Capítulo 10: Sombras do Passado
A viagem seguiu em um silêncio ponderado, e a tensão parecia flutuar ao redor deles, como se as sombras da floresta observassem o grupo com um interesse renovado.
A estrada serpenteava entre as árvores, com a luz do sol diminuindo enquanto o fim da tarde se aproximava, deixando o ambiente mais sombrio e carregado.
Depois de algumas horas, Elara quebrou o silêncio.
— Ivar, você acha que Thirel terá as respostas que procura? Que… realmente valerá a pena passar por lá?
Ele desviou o olhar da estrada, fitando-a brevemente antes de responder.
— Não sei, Thirel é o lugar onde posso encontrar mais informações sobre… — ele hesitou, como se ponderasse até que ponto deveria se abrir — …sobre o artefato que pode trazer minha filha de volta. E Thirel fica no caminho para as Montanhas Muralha.
Ela assentiu lentamente, compreendendo o peso que ele carregava.
Nyara se juntou à conversa com seu tom habitual, levemente cético.
— Esse tipo de cidade nunca traz respostas fáceis. Pelo que ouvi, Thirel é cheia de velhacos e suas bibliotecas empoeiradas. E o que quer que você esteja procurando, Ivar… bem, talvez não será algo que gostará de ouvir, e pelo que eu sei, um artefato desse só poderia ser usado por um Deus.
— Talvez… — ele murmurou, sem se deixar abater pelo que ela disse — …mas não vou desistir agora. Thirel é uma cidade com muito conhecimento, não é atoa que a escola de magia fica lá, e eu sobrevivi a coisas piores, livros e pergaminhos não vão me derrotar.
À medida que a noite se aproximava, decidiram montar acampamento em uma pequena clareira.
Enquanto Elara preparava uma fogueira, Nyara assumia a vigília, e Ivar organizava as provisões.
Quando o fogo começou a iluminar a escuridão ao redor, um sentimento de estranha tranquilidade envolveu o grupo.
Por um breve instante, parecia que os perigos e segredos desse mundo eram apenas um rumor distante.
Durante o jantar, Elara não pôde deixar de notar a seriedade nos olhos de Ivar.
— O que exatamente espera encontrar, Ivar? —ela perguntou, num tom baixo e curioso — Já passou por tanta coisa… o que acha que ainda pode descobrir que mudaria algo?
Ele ficou em silêncio, o olhar perdido nas chamas da fogueira.
— Verdade, Elara. Eu só quero a verdade. E se o que Nyara disse for verdade, então farei tudo o que eu puder, nem que eu tenha que matar um Deus ou então… me tornar um.
Elara trocou um olhar de preocupação com Nyara.
As palavras de Ivar eram cheias de uma determinação que ofenderia até o mais bondoso dos Deuses, mas também revelavam o peso insuportável de sua perda.
Nyara, por outro lado, apenas soltou um suspiro cansado, acostumada às ambições insanas de Ivar.
— E supondo que você consiga a posse desse artefato — indagou ela, com os olhos semicerrados enquanto o encarava — …você tem ideia do que precisará sacrificar para usá-lo?
Ivar manteve o olhar firme.
— Se eu preciso sacrificar algo, então que seja. Perdi minha filha e minha esposa, não tenho nada mais que me prenda a este mundo… além de minha promessa e minha vingança.
As palavras pairaram no ar, pesadas e cheias de significado. Elara sentiu um aperto no peito, e, por um instante, viu a vulnerabilidade que Ivar escondia sob sua fachada endurecida.
Ele era forte, mas as cicatrizes em sua alma o tornavam um homem desesperado por respostas.
— Então está decidido! — disse Elara, em um tom suave, mas firme — Seguiremos para Thirel, e faremos o que for preciso para obter as respostas.
— E se Thirel for apenas o começo? murmurou Nyara — Você sabe como esses artefatos atraem problemas… e coisas que nem consigo imaginar. Talvez até algo pior do que enfrentamos hoje.
