedida com um clima hostil assim que entrasse. 

    Caramba. Isso é bem diferente. 

    Assim que entrou, foi encarado pelos que estavam mais perto da porta, mas logo eles voltaram às suas vidas, ignorando-o. 

    Caleb se dirigiu até o balcão, onde um barman preparava as bebidas para seus clientes de cara feia, porém indiferentes. Era um homem alto, vestindo um terno elegante e que passava um ar de confiança. Seus óculos de armação retangulares que mal cobriam seus olhos eram visivelmente falsos. 

    “Boa noite, meu caro convidado. O que vai querer?”

    O barman, com os olhos fechados, limpava o balcão suavemente. 

    “Como alguém que segue as leis, ainda não tenho idade para beber álcool. Tem alguma recomendação?”

    “Kuku. Uma ótima resposta. Se tivesse pedido algo inapropriado para sua idade, eu iria pedir que se retirasse. Dito isso, o que acha de um drink de limão com gás?”

    “Parece bom… vou aceitar isso.”

    O barman assentiu e se virou para pegar os ingredientes que precisava. 

    “Aliás, não é comum ver jovens da sua idade por aqui. Você não é japonês, certo? Veio de fora… posso afirmar que é americano?”

    “Em parte, sim. Mas eu não sou dos Estados Unidos. Vou ser sincero com você: estou procurando alguém.”

    O barman agitou um recipiente, chacoalhando algum líquido com maestria. 

    “‘Alguém’, ein?”

    “Para ser mais exato, um membro da facção Takeru.”

    As mãos do homem pararam rapidamente. Seu rosto rapidamente esboçou um sorriso sinistro, enquanto sua feição se tornava misteriosa. 

    “Hahaha. Já entendi. Um portador, não é? Posso perguntar o que faz por aqui? Você não parece pertencer ao mesmo grupo que aquele homem.”

    “Quanta perspicácia. Posso saber seu nome?”

    “Hm… Eu sou apenas o ‘Garçom’ desse lugar. Não preciso de um nome. Deixe-me me apresentar ao jovem promissor que acabei de encontrar. Se quiser qualquer coisa, pode me contatar. Obviamente, tudo tem um preço.”

    “Olha só. Você deve vender seus serviços para qualquer um que passe por aquela porta. Já entendi o que você quer. Isso quer dizer que você sabe quem estou procurando.”

    O Garçom sorriu enquanto terminava o drink prometido. 

    “Tá, tá. Me fala o que você quer.”

    “Muito inteligente. Eu não quero nada demais. Apenas um acordo de ajuda mútua. Eu te ajudo, você me ajuda.”

    Aquela era a filosofia do Garçom, um homem misterioso, gentil e carismático, que não queria nada além de relaxar e uma boa história para bisbilhotar. 

    Uma taça com uma bebida semitransparente borbulhante foi posta na frente de Caleb, uma rodinha de limão sobre a borda. 

    “Saquei. Muito bem, vamos fazer assim, então. Só me responda uma coisa: você não hesita em fazer um acordo com um garoto da minha idade?”

    “Meu pequeno convidado, eu ouvi falar que o Olhos azuis ainda nem está no ensino médio. Aproveite sua bebida. Talvez você possa fazer novas amizades por aí… Que tal começar com o vizinho?” 

    O Garçom piscou o olho direito, apontando para um homem de chapéu preto e uma camisa social cinza, o qual estava tomando uma bebida avermelhada em sua taça. 

    Caleb ainda estava em choque com a resposta, mas antes que pudesse questionar a menção repentina ao seu alvo de busca, o Garçom já havia se retirado silenciosamente. 

    Porra… o que foi isso?

    O Garçom. Um homem enigmático. Não seria surpresa se ele conhecesse todos os portadores de Tóquio. 

    Caleb balançou a cabeça e tomou um gole do drinks de limão e esboçou uma cara feia. 

    “Isso é apenas refrigerante, maldito.”

    Insatisfeito e com uma pequena fagulha de raiva do barman, Caleb olhou para sua esquerda. Fitou o homem por alguns segundos e se aproximou lentamente. 

    “Você está me encarando há um tempo. Precisa de alguma coisa, moleque?”

    “Fui descoberto…”

    O garoto nem teve a chance de realizar uma abordagem furtiva e já foi recebido com um olhar feroz. 

    “O que você quer? Não tenho tempo para perder com crianças.”

    “Eu não vou te fazer perder tempo. Te garanto. Shin-san, eu tenho algumas informações que podem beneficiar a facção Takeru.”

