Capítulo 49: A queda da toca do inferno.
Suas pálpebras que pareciam mais pesadas do que nunca foram lentamente se abrindo, revelando para ele um mundo completamente escuro como breu com a ausência de qualquer fonte de luz. Tudo era tão escuro que não era nem possível ver o que estava a um palmo da sua frente.
‘… Parece que perdi a consciência.’
Isto foi algo que acabou por acontecer depois de suportar as tremendas dores que sentiu depois de ter seus meridianos destruídos, reconstruídos e tendo todo seu corpo se partindo e rachando.
Seu corpo não havia suportado a vitalidade de fenrir, e como estava sendo distribuído e circulado pelo [raio branco], um único erro fez com que o fluxo da absorção da energia vital em seu corpo fosse interrompido, o que acabou partindo alguns de seus vasos sanguíneos e tendo toda sua pele rachando até cair.
Não era nem preciso dizer o quão doloroso foi a experiência. Mas Ken se forçou a suportar e não desistiu de reunir a vitalidade que ainda circulava em seu interior para derretê-la em suas fibras musculares, ossos e pele.
Só depois que ele teve a certeza de que tudo estava totalmente consumida e não havia uma única gota de energia vital circulando em seu interior, foi que ele perdeu a consciência como se fosse um cabo de energia tirado da tomada.
‘Meu corpo… parece diferente.’
Mas Ken podia sentir as mudanças percorrendo todo seu corpo. As dores horríveis de antes não estavam mais presentes, sendo substituído por uma livre sensação de prazer que nunca mais havia sentido na vida.
‘Consigo sentir tudo.’
A sensibilidade de seu corpo estava bastante elevada, conseguindo sentir e ouvir o bater do seu próprio coração, o fluxo de seu sangue correndo pelas veias e até os sons de seus outros órgãos.
Ele passou a mão e deslizou sobre seu braço, sentindo uma camada protetora do que parecia ser a sua pele, que parecia mais firme que o normal.
Todo seu corpo parecia ter sido recuperado enquanto estava inconsciente. Graças ao pecado da preguiça sua recuperação era inevitável, e com as novas mudanças que seu corpo sofreu, sua recuperação parecia ter sido acelerada e forte ao ponto de curar os próprios vasos sanguíneos que se romperam.
Não apenas isso.
‘Consigo sentir e ouvir os pequenos insetos e os vermes que rastejam a mais de 10 metros de distância daqui, e os germes presentes em toda sujeira acumulada no meu corpo. O que é bastante desconfortável.’
Desde o momento em que foi parar na toca do inferno, ao passar meses lutando com lobos e seus treinamentos infernais, juntamente com os dias em que praticava artes marciais quando ainda estava em seu mundo, seus sentidos haviam se tornado extremamente aguçados, mas não se podia comparar ao que estava sentindo agora.
Havia apenas uma solução para isso.
‘A modificação corporal foi um sucesso.’
Ken achou que a realização da técnica havia falhado, afinal, ele não poderia utilizar o método normal de circular a energia de fenrir pelo seu interior por causa do emblema, deixando-o sem escolha a não ser usar o raio branco para fazer a tarefa, o que não foi nem de longe uma tarefa fácil, chegando a ser três vezes mais difícil que o método comum.
Mas pelas incríveis mudanças que seu corpo aparentava demonstrar, a realização da técnica foi um sucesso.
Sem perder tempo, Ken se levantou do chão.
‘Que leve…’
Seu corpo estava mais leve que o normal, tão leve que se sentia como se fosse uma pena.
‘… O chão também parece um pouco mais longe, será que cresci?’
Com o passar do tempo, o olho direito de Ken, o único que podia enxergar, começou a se acostumar com a escuridão e a enxergar o seu entorno, notando que o chão parecia um pouco mais distante que o normal.
Foi então que Ken percebeu que as tochas, que antes iluminavam a câmara com um fogo azul, agora estavam apagadas. Havia apenas uma razão para isso.
