Capítulo 548: Confiança

Ninguém disse nada por um tempo.

Jerald colocou a carta de lado, e Shang a convocou de volta para seu mundo interior.

— Você está dizendo a verdade? — perguntou Jerald. — Vai fazer o seu melhor para deter as Abominações?

Shang assentiu. — A razão pela qual Lucius falhou foi o Deus. Os dois lutaram, e o Deus venceu.

— Não pretendo perder para o Deus.

— Lucius não sabia contra o que estava lutando, mas eu sei.

Então, Shang olhou para o teto. — E talvez essa seja uma das razões pelas quais o Deus me enviou para cá.

— Não houve outro Deus por muito tempo, e provavelmente ele quer alguém com quem possa lutar. Ele certamente não tentou me dissuadir de odiá-lo.

— Não sei as origens das Abominações, mas tenho certeza de que o Deus conhece suas origens. Ainda assim, ele não contou a ninguém e não fez nada para detê-las.

— Na verdade, ele até me deu esta Afinidade, sabendo muito bem que as Abominações se tornariam mais poderosas.

— Apesar disso, quero matar o Deus e acabar com as Abominações. Esse é o meu objetivo.

Jerald não respondeu por um tempo.

— E se parar as Abominações exigir sacrificar sua vida? — perguntou Jerald.

— Eu não sei — disse Shang após alguns segundos. — Quando eu tiver matado o Deus, já terei alcançado o pináculo do poder. Nesse ponto, não haverá mais como crescer em poder.

— Não sei o que faria então. Minha vida estaria vazia? Eu me sentiria realizado?

— Uma coisa é clara. Eu não sou alguém que sobrevive apenas porque quer sobreviver. Se não houver nada além de vazio e falta de propósito na minha vida, talvez eu aceite sacrificar minha vida pelo mundo.

— Mas, primeiro, quero alcançar meus objetivos, e não vou considerar o que vem depois até que os tenha alcançado.

Jerald permaneceu em silêncio por vários segundos, lutando consigo mesmo.

— Como posso confiar nas suas palavras? — perguntou ele.

— Jerald — começou Shang — você disse que sou frio, egoísta e apático.

Jerald não respondeu.

— Então, me diga…

— Por que eu não fugi para o mundo exterior durante a guerra civil?

— Você queria matar o Conselho a todo custo. Queria vingança por Mattheo e George.

— Ainda assim, você sabe muito bem que eu coloco meus objetivos acima de tudo. Permanecer no Reino Trovão Celeste para lutar contra o Conselho foi um risco desnecessário.

— Eu poderia simplesmente ter ido para o sul, passado pela Zona da Águia da Tempestade, pulado no Abismo e entrado no mundo exterior.

— Mas eu não fiz isso.

— Por quê? — perguntou Shang.

Jerald olhou para Shang.

Nesse momento, a maior parte de sua hostilidade havia desaparecido, substituída por preocupação e apreensão.

— Por minha causa — respondeu Jerald após um tempo.

— Por sua causa — repetiu Shang. — Eu não queria ver meu único amigo no mundo morrer. Não queria vê-lo perder a vida enquanto eu tinha o poder para ajudar.

— Eu nunca fui contra você, Jerald. Sempre o ajudei.

— Você nunca pode ter certeza absoluta das intenções das pessoas, mas pode observar suas ações, e minhas ações mostram que estou ao seu lado e que vou ajudá-lo.

— Saber meu segredo muda o impacto dessas ações?

— Muda o fato de que arrisquei minha vida por você e que você arriscou sua vida por mim?

Silêncio.

Jerald apenas olhou para o chão com uma expressão preocupada.

Ele não respondeu por muito tempo.

— Eu queria ouvir o seu lado da história primeiro — disse Jerald, em um tom baixo.

— Agon me contou sobre o Filho da Calamidade. Por vários dias, não consegui pensar direito. O único amigo que esteve ao meu lado por mais tempo é o inimigo de tudo o que está vivo, o que inclui a mim.

— Por muito tempo, não consegui entender como você pode valorizar seu próprio poder mais do que a existência de todo o mundo.

— Qual é o sentido de ter poder quando o mundo inteiro está morto e vazio? Você poderia muito bem ser o humano mais fraco nesse ponto, e isso não faria diferença.

— O poder é uma ferramenta, não um objetivo. É uma ferramenta que usamos para alcançar metas.