    “Hã?” Um olhar feroz o fuzilou. “Por que eu acreditaria nas histórias de um moleque feito você? Deve ser apenas um novato querendo crédito com a facção Takeru. Pois fique sabendo que não vai arrumar nada comigo.”

    “Poderia não gritar, por favor…? Apenas me escute. É verdade que tem um conflito entre as facções, não é? Na verdade, eu acabei me deparando com uns caras da facção Kuro.”

    “…”

    Pela primeira vez, Shin pareceu interessado. Então Caleb prosseguiu, vendo que ele mordeu a isca. 

    “Parece que eles estão planejando uma aliança com grupos menores para atacar vocês. Essa é uma informação valiosa, não?”

    “Como vou saber que você está falando a verdade? O que está escondendo?”

    Como Caleb esperava, Shin não era alguém tão fácil de convencer, dado o seu ego inflado e lealdade à sua facção. 

    Mas a partir daqui, eu o terei nas mãos. Droga. Aquele cara é realmente assustador. 

    “Eu vou te contar os meus motivos. Há um tempo, eu fazia parte da Golden Society. Mas depois do incidente da Skytree, onde eles me deixaram para morrer, eu só quero me vingar deles. A facção Takeru também rivaliza com eles, não é? Eu estava contando com a ajuda de vocês para derrubá-los e poder ver suas caras patéticas quando seus objetivos se perderem.”

     “…”

    “Além do mais, isso é benéfico pra você também. Não quero os créditos, você pode usar as minhas informações como bem quiser, mas eu só peço uma coisa em troca.”

    Shin olhou Caleb de cima a baixo. Seus olhos ainda tinham certa desconfiança, mas ele não podia evitar que suas ambições tocassem seu coração. 

    “O que é?”

    “Só quero me encontrar com Takeru-san. Você poderia arrumar uma reunião com ele? Não precisa se não quiser. Só me diga onde encontrá-lo.”

    “Não fique se achando, moleque. Quem você pensa que é para pedir isso? Sabe o quão ocupado Takeru-san é?”

    De repente, Shin levantou sua guarda e pareceu que a chance de fazê-lo ceder tinha se dissipado. 

    “Me desculpe. Não foi minha intenção. Isso quer dizer que não temos um acordo, não é? Tudo bem. Esqueça que eu estive aqui. Parece que eu vou ter que procurar outra pessoa para ficar com todas as informações que eu tenho”, disse Caleb antes de virar a taça com o refrigerante na boca. Depois se levantou e caminhou para a saída. 

    “Espera aí, moleque.” Antes que ele se distanciasse muito, Shin o chamou. “Eu vou ouvir o que você tem a dizer. Mas não se esqueça que ainda sou da facção Takeru. Se eu descobrir que está tentando me enganar, você não vai sair ileso”, ameaçou com olhos afiados. 

    Está aí. 

    Exatamente o que Caleb esperava. No entanto, ainda não era o bastante. 

    Eu quero inverter os papéis. Quero que ele implore pelas ‘informações’.

    Um sorriso presunçoso surgiu no rosto do garoto. Ele olhou para Shin com o mesmo olhar feroz. 

    “Você me ameaça e espera que eu diga? E se você não acreditar em mim? Vai me matar? Acho que eu não quero assumir esse risco. Talvez seja melhor procurar uma opção mais segura.”

    “Grr… Você me procura pra pedir ajuda e ainda acha que tem alguma moral pra levantar a voz?! Só me diga o que você sabe e vá embora. Eu posso considerar pensar no seu problema.”

    “Recusado. Não vou dar minhas preciosas informações que com certeza vão te ajudar apenas para receber um ‘talvez’. Você pode usar as informações que recebeu para subir na organização e me passar a perna.”

    Shin rangeu os dentes e bateu sua taça nos lábios, virando a bebida. Caleb tinha conseguido entrar em sua mente. 

    Era apenas uma aposta, mas o garoto imaginou que Shin queria muito ser alguém reconhecido na facção Takeru, então jogou uma isca irrecusável, que mais pareceu um pote de ouro para ele. Se tivesse aquelas informações poderia subir rapidamente da base da facção para o topo em questão de tempo. 

    Eu não posso perder essa chance, foi o que Shin pensou. 

    “Que se foda. É um encontro com Takeru-san que você quer, não é? Muito bem. Eu vou conseguir isso. Mas as informações que você tem, todas elas, são apenas pra mim. Entendeu?!”