Ivar assentiu lentamente, aceitando o aviso de Nyara sem hesitação.
— Se for esse o caso, então enfrentarei o que vier — sua voz estava baixa, mas cheia de convicção.
Enquanto a noite se aprofundava, eles permaneceram em silêncio ao redor da fogueira, cada um perdido em seus próprios pensamentos, sabendo que Thirel representava tanto uma promessa quanto uma ameaça.
As horas passaram lentamente, e o grupo se revezou nas vigílias, ouvindo o crepitar do fogo e o sussurro do vento nas árvores.
Era uma noite sem lua, e a escuridão ao redor parecia mais densa e ameaçadora do que o normal, como se a floresta estivesse atenta à conversa que haviam tido.
Perto do amanhecer, Ivar acordou de um sono inquieto.
Ele teve um sonho em que via sua filha correndo em um campo aberto e florido, sua risada ecoando como música em seus ouvidos, mas sempre que ele tentava alcançá-la, ela desaparecia em uma névoa escura e densa.
Ao se levantar, ele olhou para o horizonte, onde uma leve tonalidade alaranjada e azulada indicava o nascer dos dois sóis.
Elara também estava acordada, observando-o em silêncio. Ela sentia a inquietação de Ivar como uma corrente de tensão invisível que o envolvia.
— Ivar… você acha que vale a pena abrir todas essas portas? — ela sussurrou, ainda sem deixar o tom de questionamento em sua voz — Às vezes, certos mistérios são deixados de lado por uma razão.
Ele hesitou antes de responder, o olhar fixo na linha do horizonte.
— Eu sei, Elara. Mas para mim, não há outra escolha. Se há uma chance, por menor que seja, de recuperar minha filha… então eu a seguirei até o fim.
Nyara, que acabara de despertar, esticou os braços e caminhou até eles, quebrando o momento de silêncio.
— Se estamos realmente indo até Thirel, sugiro que terminemos logo com esses dramas filosóficos e nos preparemos para o que está por vir. Ouvi dizer que a cidade está infestada de oportunistas e caçadores de artefatos. Sem contar os espiões e religiosos que adoram se meter onde não são chamados.
Ivar sorriu de canto, entendendo o sarcasmo na voz de Nyara.
— Você tem razão. Vamos, quanto antes chegarmos lá, mais rápido terei as respostas de que preciso.
Com isso, eles desfizeram o acampamento e seguiram viagem, sentindo o peso da jornada cada vez mais, como uma sombra que crescia sobre eles.
O destino que os aguardava não seria fácil, mas cada um, à sua maneira, estava disposto a enfrentar o que fosse necessário para desvendar os segredos ocultos da cidade mística.
Eles já estavam no segundo dia de viajem, chegariam em Thirel ao entardecer de amanhã.
A floresta deu lugar a uma planície, uma grande parte de terra aberta, no caminho haviam ruínas antigas de templos e estátuas de Deuses antigos.
Eles continuaram indo ao norte, no extremo leste ficava a grande fortaleza principal dos Guardiões da Noite, ao qual Ivar fazia parte no passado. Ele sabia que não podia se deixar ser encontrado, pois como ele era um fugitivo e traidor, os Guardiões da Noite também estavam à sua procura.
Então eles seguiram por esse deserto verde, com poucas árvores, morros e colinas.
O silêncio agora era interrompido apenas pelo som dos cascos dos cavalos sobre a grama baixa e pelo vento que soprava suave, balançando as poucas árvores que se erguiam isoladas no horizonte.
O céu acima deles estava claro, sem nuvens, mas a presença das ruínas espalhadas pelo campo, estátuas de deuses antigos e templos esquecidos, trazia uma sensação de misticismo e respeito pelo passado.
O lugar já tinha sido tocado pelo tempo, afinal, já se passaram milhares de anos que tais construções haviam sido construidas, e mesmo Nyara, que normalmente fazia piadas cínicas para quebrar a tensão, manteve-se em silêncio, olhando ao redor com uma expressão de curiosidade cautelosa.
