Um tempo se passou e um dos cultistas trazia consigo a mulher que seria sacrificada no ritual de Kaygon. Eles estavam se preparando para partir da cidade.

    Não havia mais escolha. O tempo estava se esgotando, e a única maneira de impedir o ritual era atacar agora.

    Ivar e Elara trocaram um olhar rápido.

    Não havia necessidade de palavras.

    Ambos sabiam o que fazer.

    Com um movimento preciso, Ivar pegou sua foice, uma energia negra e roxa se retorcia ao redor de seu corpo. Elara ergueu sua espada, o brilho avermelhado iluminando levemente as paredes ao redor.

    Os cultistas ainda estavam próximos das celas, ocupados enquanto guardavam suas coisas para partir. O líder de manto vermelho murmurava palavras arcanas, desfazendo qualquer evidência de que eles tivessem estado naquele local.

    A prisioneira estava acorrentada dentro de uma jaula no centro, seus olhos arregalados de puro terror.

    — Agora! — Ivar rosnou.

    Ele avançou como uma sombra viva, sua lâmina ceifando o primeiro cultista antes que ele pudesse reagir. O corpo do homem caiu sem vida, seu sangue se misturando as poças de água no chão.

    O choque durou apenas um instante antes que os outros se virassem, gritando alarmes para seus companheiros.
    Elara seguiu logo atrás, sua espada dançando no ar em um arco brilhante.

    Um dos cultistas ergueu um cajado para conjurar um feitiço, mas antes que pudesse terminar a invocação, ela girou e atravessou sua lâmina em seu peito.

    O líder dos cultistas recuou, cerrando os dentes ao ver seus seguidores caindo um a um.

    — Malditos intrometidos! — ele cuspiu, levantando as mãos. A sujeira ao seu redor começou a se agitar, formando mãos grotescas de lodo e lama que se lançaram contra Ivar e Elara.

    Ivar desviou por pouco, rolando para o lado antes de erguer sua mão e conjurar um tentáculo sombrio debaixo do cultista. A energia negra segurou sua perna causando dano, fazendo-o gritar e se desesperar para se soltar.

    Elara não perdeu tempo. Ela correu até a prisioneira e golpeou as correntes que a prendiam. O metal se partiu com um estalo, libertando a mulher.

    — Você consegue andar? — Elara perguntou.

    A mulher, pálida e assustada, balançou a cabeça dizendo sim, rapidamente.

    Mas antes que pudessem recuar, o líder cultista pegou um punhal que tinha várias mãos saindo dele, e cravou a lâmina em seu próprio peito, rindo com um sorriso macabro.

    — Vocês acham que venceram? Phobos, o Deus do Pavor, o meu Deus, verá isso como um sacrifício mais que digno!

    Seu corpo se contorceu em espasmos, e uma rajada de energia sombria explodiu da ferida, formando um vórtice negro no centro do que antes era seu peito. O chão começou a tremer, rachaduras se espalhando pelas pedras antigas.

    — Droga! — Ivar puxou a prisioneira colocando-a atrás dele — Precisamos encontrar um jeito de sair daqui, agora!

    Elara correu ao lado deles enquanto o vórtice crescia, engolindo os cadáveres dos cultistas caídos. Algo do outro lado do portal se movia, uma presença maligna se formando na escuridão.

    Eles haviam inpedido que a mulher fosse levada para o ritual… mas talvez tivessem despertado algo ainda pior.

    Um vento gélido e fétido soprou do vórtice negro, carregado com sussurros ininteligíveis e uma pressão esmagadora. A podridão do local se contorcia como algo vivo, pulsando e expandindo, ameaçando consumir tudo ao redor.

    Ivar sentiu os pelos de sua nuca se arrepiarem. Ele conhecia aquela sensação. Aquilo não era apenas magia sombria… era a manifestação de algo muito pior.

    — Elara, leve a mulher e saia daqui! — Ele ordenou, firmando sua postura com a foice em mãos.