    “Hmmm, estamos quase em um acordo, mas falta um pouco de humildade nisso aí…”

    “Argh! Está bem. Me dê essas informações, por favor, moleque!”

    Seu desejo ardente por subir o fez engolir seu orgulho de forma tão fácil…

    “Isso é ótimo.” Caleb sorriu e se sentou novamente ao lado de Shin. “Escute com bastante atenção.”

    ****

    Voltando à Mayck, que estava esperando solenemente no topo da escada. 

    Ele ouviu atentamente às conversas de Caleb e o que mais o chocou foi ouvir seu apelido como portador vindo de uma pessoa aleatória. 

    O Garçom… como ele sabe isso sobre mim? Foi apenas um palpite? Não. Ele falou com muita certeza. 

    Como ele tinha recebido tal informação era a questão. Mayck não conseguia imaginar outra coisa além de que foi dada por alguém que sabia quem ele era ou até mesmo pelo próprio Garçom, caso ele estivesse tentando esconder o sujeito com um “tenho um amigo”.

    De qualquer forma, não era hora de pensar muito sobre isso. Ele manteria aquela pessoa em mente para investigar no futuro, porém, naquele momento seu foco tinha que ser Takeru. 

    Enquanto ouvia atentamente a resposta de Shin, Mayck teve sua atenção tirada para algumas vozes que vinham de baixo. Tirou o DA do rosto e se abaixou um pouco. 

    Eram dois homens. Pelas vozes, eles não pareciam estar de bom humor, pelo contrário, pareciam temer alguma coisa. 

    “Merda… era para estar nas mãos dele ainda hoje. Ninguém sabe quem eram aqueles vermes?”

    “Se soubesse já teriam achado. Nós começamos a procurar por eles logo depois de encontrarmos os caras desmaiados no ponto de encontro, mas não havia ninguém pela área.”

    “Droga! Não deveria ter sido desse jeito. Hikaru falou que era o Olhos azuis que estava ali… se foi ele mesmo, então estamos ferrados. Takeru falou para não nos envolvermos com ele de jeito nenhum.”

    “Eu não acredito nisso. Quero dizer, por que caralhos o Olhos azuis pararia sua luta para vir atrás dos caras do submundo? Ele não tem nada a ver com isso.”

    “Não fala sobre isso. Ele desmaiou. Só deve ter jogado a culpa em um nome que veio à mente.”

    Os dois homens seguiram conversando até sumirem na escuridão da viela. Mayck parou, pensativo. 

    Ele tem um ponto. 

    Realmente, ele tinha zero relação com o submundo, até onde sabia. Não tinha motivo para investigá-lo, nem era problema seu, na realidade. 

    Mas agora que estou envolvido nisso, tenho que ir até o fim. Preciso descobrir o que é aquela porcaria. Por enquanto, vou me esconder na sombra de Caleb, já que eles não tem certeza do meu envolvimento. 

    Seu plano era investigar tudo isso sem receber atenção nenhuma. 

    Enquanto pensava sobre isso, a conversa entre Caleb e Shin foi encerrada. E Caleb falou pelo telefone.

    “Está aí?”

    “Estou sim.”

    “Você ouviu tudo, não é? O que vamos fazer?”

    “Isso está em suas mãos. Continuar investigando hoje ou parar por aqui é decisão sua.”

    “Então vamos continuar amanhã. Shin-san falou para nos encontrarmos aqui e ele vai nos levar até Takeru. Está bom, assim, certo?”

    “Está ótimo. Pense bem no seu próximo passo”, respondeu Mayck. “Você não quer ter uma facção tão grande no seu encalço, certo? Se possível, tente uma abordagem pacífica, porém, direta.”

    “Sim, sim. Entendido. Nós nos vemos amanhã. Tente não me dar um bolo.”

    Antes que Mayck pudesse responder, a ligação foi encerrada. Parecia que a investigação deu bastante frutos e eles não levaram tanto tempo. 

    “Bem, acho que vou falar com Michio.” 

    Mayck encarou o conteúdo da seringa. Talvez ele pudesse obter uma resposta sobre o que seria aquilo antes mesmo de ir até Takeru. 

    Então ele saiu sorrateiro e ligeiramente dali. 

    <—Da·Si—>

    Fuka se aproximou da janela e encarou o céu noturno. Haruki ainda permanecia falante com sua mãe, então ela decidiu espairecer um pouco. 

    Que sensação estranha. Eu sinto que já a vi antes. 

    Quando teve a chance de olhar Miyuki mais de perto, ela não conseguiu se livrar do sentimento familiar que sentia em relação à mulher. 

