Uma tempestade rugia como uma fera faminta sobre os céus da pequena cidade-fazenda de Velmora, enquanto a névoa espessa se arrastava entre os telhados das casas e os campos encharcados de lama.

    Relâmpagos cortavam o céu como cicatrizes celestes, e trovões sacudiam a terra. Naquela noite de fúria e presságio, um choro rompeu o silêncio abafado dos corredores de uma antiga mansão de pedra.

    Ivar nasceu.

    Sua pele era cinza-pálida como cinzas frias. Pequenos chifres negros despontavam de sua testa ainda molhada, e uma cauda fina com ponta bifurcada enrolava-se ao redor de seu corpo recém-nascido. Seus olhos, de um púrpura profundo e inquietante, fitavam o mundo com um silêncio ancestral. Ele não chorou por muito tempo.

    Seu pai era um mistério envolto em rumores. As más línguas sussurravam que sua mãe, uma elfa de linhagem nobre, havia sido seduzida ou amaldiçoada por uma entidade sombria.

    Alguns diziam que ela se deitou com um demônio. Outros, que o próprio caos se manifestara nela. A verdade, se é que existia, talvez fosse conhecida apenas pelos deuses… e estes não costumavam falar.

    Ela se chamava Elewyn, e fora uma governante justa e respeitada da pequena cidade. Como descendente de uma antiga família de fazendeiros nobres, guiava Velmora com sabedoria.

    Sob seu governo, elfos, anões, orcs e outras raças viviam em relativa harmonia, unidos mais pela terra do que pela raça. Velmora era um exemplo de convivência pacífica entre povos diversos.

    Mas a chegada de Kaygon alterou tudo.

    Kaygon era um humano ambicioso, frio e carismático, que ganhou o coração de Elewyn com sorrisos e promessas vazias.

    Já possuía uma esposa e filhos, mas tomou Elewyn como segunda esposa, ocultando suas intenções verdadeiras. Quando Ivar nasceu, Kaygon tolerou sua presença por pouco tempo.

    O menino era uma afronta viva à sua raça, uma aberração aos seus olhos, a lembrança constante de que a mulher que ele desejava havia carregado o sangue de outro em seu ventre.

    Dois anos após o nascimento de Ivar, os humanos iniciaram sua cruzada de extermínio as outras raças do continente, e Kaygon finalmente mostrou sua verdadeira natureza, assumindo o controle de Velmora com punho de ferro.

    O sangue correu pelas ruas como a água das chuvas, e os gritos ecoaram nas florestas por noites sem fim. Os que não foram mortos, foram acorrentados.

    A vila que antes era um símbolo de união entre raças tornou-se um campo de sofrimento, onde o trabalho forçado e a brutalidade humana imperavam. A nobre Elewyn foi reduzida a uma escrava em suas próprias terras, arrastando correntes ao lado do filho, sob o olhar cruel daquele que antes chamara de marido.

    Ivar cresceu entre grilhões, açoites e ódio. Mas sua mãe, mesmo quebrada, tentou protegê-lo da crueldade do mundo. Ela cantava contos antigos durante as noites frias, o abraçava com ternura e o fazia acreditar que havia algo de belo além daquela prisão de lama e dor. Ainda assim, as cicatrizes em suas costas não mentiam.

    O menino que poderia ter sido herdeiro de uma cidade pacífica tornou-se uma sombra moldada pela violência.

    Foi quando aos 15 anos de Ivar que um fio de esperança rasgou o véu da miséria.

    Um Guardião da Noite, um guerreiro errante pertencente a uma ordem que caçava monstros e seres sobrenaturais passou por Velmora e presenciou os horrores que ali aconteciam. Movido pela compaixão, comprou a liberdade de Elewyn e de seu filho.

    Levou Elewyn para uma vila onde os sobreviventes da cruzada humana se refugiavam, e Ivar para além das muralhas, para Noxgarde, uma fortaleza sombria no topo de uma montanha onde os Guardiões ficavam, jurando proteger o mundo dos monstros que se espalhava por ele.

