Ivar ficou em silêncio por um momento, os olhos fixos nas páginas do livro, mas sua mente já distante, ponderando como revelar a verdade a Elara.

    Ele nunca compartilhara essa parte de sua história com ninguém, e o peso dessa revelação era imenso.

    Ele sabia que ela poderia ficar surpresa, talvez até desconfiada, mas a confiança que compartilhavam agora não poderia ser quebrada.

    Ele finalmente olhou para ela, o rosto impassível, mas os olhos traiçoeiros em sua sinceridade.

    — Eu… — sua voz mais baixa agora, como se o fardo de suas palavras o esmagasse — Eu sou filho de um deus. De Vallfen, o Deus do Caos.

    Elara olhou fixamente para ele, os olhos arregalados em surpresa. Ela não esperava ouvir aquilo, não de Ivar.

    O silêncio que se seguiu parecia pesar mais que qualquer palavra que poderia ser dita.

    — Como…? — Elara murmurou, a voz tremendo de incredulidade. Ela recuou ligeiramente, os dedos ainda em sua mão, como se tentando entender a extensão daquilo. — Como você… como isso é possível?

    Ivar suspirou e passou a mão pelo cabelo, tentando organizar seus pensamentos.

    Ele nunca tinha falado sobre isso, nunca quisera falar sobre sua origem divina.

    Mas, agora, a verdade parecia importante, especialmente com o peso de sua missão e do que ele estava prestes a buscar.

    — Irei te contar desde o início. Minha mãe era elfa das Neves, raras nesse continente, era de uma família antiga de fazendeiros nobres, quando Kaygon, um humano, fez a proposta, ela se casou. Ele já tinha uma esposa, dois filhos e estava esperando por outro, minha mãe pensava que ele era um homem bom, diferente dos outros humanos, mas não… — ele cerra os punhos, seu ódio é visível — ele é o pior de toda essa escória.

    — Continue, Ivar.

    — Eu nasci em uma noite de tempestade, uma noite sombria, a escuridão tomou conta de toda a mansão. Eu não era como minha mãe, muito menos como Kaygon. Milha pele era cinza e eu tinha dois pequenos chifres e um rabo, um tiefling. Kaygon nunca tratava bem minha mãe, e depois do meu nascimento, tudo piorou. Ele fez minha mãe de escrava, acusou ela de ter se deitado com um demônio, consequentemente eu também virei um escravo. Depois ele adquiriu inúmeros outros escravos, todos não-humanos.

    — Que homem horrível! Humanos são mesmo uma raça sem piedade — Elara começa a chorar.

    — Quando eu tinha 17 anos, um Guardião da Noite passou por nossa vila, ele teve compaixão de nós e comprou nossa liberdade. Mas Kaygon era sujo, anos depois ele encontrou a vila em que minha mãe morava, ele a matou e matou todos na vila, que também foi toda queimada. Eu estava em patrulha, e fiquei sabendo do que tinha acontecido tarde demais, quando cheguei lá, minha mãe já estava morta, eu só podia segurá-laem meus braços e chorar, eu já não pensava mais, era como um animal irracional. Foi quando Vallfen apareceu. Ele sussurrou em meus ouvidos, dizendo para eu me alimentar da fonte de energia vital de minha mãe, a mulher que me deu a vida, assim eu ficaria mais forte e poderia me vingar. E como eu já não racionava mais, obedeci.

    — Pelos Deuses, Ivar. Eu não sei o que dizer… — ela o abraça forte, ainda chorando.