    Não era das melhores sensações. Era como um pequeno arrepio percorrendo seu corpo. 

    Quando é que você vai voltar ao normal, hein?

    Ela olhou para Haruki. O garoto estava de joelhos e com a cabeça na cama, olhando para sua mão com uma expressão quebrada, de alguém que não conseguia fazer mais nada além de sorrir sem esperança alguma. Ao que parecia, ele estava falando de suas experiências como agente da GSN. 

    Isso nem é algo para ser falado, idiota. Ela suspirou. Parece que os efeitos da maldição são bem diferentes do que eu imaginava. Parece que ele está perdendo a razão e tudo o que restou foi sua mãe. 

    Por algum motivo, seu coração balançou. 

    Haruki estava perdendo toda a sua noção básica de vida. Experiência, amigos e até mesmo Fuka. Pensar nisso deixou a garota com um semblante de dor. 

    Mas isso deixou de importar muito quando a porta do quarto foi repentinamente aberta por uma enfermeira. E não era um alarme falso. Fuka já se preparou para acabar com qualquer testemunha em potencial. 

    Uma mulher loira entrou, empurrando um carrinho com algumas seringas e medicamentos. 

    “Hum? Quem são vocês? Não sabia que teria visitas nesse horário”, disse depois de alguns segundos, ao perceber a presença de Haruki e Fuka. 

    Fuka baixou sua guarda, vendo que era só uma enfermeira comum. E, ao julgar pela reação dela, não tinha ido até ali para os repreender. 

    “Nós não planejamos vir nesse horário, mas acabou surgindo a necessidade.”

    “Ah, entendo.” Ela mostrou uma atitude compreensiva quando viu Haruki em seu péssimo estado mental. “Eu vou apenas aplicar o medicamento dela e vou deixá-los à vontade.”

    “Hm… Sem problemas.”

    Fuka deu espaço à enfermeira, que conduziu o carrinho até o suporte que continha uma bolsa de soro e um tubo ligado ao braço esquerdo de Miyuki por uma agulha. Com a ajuda de outra agulha, ela começou a inserir o medicamento aparente. 

    A garota observou as costas da mulher. De repente seu estômago se revirou. Seus olhos arregalaram quase como se fossem saltar de seu rosto e ela foi tomada por náuseas. Sua mente ficou esbranquiçada. 

    Tudo por conta de uma única olhada para a pequena tatuagem na nuca da enfermeira. Era um portão tradicional japonês com um olho no meio cruzado por uma cruz. 

    Ela sentiu o vômito subir. Instintivamente, correu para fora da sala e procurou o banheiro mais próximo. Dirigiu-se a uma privada qualquer. 

    Impossível! Não! Não posso acreditar nisso. Como…?!

    Sua mente ainda estava girando e tentando processar o que viu. 

    Fuka não teve um passado bom. Suas lembranças mais amargas eram a de estar amarrada a uma mesa de pedra e ter dezenas de pessoas encapuzados ao seu redor. Todas elas possuíam máscaras com aquele mesmo maldito desenho. 

    Fuka mesmo tinha um desses inscrito como uma cicatriz em suas costas. 

    Maldição! Se eles estão aqui, então com certeza são os culpados pelo aparecimento de Hachishakusama. 

    Eu preciso pará-los, ela pensava, mas não conseguia se mover um centímetro. Seu corpo estremecia só de se lembrar. Fuka vomitou mais algumas vezes antes de conseguir se levantar e parar na frente do espelho, sem forças. 

    Eles sumiram por tanto tempo… porquê voltaram agora?

    A GSN tinha os expulsado há anos. 

    A enfermeira bem que podia ser apenas uma remanescente do grupo, Tengoku no mon, mas Fuka não conseguia imaginar que ela não estivesse fazendo algo suspeito…

    Essa palavra martelou na cabeça da garota, causando um choque que percorreu até seus pés. 

    Por que ela está medicando a mãe de Haruki?

    Como uma bala, ela disparou de volta para o quarto, desejando que o pior não tivesse acontecido. Determinada a interrogar a enfermeira, ela invadiu o quarto. Porém, o vento a recebeu ferozmente. As cortinas tremulando e a luz da lua correndo livre pelo quarto. 

    Já não restava uma alma viva sequer ali. Nem Haruki, nem Miyuki, muito menos a enfermeira. 

    Perto da janela, havia um pequeno frasco de vidro quebrado, cujo líquido roxo translúcido se derramou ao cair no chão. 

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