    — E te deixar aqui sozinho?! — Elara rebateu, os olhos flamejantes de raiva.

    Antes que Ivar pudesse responder, uma silhueta começou a emergir do vórtice.

    Varios braços retorcidos, mãos alongadas com dedos finos e garras afiadas, uma forma humanoide grotesca e distorcida, como se a própria realidade estivesse rejeitando sua existência.

    O ar se tornou denso, difícil de respirar. A prisioneira engasgou, segurando o próprio peito enquanto seu rosto se contorcia de puro terror.

    — Phobos… me concedeu um novo corpo… — A voz do líder cultista ecoou, mas já não era humana. Era um amontoado de vozes, cada uma vinda de um dos corpos que esse ser consumiu.

    A criatura ergueu uma das mãos, e um dos corpos caídos que não foram consumidos se levantou em um espasmo asqueroso, os olhos vazios e a boca escancarada em um grito mudo.

    Um por um, os cultistas mortos começaram a se erguer, reanimados por aquela força maligna.

    Ivar cerrou os dentes, a raiva queimando dentro de si.

    — Então é assim… — Ele girou sua foice, as sombras ao seu redor se condensando. — Se esse é o presente de Phobos, eu vou enfiar na porra do cu podre dele!

    O primeiro dos cultistas reanimados avançou em um movimento trêmulo, mas veloz. Seu corpo estava quebrado e contorcido em ângulos impossíveis, como se fosse um fantoche puxado por fios invisíveis.

    Ivar desviou com um passo ágil para o lado e girou sua foice em um arco cortante. A lâmina negra atravessou o cadáver sem esforço, partindo-o ao meio.

    Mas a criatura formada pelo líder cultista apenas riu, sua voz se multiplicando em ecos nauseantes.

    — Eles não precisam de corpos inteiros para servir…

    Os restos do cultista partido se moveram. As duas metades se arrastaram pelo chão, puxadas por forças invisíveis, e começaram a se reformar em algo ainda mais horrendo, uma massa de carne contorcida, com vários braços brotando aleatoriamente de sua pele cinzenta.

    — Desgraçado!

    Ivar o amaldiçoou entre os dentes. Ele já enfrentara mortos-vivos antes, mas isso… isso era uma corrupção além do normal.

    Elara recuou com a prisioneira, puxando-a pelo braço.

    — Não podemos lutar contra isso para sempre! — Ela gritou.

    — Eu sei! — Ivar rosnou, bloqueando um golpe de garras de outro cadáver ambulante — Mas eu não tenho outra escolha!

    A criatura maior, que antes fora o líder cultista, ergueu os braços retorcidos. O vórtice em seu peito pulsou, e um som gutural, quase um rugido misturado com um coro de lamentos, reverberou pelo ambiente.

    A aura ao redor dele se intensificou, e as sombras nas paredes pareceram se alongar e ganhar vida própria.

    — Ivar! — Elara chamou.

    Ele olhou para trás por um instante, apenas para ver mãos se esticando na direção dela e da prisioneira. Tentáculos de mãos rastejavam pelo chão, tentando prendê-las no lugar.

    Sem hesitar, Ivar fincou sua foice no chão. Uma explosão de energia purpura saiu de seu corpo, dissipando as mãos ao redor delas.

    — Corram! Saiam daqui!— Ele ordenou.

    Elara não discutiu dessa vez. Ela puxou a prisioneira e começou a correr na direção da saída.

    A criatura deformada virou sua atenção para elas.

    — Não… escaparão…

    Ivar viu quando um dos braços grotescos se ergueu, pronto para disparar algo em sua direção.

    Ele não deixaria.

    Com um impulso, Ivar desapareceu em meio a um borrão de sombras e reapareceu atrás da criatura. Ele girou sua foice com toda a força, cortando dois braços dela.

    A lâmina os cortou por completo, mas ainda não era o suficiente.

    O monstro soltou um riso de pura agonia. O vórtice tremeu, sua energia pulsando.

    Ivar então ouve uma voz.

    — O centro… acerte o centro.

