Capítulo 150: Os mortos não devem ser esquecidos.

O tempo já caiu para a meia noite, então todas as pessoas já estavam dormindo em suas respectivas tendas e lonas, enquanto, claro, alguns guerreiros estavam de vigília ao redor do acampamento.

Brodwilf, o líder dos mercenários , assim como seus companheiros mercenários, ainda estavam acordados enquanto ainda continuavam bebendo o vinho em seus copos de madeira.

Normalmente seria inaceitável que mercenários contratados consumissem álcool de forma tão extravagante, ainda mais quando ainda estavam em missão. Mas sabendo do luto deles, Bárbara decidiu não se intrometer e deixar que eles afastassem suas próprias mágoas.

A maioria deles não suportaram o álcool e já estavam caídos no chão, mas Brodwilf ainda mantinha sua consciência, seus olhos encarando o céu estrelado, parecendo perdido em pensamentos.

“?”

Até que ele sentiu alguém se sentar no tronco de árvore ao seu lado, também olhando para o céu noturno. 

Na verdade, por causa de sua espada amaldiçoada, os olhos de Brodwilf ainda estavam cegos, portanto, ele ainda não conseguia enxergar, teria que esperar um dia inteiro para que sua visão pudesse voltasse por completo.

“…Não esperava ver você aqui. Veio consolar este mercenário em luto?”

Disse Brodwilf com melancolia, tentando esconder sua dor com uma brincadeira.

“…”

A pessoa que havia aparecido e se sentado ao seu lado era Ken, e em resposta à sua pergunta, ele apenas permaneceu em silêncio, nem sequer olhou para ele, apenas continuou olhando para o céu noturno.

“…Hmph.”

Bufando um sorriso, como se estivesse zombando de si mesmo, Brodwilf virou a cabeça para o chão, e embora não pudesse ver, seus olhos ainda encaravam o copo de vinho em suas mãos. Sua expressão logo foi se tornando sombria e triste, e ele abriu a boca, começando a falar.

“É normal que pessoas que seguem este cargo de mercenários venham morrendo um dia, mesmo eles sendo seus companheiros, ou amigos. Um dia você deve saber que eles partirão, ou talvez você mesmo terá que deixá-los.”

“…”

Ken, ao lado, apenas permanecia em silêncio como ouvinte.

“Nós sabíamos disso, na verdade, todos que seguem este cargo sabem muito bem, que mais cedo ou mais tarde um companheiro seu poderia chegar morrendo bem na sua frente. Esta não foi a minha primeira vez que vejo meus companheiros morrendo, posso dizer que sou um especialista..”

Enquanto falava, sua voz foi gradualmente ficando mais fraca e trêmula, e seus olhos começaram a ficar úmidos, não conseguindo deixar as lágrimas caírem.

“Mesmo assim, eu nunca consigo esquecê-los…mesmo sabendo que um dia eu teria que voltar a ver companheiros meus morrerem. Eu pensei já estar acostumado, que já os teria esquecido. Mas, assim que meus novos companheiros morreram, os antigos ainda voltaram a vir à tona…realmente não sei se irei conseguir esquecê-los um dia e afastar esta amargura que perfura meu coração. É bastante doloroso.”

Brodwilf, sem saber o porquê, estava desabafando o peso que carregava no fundo de seu coração. Na mente das pessoas, ele sempre foi uma pessoa de mente forte e inabalável, e é por causa disso que várias pessoas o seguem.

Mas no final, Brodwilf ainda é humano, e embora parecesse rígido na superfície, ele era uma pessoa gentil por dentro. Ele finge parecer forte na frente de seus companheiros, sentindo que era uma obrigação como líder, e um líder deve ser alguém em quem seus companheiros possam se apoiar, e para isso, ele não deve mostrar nenhuma fraqueza ou hesitação na frente deles.

Por isso, ele não sabia o porquê. Quando Ken se aproximou, ele simplesmente soltou tudo. Talvez seja por estar bêbado ou porque a dor que preenchia seu coração já estava cheio até a borda e não conseguiu suportar e soltou tudo, ou talvez sejam as duas coisas.

Mas então, Ken, que desde o início estava em silêncio, sua voz soou.

“E quem disse que deveríamos esquecê-los?”

 “!”

As palavras de Ken foram com uma faca, cortando imediatamente os soluços de Brodwilf, fazendo-o levantar a cabeça e olhar a para Ken com surpresa, mesmo que não estivesse enxergando.

Ken, que olhava para os lugares no céu, não retirou o olhar e continuou a falar.

“Afinal, é obrigação dos vivos se lembrarem daqueles que já partiram, não importa quanta dor elas nos causem.”

A voz de Ken era indiferente enquanto dizia estas poucas palavras. Mas por um momento, uma certa melancolia apareceu em seu olho, como se as palavras que falou também estivessem sendo ditas para ele mesmo.

“…”

Brodwilf, ao lado, não sabia o que dizer durante um bom tempo. Mas logo, um sorriso apareceu em seu rosto enquanto dava um grande gole do vinho em seu copo.