— Por muito tempo, não consegui imaginar que tipo de pessoa você deveria ser para fazer essa escolha.

— Eu sabia que, se simplesmente chamasse Relon, você estaria morto em minutos, e talvez eu salvasse bilhões de vidas.

— Ainda assim, embora não conseguisse encontrar uma resposta para o motivo pelo qual você escolhia a si mesmo em vez do mundo, continuei confiando em você.

— Antes de fazer qualquer coisa, queria ouvir o seu lado da história.

— Queria ouvir sua justificativa antes de agir.

— Mas eu tinha medo da resposta.

— Não conseguia pensar em uma boa justificativa, e temia ouvir uma ruim.

— Se isso acontecesse, eu precisaria matá-lo.

Jerald olhou para o chão, com os olhos cheios de arrependimento e culpa.

— E eu não queria fazer isso.

— Então, apenas esperei.

— Assim que você saísse do treinamento, eu o confrontaria.

— Mas você continuou treinando.

— Ainda assim, eu não queria entrar em contato. Pois, se entrasse, teria que fazer essa escolha horrível.

— Os anos passaram, e, eventualmente, até bloqueei sua existência.

— Eu esperava que você nunca voltasse.

— Continuei vivendo.

— Casei de novo.

— Tive filhos.

— Lidei com um Reino.

— Os dias sombrios de temer outro encontro com você passaram, e eu estava feliz com a vida.

— E então, hoje, meu Cristal de Comunicação ativou.

— Meus pesadelos se tornaram realidade.

— O dia que eu temia finalmente chegou, e não podia mais fugir dele.

— O dia em que eu o mataria chegou.

Shang não reagiu.

Jerald suspirou.

CRACK!

Então, um Escudo de Mana anteriormente invisível ao redor de Jerald apareceu, e ele se despedaçou.

— Eu nunca tive a intenção de morrer para você hoje.

— Me fiz parecer fraco para ver sua reação genuína.

Então Jerald olhou no olho de Shang, com um sorriso aliviado no rosto.

— Mas minha confiança em você não foi mal colocada.

— Você realmente tem uma justificativa que posso aceitar.

— Sinto muito por duvidar de você, Shang — disse Jerald, soltando outro suspiro.

Eles se encararam.

— A escolha horrível nunca se tornou realidade para você, Jerald — disse Shang.

Por alguma razão, ao ouvir a voz de Shang, Jerald sentiu pavor.

A voz de Shang soava como a de um homem aterrorizado tentando desesperadamente soar calmo.

— Mas a escolha que eu temia só chegou agora — disse Shang.

— Jerald, eu nunca fui contra você.

— Nunca tentei machucá-lo.

— Nunca quis machucá-lo.

Shang respirou fundo.

— Mas, hoje, você planejava me matar.

O pulso de Jerald acelerou.

— Você perguntou como poderia confiar em qualquer coisa que eu diga — disse Shang. — Eu disse que você pode confiar nas minhas ações.

— Ainda assim, como posso confiar em você, quando suas ações e intenções eram me matar hoje? — disse Shang.

— Shang! — gritou Jerald. — Eu estava tentando entender tudo! Queria ouvir seu lado da história primeiro!

— Você estava incerto — disse Shang. — Por muito tempo, esteve incerto sobre suas ações. A cada momento, havia o perigo de que tomasse qualquer uma das decisões.

— Você não sabia o que queria, Jerald — disse Shang, com a voz tremendo um pouco. — Era fraco demais para ser decisivo.

— Como posso ter certeza de que você não voltará atrás nas suas palavras no futuro?

— Quando eu me tornar tão poderoso que cada Abominação que surgir será mais forte do que você, e você viver com medo constante pela sua própria vida e pela vida de sua família, como posso ter certeza de que sua decisão não mudará repentinamente para o outro lado?

Os dois se olharam.

Jerald parecia preocupado, apreensivo e um pouco em pânico.

Shang parecia frio, mas magoado.

— Não posso confiar em você, Jerald — disse Shang.

Uma lágrima.

Uma lágrima escorreu pela bochecha direita de Shang.

A mente de Jerald congelou.

— Não posso confiar em você — repetiu Shang, com a voz tremendo de leve.

Fogo negro surgiu onde o olho direito de Shang estivera segundos antes.