Ken virou-se para trás e começou a andar até conseguir sentir um ligeiro calor que emanava a sua frente. Estendendo sua mão, algo suave como nuvem e familiar podia ser sentido. Era o pelo de Fenrir.
“…”
Mesmo com seus sentidos aguçados, Ken não conseguia sentir uma pulsação, ou o bater do coração de Fenrir. Isto só poderia significar uma coisa.
Fenrir estava morto.
“…”
Ken não sabia o que sentir neste momento, embora ambos quisessem usar um ao outro para realizar seus próprios objetivos, uma certa ligação havia se criado entre eles nestes últimos meses.
“Sabe de uma coisa, Fenrir? Eu tenho uma grande fraqueza, e esta fraqueza é me apegar facilmente a outras pessoas.”
O tom de sua voz estava indiferente, como se não possuísse nenhuma emoção.
“E infelizmente, de todas as pessoas que já me apeguei, ou eles acabavam me afastando ou acabavam mortas. Como meus antigos amigos, minha avó, minha irmãzinha, o sr. Bertolt e a sra. Hannah. Parece como uma maldição que me persegue onde quer que eu vá, não importava o que eu fizesse, o que acabava quebrando meu coração em vários pedaços e causando-me uma dor pior que qualquer dor física que já senti.”
“Talvez seja este o infortúnio que carrego comigo por possuir o emblema-amaldiçoado. Então, a partir de hoje, decidi nunca mais deixar ninguém entrar em meu coração, pelo menos não até conseguir me livrar desta maldição que carrego nas palmas da minha mão. Mas você não precisa se preocupar, Fenrir.”
O tom que carregavam suas últimas palavras de repente se tornaram frias.
“Por causa de todo sofrimento e humilhação que você teve que passar nesse lugar por todos estes anos.”
No meio da escuridão como breu, dois pontos de luz surgiram lentamente como olhos se abrindo. Um brilhava com uma intensa luz branca, enquanto o outro com um vermelho cintilante.
“Farei toda a toca do inferno cair.”
A determinação gélida brotava do tom de sua voz.
§§§§
Se fosse para descrever os cômodos da toca do inferno, ela se dividia em 4 sectores: a área central, área de treinamento, área residencial, o laboratório e a área residencial dos jovens recrutas.
A área central é o enorme salão circular que divide todos os outros setores.
Na área de treinamento, do portão norte, é onde se encontram os dois espaçosos terrenos terraplanados com mais de 100 metros quadrados, divididos por uma enorme fenda com a mesma distância, também onde encontra-se a enorme rocha com mais de cem metros de altura.
Nas quatros portas do sul estão as áreas residenciais. A primeira porta é onde se encontra o quarto de Dono e seu escritório, onde também se encontra o quarto do doutor alquimista.
Na segunda porta a seguir é o quarto dos dez instrutores, na terceira porta está a residência de duzentos soldados, onde também se encontra o refeitório que também está interligado com a residência de Dono e dos instrutores.
A quarta porta, a mais afastada, é o laboratório.
Nas portas do leste é área residencial dos jovens recrutas, cada uma das seis portas tem um longo corredor que interliga os inúmeros quartos pertencentes aos jovens.
Estes são todos os setores da toca do inferno.
Em um escritório onde nem sequer um raio de luz natural poderia alcançar, mas iluminada por uma esfera de luz sobre o teto, Dono estava sentado por trás de sua mesa com uma expressão que parecia refletir emoções complexas.
Harper Smith é o seu verdadeiro nome.
Ele normalmente era calmo e inabalável, e sendo um espadachim de aura-avançado de cinco estrelas, ele poderia estar em qualquer lugar do mundo civilizado que o iriam receber de braços abertos, podendo também conquistar riquezas inimagináveis.
Mas ao invés disso ele estava confinado neste lugar durante anos ao invés de aproveitar da glória que poderia merecer. Mas mesmo assim ele não mostrava ou se sentia abatido ou deprimido, sempre mantendo sua presença séria e inabalável.
