O silêncio se tornara absoluto. Um vácuo entre a respiração e o próximo ruído, como se até a própria masmorra prendesse o fôlego.

    Weast firmou o punho na empunhadura da lâmina. Eleanor, ao seu lado, mantinha os olhos fixos na porta semicerrada à esquerda da câmara. Era uma porta de madeira antiga, rachada, coberta de mofo e com dobradiças de ferro que pareciam suspirar sob o próprio peso. Mas o que a fazia ameaçadora não era sua aparência. Era a presença atrás dela — invisível, mas opressiva. Algo estava ali, observando.

    Um baque surdo ecoou da porta.

    Thud.

    Ambos deram um passo para trás. Eleanor levantou a tocha, o fogo tremeluzente projetando sombras contorcidas nas paredes, como dedos tentando agarrá-los.

    — Está… tentando entrar? — sussurrou ela.

    Weast sacudiu a cabeça lentamente. — Não. Está esperando.

    Outro som. Não um baque, mas um arranhar metálico, como garras raspando pedra.

    Screeech…

    E então, novamente, silêncio.

    A tensão no ar era tão espessa que parecia formar uma segunda pele sobre os dois. Weast apertou os olhos para além da fenda na porta. Podia ver… algo. Um brilho esverdeado? Não. Era âmbar, pulsante. Como olhos.

    — Não gosto disso — murmurou Eleanor.

    Weast respirou fundo. — Também não.

    Por um momento, pensaram em recuar, sair daquela câmara, correr por outro túnel, qualquer coisa para se afastarem da presença do outro lado. Mas não havia para onde ir. As criaturas do lado de fora ainda batiam contra a muralha improvisada, e todo o labirinto atrás deles parecia fechado, escuro, perigoso.

    Eles estavam encurralados.

    Thud.

    A porta rangeu, cedendo mais um centímetro. Weast firmou os pés no chão.

    — Temos que saber o que é isso — disse ele, e deu um passo à frente.

    — Não! — Eleanor segurou o braço dele. — E se for… um deles?

    Weast hesitou. Mas sabia, de alguma forma, que não era. Era pior.

    — Se a gente não agir, essa coisa vai sair de qualquer jeito.

    A porta vibrou com outro golpe.

    Thud.

    A madeira cedeu mais um pouco, e agora havia um vão estreito. Suficiente para ver uma silhueta esguia, mas anormalmente alta. Muito alta. A criatura estava parada. Não avançava. Apenas… encarava.

    Os olhos finalmente se tornaram nítidos. Dois círculos de âmbar incandescente, como brasas imóveis no negrume. Não havia expressão. Não havia movimento. Só a certeza de que aquela coisa via cada detalhe deles — e compreendia.

    Eleanor deu um passo para trás, engolindo em seco. — Isso não é uma criatura qualquer.

    — Eu sei. — Weast ergueu a lâmina devagar. — Isso… parece ancestral. Como se estivesse aqui desde antes da masmorra.

    Uma corrente de ar frio soprou pela fresta da porta. Não natural. Ele vinha de dentro da figura. Como se ela exalasse um vazio, um frio que não pertencia ao mundo físico.

    Do outro lado, a figura finalmente deu um passo.

    Crac.

    O som dos ossos? Ou da própria estrutura do lugar se curvando ao seu peso? O chão tremeu levemente.

    Eleanor agarrou uma pedra do chão, mantendo a tocha na outra mão. Estava pálida.

    — Não estamos prontos pra isso — sussurrou.

    A porta rangeu mais, e agora abria-se lentamente por conta própria. Sem empurrões. Sem arrombo. A entidade do outro lado não precisava forçar. A madeira parecia se abrir por vontade própria, rendendo-se.

    Weast sentiu a garganta secar. A figura tinha braços longos, muito longos, e mãos de dedos finos demais para parecerem humanos. Mas o pior era o corpo — parecia envolto em algo vivo, sombras que se moviam como se estivessem presas à sua pele. Não havia rosto. Apenas os olhos incandescentes. A criatura se deteve à beira da entrada.

    E sorriu.

    Não com boca. Mas com a presença. Um sorriso imposto diretamente na mente. Eleanor caiu de joelhos, as mãos tapando os ouvidos.

    — Sai… da minha… cabeça…

    Weast cambaleou, mas manteve-se de pé, rangendo os dentes. O ser avançou um passo dentro da sala.

    O ar estalou.

    O fogo da tocha de Eleanor apagou-se subitamente. A escuridão mordeu tudo ao redor. Só restava a luz fraca da tocha de Weast — e os olhos âmbar, que pareciam se aproximar a cada segundo.

    Crac.

    O chão cedeu levemente sob a criatura. Como se a pedra reconhecesse seu peso… ou sua maldição.

    Eleanor se arrastou até a parede, o corpo tremendo. — Não… não dá… isso não é real…

    Weast se pôs à frente dela.

    — É real — murmurou. — E se nos pegar, estamos mortos. Ou coisa pior.

    O ser parou de novo. Silêncio. Os olhos piscaram. Apenas uma vez.

    E então — uma voz.

    Mas não um som. Uma voz que vibrava por dentro do crânio.

    Abrem… ou morrem…

    Weast sentiu os joelhos quase cederem. Mas não abaixou a guarda.

    — O que… você quer?

    Silêncio.

    — O que… é você?

    As sombras que envolviam a criatura se expandiram. Tocaram o chão, o teto, as paredes. As tochas começaram a minguar, como se o próprio fogo recuasse em pavor.

    E então, a criatura parou.

    E a porta atrás dela — a mesma por onde surgira — começou a se abrir por completo, empurrada por mãos invisíveis.

    Eleanor gritou.

    Porque atrás da criatura… havia mais.

    Milhares de olhos âmbar.

    Sombras sobre sombras. Uma escadaria que descia infinitamente para o nada. E figuras — dezenas, centenas — todas com os olhos brilhando, encarando. A entidade à frente era apenas a primeira.

    O arauto.

    Weast girou a tocha em mãos e atirou-a contra a criatura.

    Ela bateu contra o peito do ser. O fogo explodiu brevemente — e foi apagado instantaneamente, como se sugado.

    Mas aquilo bastou.

    A criatura deu um passo atrás.

    E então, de forma abrupta, as sombras recuaram. A criatura virou-se lentamente, entrando novamente pela porta aberta.

    O frio desapareceu.

    O fogo retornou à tocha de Eleanor, por si só.

    A porta começou a se fechar. Não com força. Mas com uma lentidão quase ritual.

    Weast correu até ela e empurrou — mas era como empurrar uma montanha. A madeira rangeu, e os olhos da criatura se voltaram uma última vez antes de sumirem na escuridão.

    Clac.

    A porta se fechou.

    Silêncio.

    Weast cambaleou para trás, arfando.

    Eleanor tremia, ainda no chão. — O que… foi… isso?

    — Não sei. Mas… aquilo não veio para nos matar.

    — Então por quê?

    Weast encarou a porta fechada.

    — Porque queria que soubéssemos que estávamos sendo observados. Que a masmorra é viva. E que… há algo muito maior vindo.

    Eleanor olhou para ele, a expressão sem cor.

    — Estamos ferrados, não estamos?

    Weast assentiu, lentamente.

    — Pior do que pensei.

    Lá fora, os uivos das feras retornaram. Como se o ritual tivesse terminado. Como se tivessem aguardado a criatura sair… e agora pudessem voltar a caçar.

    Mas naquele instante, nenhum monstro de quatro chifres parecia tão perigoso quanto o que viram atrás daquela porta.

    A porta… que podia se abrir novamente. A qualquer momento.

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