Atravessar a câmara inferior não trouxe alívio. Cada passo ecoava como um tambor de guerra no metal corrompido, e o fedor de sangue seco e circuitos queimados colava-se à pele como uma maldição. A resistência estava ferida, mas viva. Por ora.

    Drevan ajustava seu braço mecânico enquanto cuspia no chão. — Essa coisa quase me arrancou a alma…

    Helvi passou ao seu lado, silenciosa, limpando o sangue de um cano de ferro que usara como clava improvisada. Os gêmeos Rask e Min mantinham-se vigilantes nas laterais do grupo, rifles erguidos, olhos varrendo cada sombra.

    Mas era Kael quem carregava a tensão nos ombros. Estava mais distante, olhos fixos nas paredes da nova sala — um domo circular repleto de painéis de dados, a maioria quebrados ou corrompidos.

    — Este era o Salão de Controle Avançado da base — disse, com a voz baixa, quase reverente. — Aqui é onde os primeiros gritos da resistência se fizeram ouvir, anos atrás.

    Weast se aproximou, observando os restos de cadeiras de comando, cabos que pareciam serpentes decapitadas e a marca de uma explosão central.

    — O núcleo está logo abaixo? — perguntou.

    Kael assentiu. — Mas o acesso está lacrado. Devemos ativar os quatro vetores de segurança ao redor da sala.

    Lys reuniu o grupo rapidamente. Cada vetor ficava em um dos quatro corredores que saíam do salão como veias de um coração mecânico. Seria necessário dividir-se.

    — Eu levo Drevan comigo — disse Kael. — Vamos para o vetor alfa.

    — Os gêmeos vão para o beta — indicou Lys. — Helvi e o Encapuzado, para o vetor ômega.

    Weast olhou para Eleanor. — Vamos juntos para o delta.

    Houve apenas um breve instante de silêncio antes de todos se dispersarem. Não havia mais medo, apenas foco. Cada equipe atravessou seu respectivo corredor, mergulhando em labirintos diferentes, onde a masmorra aguardava.

    No vetor delta, Weast e Eleanor encontraram uma sala invadida por óleo negro, onde os sistemas pareciam ter sido engolidos por uma entidade viva. Pétalas de metal pulsavam nas paredes, como se a estrutura estivesse respirando. No centro, o painel de ativação estava coberto por um emaranhado orgânico.

    — Isso não é apenas tecnologia — murmurou Eleanor. — A masmorra… ela está viva.

    Weast empunhou a espada. — Então vamos dar fim à sua vida.

    Eles atacaram juntos, cortando os tentáculos de metal e fluido escuro. Cada golpe fazia a estrutura chiar como uma criatura ferida. Ao final, Eleanor ativou o vetor, que brilhou com um feixe azul.

    Nos outros corredores, o combate era igualmente brutal.

    No vetor alfa, Drevan armava explosivos enquanto Kael segurava criaturas reptilianas que surgiam do teto. — Me avisa antes de detonar!

    — Sem promessas! — Drevan gritou, rindo.

    No vetor ômega, Helvi e o Encapuzado moviam-se como um par de sombras assassinas, eliminando silenciosamente grupos de aberrações fundidas com armaduras da União.

    No beta, os gêmeos enfrentavam uma armadilha cibernética: hologramas de antigos camaradas perdidos que tentavam confundi-los. Rask hesitou ao ver o rosto do pai falecido, mas Min puxou o irmão de volta à realidade.

    Minutos depois, um a um, os vetores brilharam em sincronia.

    Todos voltaram ao Salão Central, exaustos, sangrando, mas de pé. O núcleo central se abriu com um estrondo, revelando um elevador circular.

    Lys respirou fundo. — A descida começa agora.

    Mas antes que entrassem, uma luz vermelha acendeu nas bordas da sala. Um holograma tremeluzente surgiu sobre o pedestal central: era uma figura em uniforme da União, deformado por interferência digital. Seus olhos, agora estáticos, transmitiam ódio puro.

