Capítulo 785: Cutucando o Monte
Shang estava diante de um monte de carne ensanguentada.
Esse monte já fora a Rainha Primordium.
O Deus ordenara que Shang socasse, esbofeteasse e chutasse aquele amontoado de carne por quase meia hora.
Shang poderia ter recusado?
Ele era livre para fazer o que quisesse, mas não era livre das consequências.
Ele poderia ter dito que não seguiria as ordens do Deus.
Mas e então?
As chances eram muito altas de que o Deus simplesmente o mataria.
E então, ele estaria morto.
Seria o fim.
Os últimos 1.200 anos teriam sido em vão.
Tudo porque Shang pensara em recusar uma ordem.
Sob imenso estresse ou quando encurralados, os humanos frequentemente pensam em como seria libertador fazer isso ou aquilo.
Apenas jogar tudo fora.
Não importa o que alguém diga, você não faria algo assim.
Você tem seus princípios.
Você tem respeito por si mesmo.
E então, você morre.
Um cadáver ensanguentado com princípios.
Um sobrevivente sem princípios.
Muitas pessoas acreditariam que pertencem à primeira categoria.
Nunca se deixariam oprimir.
Nunca fariam algo assim.
Mas quando suas vidas estivessem em jogo, perceberiam que sua moralidade era muito mais flexível do que imaginavam.
Seus entes queridos nunca mais poderiam falar com você.
Seus entes queridos chorariam.
Seus filhos e animais de estimação perderiam seu provedor e guardião.
Seu melhor amigo perderia seu melhor amigo.
Sua comunidade perderia o serviço que você prestava.
Para quê?
Apenas para seguir seus princípios?
Apenas para dizer que você não faria algo?
Por raiva?
Por despeito?
Shang acabara de passar por essa situação.
Ele gostou de socar lentamente sua professora até a morte?
Não.
Ele queria fazer isso?
Não.
Ele teria evitado, se pudesse?
Sim.
No entanto, evitar isso significaria arriscar sua própria vida.
Sim, uma professora era uma pessoa importante, mas arriscar a vida por ela não era esperado.
Naturalmente, havia diferentes graus de perigo.
Doar um rim, o que poderia ser visto como um pequeno risco devido à perda de um órgão reserva?
Talvez.
Tentar salvá-la de um carro em alta velocidade?
Talvez.
Tomar um tiro no peito por ela?
Improvável.
O Deus essencialmente colocou uma arma na cabeça de Shang e, se ele recusasse, o disparo viria.
Mas ele realmente faria isso?
Impossível dizer.
O Deus estava muito além da racionalidade.
Poderia ir para qualquer lado, mas Shang supunha que o Deus teria o matado.
O Deus queria entretenimento, mas também não queria que seus brinquedos o desafiassem.
Shang podia ser divertido para o Deus, mas era só isso.
Uma boa comparação para alguém da Terra seria destruir um teclado ou um controle de videogame por frustração em um jogo.
Era uma troca justa?
Extravasar sua raiva em troca de um equipamento?
Provavelmente não.
Mas você faria isso mesmo assim?
Possível.
O Deus era alguém que destruiria seus pertences por algo que o irritasse?
…
Shang apenas olhava para frente.
Seu Sentido Espiritual não se concentrava em nada específico.
Ele não queria continuar olhando para o monte de carne, mas também não queria olhar para o Deus.
Ele apenas esperava.
A única coisa que podia fazer era seguir as ordens do Deus até que ele estivesse satisfeito.
Depois de um tempo, o bobo da corte se aproximou e cutucou o monte de carne com a ponta de seu martelo.
— Você se lembra do cabelo azul dela? — perguntou com um sorriso autossatisfeito.
Shang não disse nada.
— Você se lembra dos olhos dela?
— E da ajuda que ela lhe deu?
— Sabe, ela era alguém que poderia colocar o bem do mundo acima da lealdade e também tinha determinação suficiente para entender quando sacrifícios eram necessários.
— Se você tivesse contado a ela sobre sua Afinidade, talvez ela realmente tivesse decidido ajudá-lo. Bem, assumindo que você a convencesse de que se livraria das Abominações eventualmente.
Shang não disse nada.
— E agora, olhe para ela.
— Toda ensanguentada.
Shang permaneceu em silêncio.
O bobo cutucou a carne mais um pouco.
— Você acredita no meu poder agora? — perguntou.
— Sim — respondeu Shang.
O bobo cutucou mais um pouco.
— Quer que eu mate o Imperador Relâmpago também?
— Não — respondeu Shang.
— Por quê? — perguntou o bobo com um sorriso.
— Eu preciso de um Imperador que fale a meu favor — disse Shang.
— Você precisa mesmo? — perguntou o bobo. — Você ainda não ouviu a resposta para sua próxima pergunta.
— Duvido que será menos perigoso ou mais fácil do que ter a permissão e o apoio do Imperador Relâmpago — disse Shang.
O bobo continuou cutucando o monte de carne.
— Sabe, você contou a ele sobre mim.
— Ou eu teria morrido — respondeu Shang.
— E você acha que eu não o mataria? — perguntou o Deus.
— Um era uma morte certa. O outro, uma morte incerta — disse Shang.
— Hmmm — murmurou o bobo. — Mas eu posso fazer coisas piores com você.
— Não — disse Shang.
O bobo piscou, surpreso.
Então, entendeu.
E riu.
— É por isso que você é meu brinquedo favorito, Shang — disse o bobo. — Qualquer outra pessoa concordaria com minha afirmação.
— Afinal, o que é pior do que ser forçado a viver para sempre em agonia?
— O que é pior do que ter sua alma presa a um pedaço de merda eternamente apodrecendo?
— O que é pior do que morrer repetidamente, vez após vez?
O bobo riu um pouco mais.
— Mas nada disso importa para você.
— Para você, todas essas coisas são iguais.
— Você não conseguirá realizar seu sonho de qualquer forma, o que torna tudo igualmente ruim.
O bobo riu novamente.
— Você é tão fodido, Shang.
Shang não respondeu.
— Quando você veio ao meu palácio, era tão diferente.
— Diga-me, o que seu eu do passado pensaria do você atual? — perguntou o bobo.
— Me odiaria — respondeu Shang.
— Certo — disse o bobo, cutucando mais um pouco o monte de carne. — Ele o odiaria.
— Ele acreditaria que você está vivendo para nada.
— Que está jogando sua vida fora.
— Que já está vivendo uma vida pior do que a morte.
— E o melhor de tudo é que você não se importa. Esses são os pensamentos de um jovem e ingênuo mortal.
— Você se tornou tão poderoso, percorreu um caminho tão longo. Como um mortal fraco poderia saber mais sobre a vida do que você?
O bobo continuou rindo enquanto cutucava a carne mais uma vez.
Silêncio.
Mais cutucadas.
Mais silêncio.
— Quer saber o que acontecerá agora?
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