“…Hmph, você tem razão. Ao invés de me preocupar em esquecer eles, deveria estar me forçando para não esquecê-los e sempre mantendo-os na minha mente. Foram realmente boas palavras!”

Depois de dizer isso, Brodwilf serviu o vinho em um copo e o estendeu na direção de Ken.

“…”

Ken não o recebeu de imediato, apenas ficou encarando o copo de vinho durante um tempo antes de finalmente estender a mão e recebê-lo.

“Estou surpreso que tenha sobrado vinho, mesmo depois daquela calamidade.”

Disse Ken.

“Ahahahaha, mesmo que as luas caiam do céu, os vinhos nunca serão derrubados!”

Riu Brodwilf, mais uma vez tomando um grande gole de seu vinho até terminar tudo.

“…”

Ken apenas ficou um tempo olhando para o líquido do vinho presente no interior do escuro copo de madeira, antes de levar em sua boca e dar um gole, o sabor doce e velho se espalhou pela sua boca.

Imediatamente suas sobrancelhas se franzem ligeiramente.

“…É horrível.”

Disse Ken com desgosto.

“Ahahaha!”

Brodwilf, ao lado, começou a rir alto depois de ouvir as palavras de Ken, como se tivesse ouvido uma grande piada.

“…”

Ken não continuou mais a beber depois daquele único gole.

Afinal, seu único objetivo era apenas compartilhar um gole para lhe fazer companhia. Na verdade, Ken não se sentia nem um pouco triste com a perda de Brodwilf e seus companheiros, afinal, para ele, eles eram apenas estranhos que se conheceram em poucos dias, portanto, seus sentimentos para com eles era indiferente.

Mas mesmo assim, Ken achou que este pequeno gesto era necessário, não apenas para honrar o parceiro ao lado, mas também para não esquecer que ele ainda é humano.

Depois de quase uma hora terem se passado, Brodwilf finalmente não superou o cansaço e adormeceu, deitado de bruços no chão.

“…”

Vendo isso, Ken finalmente pousou o copo de vinho inacabado no chão e se levantou, caminhando de volta no lugar onde Crystalline se encontrava.

Ela estava sozinha, sentada elegantemente em um tronco de madeira ao lado da figueira. Seus belos olhos encarando a brasa da fogueira que crepitava, iluminando o espaço com a luz das chamas.

Então, como se estivesse sentindo a presença de Ken, ela levantou a cabeça e olhou para Ken que se aproximava até ela.

“Você ainda não dormiu.”

Disse Ken. 

Diante da sua pergunta, Crystalline ergueu um leve sorriso antes de responder.

“Estava esperando por você.”

“…”

Diante da resposta de Crystalline, Ken não sabia o que dizer. À primeira vista, parecia como uma namorada esperando pelo seu namorado, mas aos olhos de Ken, claramente tinha outro objetivo.

Ken então olhou atentamente para seus olhos, tentando ver o que ela realmente queria dizer com suas palavras. Mas não importava o quanto olhasse, não conseguia descobrir nada.

Desistindo, Ken então simplesmente se deitou no chão, apoiando o pescoço sobre o tronco da árvore, e em pouco tempo, como se tivesse se desligado, imediatamente caiu no sono.

“…”

Crystalline, que estava sentada ao lado em silêncio, olhou para Ken com interesse, seus olhos pousando em seu rosto que estranhamente parecia mais pálido, mesmo quando sua pele já era branca como papel.

Sua aparência que sempre era calmo e feroz ao mesmo tempo, neste momento parecia mais suave, como se tivesse afastado toda a hostilidade que sentia pelo mundo.

Ela moveu seus belos dedos até a franja de Ken que cobria sua testa, movendo-o ligeiramente para o lado, revelando uma pequena cicatriz de corte em sua enorme testa, por cima do tapa-olho. 

“…”

Crystalline sabia que Ken estava cheio de cicatrizes ao redor de todo seu corpo, alguns foram causados por batalhas, enquanto outros pareciam ser obras de tortura. Mas para Crystalline, pouco lhe importava a origem destas cicatrizes, mas por alguma razão, esta cicatriz em específico em sua testa chamava sua a atenção.

Era pequeno para ser causado por batalhas, e também não parecia ser de tortura. A primeira razão que apareceu em sua mente era que talvez fosse uma marca de nascença, mas logo ela descartou.

‘…O que pode ter causado isso?’

Ela estava curiosa e pensativa, não conseguindo deixar de olhar para aquela cicatriz, e, em seguida, seu olhar desceu para seu rosto.

‘?’

Foi então que ela se apercebeu de algo, fazendo-a afastar quase que imediatamente a mão do rosto de Ken.

‘Porque estou me interessando por uma simples cicatriz?’

Crystalline, sabendo o quão orgulhosa é, raramente se surpreende com as coisas à sua volta. Por isso ficou surpresa consigo mesma.