Por esta razão que ele era respeitado e temido por todos os soldados e instrutores da toca do inferno. Mas pouco mais de um ano sua presença inabalável já não podia mais ser encontrada nele, e se perguntassem para qualquer um quando isso começou, todos responderiam que foi desde aquele dia.
Desde o dia em que Ken se soltou de sua espada e caiu na enorme fenda. A expressão de zombaria e alívio dele ainda estavam nítidos na mente de Harper, mesmo que um ano já tivesse se passado.
*Tec, tec, tec, tec.*
Ele batia constantemente com seu dedo indicador sobre a mesa, demonstrando seu nervosismo a cada toque.
“Haa…”
Ele então suspirou para acalmar a frustração que o dominava, se recostou em sua cadeira e fechou os olhos.
‘Meus dias estão contados.’
Ele voltou a abrir os olhos.
‘Fui descuidado naquele dia. Eu não deveria ter me deixado levar pelas palavras daquele velho louco, e da teimosia daquele maldito pirralho. As ordens foram claras. Não permitindo que nada acontecesse com o número 999.’
Harper ainda se lembra do momento em que trouxeram Ken para a toca do inferno, juntamente com os outros jovens.
Na área central, no enorme salão circular de pedras ladrilhadas, uma espaçosa plataforma de madeira capaz de acomodar cerca de mil pessoas descia do teto sem fim como uma grua. Quando a plataforma chegou no chão, vários jovens inconscientes se encontravam deitados sobre ela, parecendo inconscientes.
Nos cantos estavam presentes 10 homens vestidos de pretos da cabeça aos pés, apenas revelando seus olhos com a íris dourada.
– Não percam tempo, transferem eles para seus respectivos quartos e coloque as coleiras neles.
– Sim!
Com as ordens de Harper, os soldados rapidamente começaram a recolher os jovens e transferi-los para a área residencial. Movendo-se como se fosse uma ação natural para eles.
*Baque.*
Mas então Harper ouviu um forte som de baque vindo da plataforma de madeira e se concentrou lá.
Um dos homens vestidos de preto impediu um dos soldados de carregar um dos jovens que estavam na plataforma, empurrando-o fortemente contra o chão.
Vendo isso, Dono se aproximou do homem vestido de preto e perguntou com curiosidade.
– O que aconteceu?
Ele nem se preocupou com o homem que foi empurrado brutalmente a ponto de desmaiar, apenas curioso pela ação tomada pelo homem de preto. Ele sabia que estes homens de preto com olhos dourados não agiam com base em emoções porque primeiramente não a possuíam, e se ele agiu deste modo, apenas implicava que o jovem a quem ele impediu de levarem era especial.
O homem de preto então olhou para Harper e entregou-lhe o jovem que carregava com uma mão. Um jovem de cabelo preto e a área do olho esquerdo com uma mancha de queimadura, ele não era outro senão o próprio Ken.
– Ordem… cima.
Disse o homem de preto.
– Ordens de cima?
– Este… especial. Não… tocar. Não… morrer.
O homem de preto falava como se fosse um disco em falha, mas mesmo assim Dono conseguia entender do que se tratava.
– Ou seja, não devo deixar este jovem morrer sob hipótese alguma, e que deve ser tratado de maneira especial.
O homem então balançou ligeiramente a cabeça em concordância.
– Mais alguma coisa?
Apenas para ter certeza de que não havia mais nada, ele perguntou. Mas então o homem de preto pegou na mão direita de Ken e mostrou sua palma da mão.
– Quê!
Harper arregalou os olhos assim que percebeu o emblema na palma de sua mão.
– Isto é sério?
Harper não conseguia acreditar no que estava vendo. O emblema-amaldiçoado, um emblema que era considerado uma praga. Quem a possuísse estava destinado a não ser nada além de um aborto desde o momento em que aparecesse na palma de sua mão.