    — Depois disso eu decidir ir para outro lugar, bem longe. Encontrei uma pequena vila e morei lá por um tempo, logo depois conheci minha esposa, ela era humana, mas era diferente, ela servia a Solarea, Deusa do Dia e aquela que guia os vivos, ela era uma clériga e possuía um manto branco, que agora sou eu quem uso. Depois tivemos nossa filha, e vivemos cinco anos tranquilos, até Kaygon aparecer novamente. Eu estava fora, em muma missão para os Guardiões, corri para casa o mais rápido que eu pude, e quando cheguei, vi Kaygon junto de seus homens segurando minha filha e minha esposa em uma fogueira prestes a ser queimada… — ele para por alguns segundos, tentando segurar o choro — …eu não pude fazer nada, se eu me movesse, Kaygon mataria minha filha também. Minha filha conseguiu se soltar, mas Kaygon foi mais rápido e perfurou as costas dela… ela morreu em meus braços e eu vi sua alma entrar nesse colar… — ele mostra o colar que sempre carrega — é uma herança de família. Depois disso tudo, eu fui me vingar, matei toda a família de Kaygon, as crianças do templo humano, outros nobres, isso tudo você já sabe. E depois de dois anos, você me encontrou.

    Elara ficou em silêncio, os olhos marejados, a respiração pesada. Ela o abraçou ainda mais apertado, tentando confortá-lo, mas também sentindo a imensidão do peso da dor que ele carregava.

    A história de Ivar era mais cruel do que ela jamais imaginaria, e as revelações sobre sua origem divina e a dor que ele havia sofrido a deixavam atordoada.

    Mas, ao mesmo tempo, ela sentia um novo entendimento sobre ele, sobre sua busca por vingança, e sobre o que o havia moldado.

    — Eu não sabia… — ela murmurou, afastando-se um pouco para olhar nos olhos dele. — Eu sabia que você carregava uma dor profunda, mas nunca imaginei que fosse algo tão… terrível. Eu sinto muito, Ivar.

    Ele balançou a cabeça, uma expressão amarga surgindo em seu rosto.

    — Não há o que sentir. O que aconteceu foi… inevitável. Eu não sou mais o homem que era antes. O que resta em mim é uma sombra, uma obsessão por vingança. E é isso que me guia agora.

    Elara o olhou com intensidade, percebendo a batalha interna que ele travava.

    Ele estava perdido, imerso em seu desejo de vingança, e talvez fosse esse o verdadeiro peso que o definia, mais do que qualquer origem divina ou sofrimento.

    — Mas não é isso que define quem você é, Ivar. Não precisa ser só isso. Eu vejo você, a pessoa que ajuda os outros, que combate a escuridão, que procura justiça. Mesmo carregando todo esse peso, você ainda tem a capacidade de lutar pelo que é certo.

    Ele olhou para ela, seus olhos esverdeados mais suaves, embora ainda marcados por toda a dor e sofrimento que havia vivido.

    — Não sei mais o que é certo, Elara. Eu… não sei mais em quem posso confiar, nem em mim mesmo. Mas a vingança, a busca por esse poder… tudo me leva para mais perto da minha missão.

    Elara apertou sua mão, tentando passar algum conforto, alguma luz.

    — Eu sei o quanto isso é importante para você, e eu entendo que a dor da perda é algo que ninguém pode apagar. Mas você não precisa carregar isso sozinho. Se houver algo que eu possa fazer, estou aqui para te ajudar. Não precisa ser só vingança.

    Ivar a observou por um momento, seus olhos refletindo a luta entre o peso da dor e o desejo de um novo caminho.

    Finalmente, ele respirou fundo e assentiu lentamente.

    — Eu… não posso prometer que mudarei. Mas, se você estiver ao meu lado, talvez eu possa descobrir algo mais além da vingança. Algo que valha a pena lutar.

    Elara sorriu com um pequeno, mas genuíno sorriso, sentindo uma leve esperança começar a nascer dentro dela, uma esperança de que, talvez, juntos, poderiam encontrar algo mais do que dor e escuridão.

    — Então vamos, Ivar. Vamos seguir, não só atrás da vingança, mas também de algo mais. Algo que nos permita ser mais do que o que o passado nos fez ser.

    Ivar a olhou com uma expressão diferente, algo mais suave, e pela primeira vez em muito tempo, ele sentiu que talvez houvesse, de fato, um caminho a seguir, além da vingança e da escuridão que o consumiam.

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