    — Vocês não deviam ter vindo até aqui — dizia a voz artificial. — O núcleo é nosso. A resistência será erradicada como sempre deveria ter sido.

    Kael estreitou os olhos. — Reconheço esse rosto… General Vharun. Ele foi dado como morto há cinco anos.

    — Então alguém ou algo o reanimou — murmurou Weast. — Talvez nem seja mais humano.

    A figura holográfica piscou, como se zombasse, e então se dissolveu. As paredes tremeram. Algo estava vindo. Algo maior.

    — Precisamos descer antes que o sistema se reinicie — disse Eleanor.

    Todos entraram no elevador, que começou a descer lentamente por um eixo escuro, iluminado apenas por luzes de emergência. No silêncio da queda, os olhos de todos se voltaram para as profundezas.

    — Eu ouvi dizer que o núcleo abriga uma entidade — murmurou Min. — Uma inteligência sintética criada pela própria União. Algo que eles perderam o controle.

    — Isso é mais do que uma IA — disse Helvi, com a voz tensa. — É um coração. Uma alma artificial. E ela está em guerra com tudo que vive.

    Weast fechou os olhos por um instante. Sabia que estavam perto do fim. Mas também sabia que, para muitos deles, esse fim era apenas o início de algo maior.

    — Estamos quase lá — disse Drevan. — E se esse tal “coração” bater de novo… a gente vai ser o choque que o para.

    O elevador tremeu levemente. Ao longe, uma batida rítmica ecoava, como se um tambor gigantesco pulsasse sob toneladas de ferro.

    O coração da masmorra estava acordado.

    E a resistência descia para matá-lo.

    Mas abaixo deles, algo mais se agitava. Ressonâncias de vozes esquecidas, dados fragmentados sussurrando em línguas de código corrompido. Sons que pareciam vir de outra dimensão, como ecos de uma máquina sonhando com o fim da humanidade.

    E então, quando a luz de emergência piscou mais forte, um símbolo antigo da União brilhou nas paredes do poço de descida — mas com alterações grotescas. Um olho negro no centro, cercado por garras espiraladas.

    Eleanor estremeceu. — Eles não só perderam o controle… eles foram assimilados.

    Kael assentiu. — Essa coisa… ela não quer apenas destruir. Ela quer substituir.

    Lys, em silêncio até então, firmou os punhos. — Então teremos que destruir mais do que sistemas. Vamos ter que apagar o legado inteiro dessa loucura.

    O elevador parou com um baque surdo.

    Diante deles, o Coração de Ferro pulsava com fúria.

    E a batalha final começava agora.

    Enquanto as portas do elevador se abriam lentamente, um calor denso os envolveu. O núcleo ardia em energia vermelha viva, respirando como se tivesse pulmões próprios. Torres metálicas giravam em espiral ao redor de uma cápsula central, onde o brilho mais intenso os cegava por um instante. Ao redor, criaturas mecânicas — híbridos entre soldados, animais e máquinas — aguardavam como guardiões de um inferno forjado.

    — Espalhem-se! — gritou Lys.

    O tiroteio começou de imediato. Drevan lançou uma granada de pulso que desestabilizou dois sentinelas. Weast correu pelos flancos, cortando fios de energia com sua lâmina. Eleanor dava cobertura precisa, acertando alvos vitais com tiros cirúrgicos. O chão tremia.

    No centro da sala, uma figura ergueu-se.

    Não era mais humana.

    Era Vharun.

    Mas agora fundido ao núcleo — seu corpo se estendia como um trono biomecânico, com cabos entrando por sua espinha e braços multiplicados em próteses sinistras. Seus olhos brilhavam como faróis de condenação.

    — Bem-vindos ao fim — disse com voz duplicada, metálica e humana ao mesmo tempo.

    E então, o núcleo rugiu. O Coração de Ferro começou a acelerar seus batimentos.

    E com cada pulsação, o mundo à volta deles desmoronava ainda mais rumo ao caos absoluto.

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