As duas crianças e o elfo também estavam fascinados com toda essa construção antiga, é como se as estátuas estivessem vivas, de certa forma.
Elara estudava as estátuas enquanto cavalgavam, intrigada pelas expressões severas dos rostos de pedra, os olhos vazios que pareciam observá-los.
— Esse lugar tem uma aura peculiar, não? — comentou Elara — Como se as histórias que foram enterradas aqui ainda pudessem ser ouvidas, sussurradas pelo vento.
Nyara olhou para Elara e depois para Ivar, que mantinha o olhar fixo na direção norte, os músculos tensos.
Ela sabia que o passado de Ivar com os Guardiões da Noite era um fardo, uma lembrança que ele carregava, mas que raramente discutia.
Aquela fortaleza, ainda distante a leste, parecia exercer uma força invisível sobre ele, como se tentasse trazê-lo de volta.
— É, mas acho que a última coisa que Ivar quer é ouvir essas histórias, não é? — com um sutil toque de empatia em sua voz.
Ivar finalmente desviou o olhar do horizonte, olhando para elas com um ar determinado.
— Aquelas histórias… já têm donos. Eu estou buscando uma nova história, algo que realmente valha a pena.
Eles avançaram por algumas horas até que o sol começou a descer no horizonte.
Quando o entardecer se aproximou, avistaram uma pequena colina mais à frente, perfeita para montarem acampamento e observarem os arredores sem serem vistos.
Enquanto montavam o acampamento, Ivar manteve a atenção voltada para o leste.
Por mais que estivesse determinado a não cruzar com eles, sabia que o passado ainda lançava sua sombra, e uma parte dele se preparava para a possibilidade de ser encontrado…
A noite chegou silenciosa, envolvida por uma névoa tênue que cobria o vale ao redor da colina.
As estrelas pontilhavam o céu, e a temperatura caiu ligeiramente, trazendo um frio que parecia intensificar a quietude do lugar.
Nyara cuidava da fogueira, alimentando-a com gravetos e mantendo as chamas acesas, enquanto Elara distribuía algumas mantas e racionava o jantar.
O elfo e as crianças se acomodaram para poderem se alimentar.
Ivar se mantinha afastado, de costas para a fogueira, olhando o horizonte com uma expressão distante.
Nyara, notando seu olhar fixo no leste, comentou em tom baixo, mas sem perder o sarcasmo habitual.
— A fortaleza não vai desaparecer se você continuar encarando ela, Ivar. Se estão te procurando, a essa altura já teriam mandado uma patrulha atrás de nós.
Ivar respirou fundo e se virou para ela, um leve sorriso escapando por entre a seriedade de seu rosto.
— Talvez… mas, com os Guardiões, nunca se sabe. Eles são persistentes, e o juramento que fizemos… Ele fez uma pausa, o olhar endurecendo — Eu o quebrei… e eles não perdoam traição.
Elara, que escutava em silêncio, interrompeu suavemente.
— Talvez, então, seja hora de deixar o passado para trás. O que estamos buscando já é desafio suficiente. Não precisamos de sombras antigas nos arrastando para trás.
Ivar assentiu, apreciando a tentativa de conforto. Ele sabia que Elara entendia o peso que ele carregava, mas as palavras dela também tinham um toque de esperança, um fio tênue de otimismo que ele quase esquecera que existia.
Talvez, em Thirel, ele realmente pudesse encontrar mais respostas para o que buscava.
Depois de alguns minutos em silêncio, Ivar decidiu se afastar um pouco para vigiar a área enquanto os outros descansavam.
Ele caminhou até uma das ruínas próximas, uma coluna parcialmente destruída com inscrições desgastadas pelo tempo.
Passou os dedos pelas marcas entalhadas, sentindo a textura fria e áspera da pedra sob sua pele, como se tentasse absorver um pouco da força das antigas histórias gravadas ali.
E então, de repente…
— Como está indo sua viagem, minha criança?
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