    Ali, Ivar foi acolhido. Entre aço, suor e disciplina, tornou-se aprendiz. Cada treino era uma libertação. Cada golpe, uma cicatriz ressignificada. Tornou-se forte, veloz, silencioso. Mas a dor em seu peito nunca o abandonou.

    A paz, como tudo em sua vida, foi passageira.

    Cinco anos depois, Kaygon, agora comandante de um exército extremista, rastreou Elewyn e a assassinou, juntamente com toda a vila.

    Ivar conseguiu chegar a vila, mas não a tempo de impedir todo aquele caos. Sua mãe em seus braços pouco antes de morrer, sussurrou os segredos sobre a linhagem de Ivar, revelando que o sangue que corria em suas veias não era apenas élfico ou humano… era divino.

    Seu verdadeiro pai não era mortal. Um Deus havia tocado Elewyn em sonhos vividos, e dela nasceu um filho meio divino, meio maldito.

    Tomado por uma fúria além da razão, Ivar cedeu à voz que sussurrava em sua mente desde a infância.

    Era uma voz familiar. Uma presença ardente e faminta, que se revelou, dizendo o que Ivar tinha de fazer.

    Consumido pela raiva e dor, Ivar cedeu à sua maldição divina. E diante do corpo da mãe, guiado por um impulso ancestral e sombrio, como um animal sem consciência, devorou seu coração. Selando para sempre seu destino como o filho do Caos.

    A mesma voz que fez Ivar consumir o coração de sua mãe o levou para sua antiga cidade, a voz o guiou até a antiga estátua de seu ancestral que ficava no centro da cidade.

    Era um elfo, ele segurava uma foice que até então aparentava ser de pedra. A voz induziu Ivar a pegar a foice, e foi o que ele fez. Com a foice em mãos, ele foi até sua antiga casa, lá ele encontrou a esposa de kaygon e seus três filhos. Ivar os matou, e consumiu seus corações.

    Anos se passaram.

    Dos escombros de sua dor, Ivar ergueu uma nova vida. Construiu uma casa em uma vila longe das guerras, casou-se com Serenna, possivelmente a única humana doce e gentil que conheceu, era uma clériga da Deusa Seraphina, símbolo da paz e da compaixão.

    Tiveram uma filha, Lyvin, uma meio elfa de olhos púrpura como os dele, cuja risada ecoava como música nos vales tranquilos.

    Pela primeira vez, Ivar acreditou que poderia escapar do ciclo de sofrimento. Que poderia ser apenas um homem, um pai, e não uma criatura forjada pela desgraça.

    Mas o destino não o esqueceu…

    Em sua ausência, quando sua filha tinha apenas cinco anos de idade, enquanto cumpria uma missão diplomática, Kaygon encontrou a vila em que Ivar morava, acusou Serenna de heresia e bruxaria.

    Traição, disseram os extremistas humanos.
    Queimem ela, exigiram.

    Então amarraram-na à estaca e atearam fogo, juntamente com toda a vila, diante de uma multidão embriagada de fanatismo.

    Ivar chegou tarde. Tarde demais para salvar a mulher que amava.

    A filha ainda viva, se soltou dos braços de um dos extremistas e correu em direção a Ivar, até que uma flecha a atravessou.

    Ele a segurou em seus braços por alguns segundos preciosos… antes que ela fechasse os olhos pela última vez.

    Quando ela parou de respirar, uma espécie de energia azulada saiu de seu peito e foi para um colar que Ivar sempre carregava.

    Foi naquele momento que o homem morreu, e o demônio despertou. Ivar havia morrido junto de sua esposa e filha, e dessa morte nasceu o Darklurker.

    Abandonou a piedade, rasgou os juramentos, e caminhou rumo ao abismo. Jurou que traria sua filha de volta, mesmo que tivesse que arrancá-la das mãos da morte.

    Jurou vingança, não apenas contra Kaygon, mas contra o mundo que o amaldiçoou desde o nascimento.

    E assim, nas sombras, o destino esperava.
    Uma jornada começava, feita de sangue, poder e terror.

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