Por isso Harper não conseguia acreditar porque deveria dar tratamento especial a uma pessoa assim. Embora seja raro que ainda existisse um portador deste emblema já que nunca mais havia aparecido ao longo da história.
Percebendo o olhar relutante de Harper, o homem de preto alertou.
– Não… matar.
Percebendo que o olhar do homem se tornou mais frio, ele decidiu concordar.
– … Sim, não matar.
O homem de preto então se despediu com uma última palavra, colocando a mão no meio do peito.
– Por Rá.
Vendo esta saudação, Harper também estendeu a mão sobre o centro do seu peito.
– Pelo deus Rá.
Com isto, o homem voltou para a plataforma de madeira, onde agora apenas estavam presentes os outros homens de preto. Depois disso a plataforma começou a subir, sendo puxada por fios em ambos os quatros cantos.
Depois que a visão deles ao subir desapareceu como se estivessem sendo engolidos pela escuridão, Harper voltou seu olhar para Ken.
– Devo leva-lo em um dos quartos dos nossos quartos?
Um dos soldados se aproximou e perguntou cautelosamente após perceber a expressão intimidadora de Harper. Mas sua resposta o deixou surpreso.
– Não, leve-o assim como os outros jovens.
– O quê? E as ordens de cima!?
– Você também ouviu, não ouviu? A ordem foi para não matá-lo, não para dar-lhe uma vida tranquila. Na verdade, transfira-o para a primeira porta.
– M-mas Sir. Dono!
O soldado nem sabia o que fazer, ele havia ouvido a conversa de Harper com o homem de preto, e as ordens de cima eram claras para não deixar este jovem morrer. Mas além de colocá-lo junto com os outros jovens, ainda queria colocá-lo na primeira porta, onde a taxa de mortalidade era muito mais alta.
Para além de terem que digerir a maior dosagem da droga, ainda teriam que lutar com lobos todos os dias, incapacitando tremendamente seus tempo de dormir e causando uma grande exaustão mental. O soldado tentou alertá-lo, mas não conseguiu dizer nada assim que percebeu o olhar inalterável de Harper.
– Você tem alguma coisa para dizer?
Percebendo aquele olhar, o soldado baixou a cabeça desistindo.
– N-não.
– Ótimo.
Depois disso, Ken então começou a ser levado para a primeira porta.
‘Desde que ele não morra, quer dizer que pode passar pelo mesmo procedimento que os outros jovens. Me recuso a dar-lhe uma vida tranquila, portador do emblema-amaldiçoado.’
Um sentimento de felicidade surgiu repentinamente nas profundezas de seu ser. Ele não sabia do porque o surgimento deste sentimento, mas não detestou.
‘Mostre-me portador do emblema-amaldiçoado. Mostre-me o desespero em sua expressão ao te aperceberes dos fortes limites impostos em seu corpo, enquanto desafios infernais surgem na sua frente.’
Harper parecia feliz que os cantos de sua boca inconscientemente esticaram em um sorriso. Mas sua felicidade durou apenas alguns dias quando seus pensamentos não aconteceram como esperava.
Uma pequena bola de cristal foi instalada em um canto do quarto de Ken, que funcionava como uma câmera de vídeo. Harper estava em seu escritório enquanto assistia por uma bola de cristal por cima de sua mesa.
A premissa era para que ele pudesse a qualquer momento pelo menor risco de perder a vida, mas o que ele realmente queria era ver a sua expressão desesperadora.
A princípio, assim como qualquer outro, o desespero o tomou, até tentou pegar a espada que estava ao lado, mas faíscas saltaram de sua mão e ele foi obrigado a largar de dor.
Harper havia se divertido ao ver aquela cena. O que ele poderia fazer agora que não podia usar uma espada? Ele estava prestes a mandar alguém para tirá-lo de lá quando de repente Ken se jogou na direção do lobo e o enfrentou com as mãos nuas, se agarrando a ele, prendendo-o entre suas pernas e enforcando-o com os braços, sofrendo alguns arranhões no processo mas acabando por matar o lobo.
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