Milhões de moedas de ouro era algo banal para ela. Um elixir supremo? Desnecessário. Segredo de estado? Desinteressada. Até uma besta mística valia apenas um pouco de sua atenção.

Mas uma simples cicatriz de um homem a estava fazendo pensar por quase cinco minutos? Ela mesma estava surpresa por este seu comportamento repentino, se perguntando o porquê de estar agindo desta maneira.

“…Haa…”

Suspirou ela, esfregando levemente o cenho.

“?”

Este próprio gesto também a surpreendeu um pouco. Havia apenas poucas coisas que a faziam ficar frustrada. Primeiro, a criação da junção da aura elemental com a energia espiritual, que exigia uma extrema concentração mental.

Segundo era sua criatura espiritual, a Diamante. Ela tinha uma personalidade bastante inquieta, que ao longo dos anos, começou a frustrar a Crystalline, e por causa disso ela raramente a invoca.

Apenas duas coisas que já a fizeram ficar nervosa em toda sua vida. Agora, por causa de uma cicatriz, ela estava experimentando várias coisas.

Na verdade, seria por causa da cicatriz ou por causa da própria pessoa chamada Ken Wolff? Tipo agora, o simples motivo de Ken estar dormindo tão tranquilamente a deixava um pouco inquieta.

Com estes poucos dias que tiveram interação, Crystalline pode perceber mais ou menos que tipo de pessoa Ken era. Ele era como um lobo solitário, alguém que não confiava em ninguém além de si mesmo.

Quando dormia perto de outras pessoas, Ken ainda mantinha sua vigilância, nunca dormia completamente, porque claramente não confiava em ninguém, ou mesmo quando seu corpo estava terrivelmente ferido a ponto de fazer alguém desmaiar apenas pela dor. Ken se recusava a demonstrar qualquer sinal de fraqueza, e com certeza nunca iria desmaiar diante de pessoas estranhas que poderiam ser potenciais ameaças para ele.

Não era porque ele menosprezasse os outros, mas parecia mais como um extremo sistema de sobrevivência que foi enraizado até a profundeza de sua alma.

Então, Crystalline se sentiu estranha quando Ken dormiu apenas quando ficou perto dela, como se dentro de todas estas pessoas ela fosse a única em quem ele podia confiar. 

Ela não sabe que sentimento era este que estava sentindo, talvez esteja se sentindo comovida, ou talvez seja outra coisa. Mas ela não sabia, afinal, era a primeira vez que ela tinha esse tipo de sentimento.

Não querendo se aprofundar mais no mundo que ela considerava desconhecido, decidiu dormir. Ela manipulou sua mana até a ponta de seus dedos e o pousou no chão, ao lado de Ken.

Imediatamente uma camada de cristal fina surgiu sobre o chão duro, longo o suficiente para caber duas pessoas, e no momento seguinte, ela deitou-se sobre ela, dormindo bem ao lado de Ken, parecendo um casal, até que ela caiu em seu sono.

§§§§

De manhã cedo, o grupo mais uma vez desmontou o acampamento e voltaram a seguir viagem rumo ao território do condado de Skarsgard.

A viagem seguia calmamente. Os guerreiros da casa Skarsgard, mesmo feridos, caminhavam com ainda mais firmeza que antes, como se tivessem renascido.

Os mercenários, embora ainda em luto, conseguiram se manter firmes, ainda mais depois de ouvir as palavras de Ken durante a noite, afinal, embora os mercenários parecessem ter desmaiado, também haviam ouvido as palavras de Ken.

De que os mortos não devem ser esquecidos, e que era obrigação dos vivos lembrarem-se deles.

Ken dormia profundamente dentro da carroça dos mercenários, e ninguém tinha planos de lhe interromper, e nem sequer pareciam insatisfeitos. Pelo contrário, achavam que ele realmente merecia.

E assim, depois de andarem por cerca de meio dia, chegando por cima de um enorme monte, era possível ver uma enorme e vasta cidade que se encontrava ao longe, diante da vasta planície. 

Na cidade, enormes e imponentes muralhas se erguiam a mais de dez metros de altura, fazendo as pessoas se sentirem oprimidas só de estarem diante delas, como se fossem formigas.

Um longo rio que cruzava uma floresta ao longe contornava a lateral direita da muralha, seguindo mais ao norte.

Um enorme portão feito de madeira maciça e placas de metal se encontrava na entrada principal da muralha para a cidade. Dois guardas de sentinelas monitoravam o portão, controlando minuciosamente as pessoas que entravam e saíam da cidade.

A principal cidade do condado de Skarsgard é altamente valorizada, graças a sua bela infra-estrutura e condição de vida social, para além da alta valorização  comercial, que ajudou no desenvolvimento da cidade, permitindo que vários visitantes e comerciantes visitem constantemente a cidade.

Comerciantes e visitantes visitavam suas terras, e assim, espalharam ainda mais a fama desta grande família que começou do nada e se tornou em uma grande potência.