    A voz parecia vir de sua foice, mas ele na tinha tempo para pensar nisso. Ele apenas continuou indo contra a criatura, tentando acertar o vórtice.

    Ivar saltou para trás, desviando de um golpe selvagem da criatura. O monstro ainda ria, seu corpo pulsando com energia profana, mas a voz que ecoou em sua mente se repetiu, insistente:

    — O centro… acerte o centro.

    Ele apertou o cabo da foice com mais força. Se fosse uma armadilha, ele descobriria depois. Agora, só importava destruir essa coisa.

    Com um giro rápido, ele correu em ziguezague, desviando dos braços retorcidos que tentavam agarrá-lo.

    O chão tremia sob seus pés, tomado pelas energias caóticas do vórtice. A criatura tentou antecipar seu movimento, erguendo mais tentáculos de carne para bloqueá-lo, mas Ivar não hesitou.

    Ele saltou por cima de um dos tentáculos, deslizou sob outro e, no último instante, teleportou-se em um borrão de névoa negra, reaparecendo diretamente à frente do vórtice pulsante no peito do monstro.

    — Morre seu filho da puta!

    Ele cravou a foice no centro da aberração.

    Um rugido de pura dor e agonia irrompeu do monstro. O vórtice começou a se distorcer, sua energia oscilando entre a estabilidade e o colapso.

    O corpo da criatura se contorceu violentamente, seus braços tentando arrancar a lâmina cravada em seu peito, mas era tarde demais.

    A foice brilhou.

    Pela primeira vez, Ivar sentiu um poder fluindo através dela. Algo além da magia sombria que ele já conhecia.

    Runas surgiram na lâmina e se iluminaram com um brilho púrpura intenso, e uma força esmagadora se libertou dali, como se sua arma tivesse se tornado um canal para um poder antigo.

    O vórtice explodiu.

    A onda de energia arremessou Ivar para trás. Ele girou no ar e caiu rolando pelo chão, sentindo um choque percorrer todo o seu corpo.

    Minutos depois, quando finalmente conseguiu abrir os olhos, tudo ao seu redor estava em silêncio.

    A criatura não existia mais.

    Apenas fragmentos de carne podre estavam no chão antes de desaparecerem completamente. Os cadáveres que haviam sido reanimados desabaram como marionetes sem fios.

    A energia maligna no ambiente se dissipava rapidamente. Mas havia algo incomum, uma espécie de núcleo de carne estava justamente onde a criatura foi morta.

    Ivar respirou fundo, seu corpo tremendo de exaustão.

    Ele então olhou para sua foice. As runas ainda brilhavam fracamente, mas logo voltaram à escuridão habitual.

    — Mas que merda foi essa?

    Antes que pudesse sequer começar a entender, passos apressados ecoaram pelo corredor.

    — Ivar! — Elara apareceu correndo pelo corredor, com a prisioneira ainda trêmula logo atrás. Seu olhar fixo em Ivar, sem ligar para o seu redor. — Você está bem?

    Ele soltou um suspiro pesado.

    — Mais ou menos.

    Ela se aproximou e o abraçou, uma abraço apertado, seus olhos com lágrimas escorrendo, mas ela chorava de felicidade ao ver que ele estava bem.

    — Aquilo… foi você?

    Ivar olhou novamente para sua foice.

    — Eu também gostaria de saber.

    Elara franziu a testa, mas antes que pudesse pressioná-lo com mais perguntas, a prisioneira finalmente se manifestou.

    — N-Nós temos que sair daqui…

    Ivar se ergueu com dificuldade, assentiu, caminhou até o núcleo de carne e o pegou.

    — Sim. Esse lugar já teve atenção demais por hoje.

    Eles precisavam sair dali. Mas, enquanto caminhavam em direção à saída, Ivar não conseguiu afastar a sensação de que algo mais havia acontecido.

    Aquela voz…

    E aquele poder…

    Ele não sabia o que era, mas tinha certeza de uma coisa:

    Essa história ainda não acabou.

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