A sala de reuniões da Broodmother, normalmente espaçosa, agora parecia confinada após Cirakari acionar o display holográfico. O brilho azul, já conhecido, projetava sombras dançantes sobre os rostos reunidos.

    — Detectamos dois interceptores dos Overseers — iniciou Cirakari, com a gravidade da situação refletida em sua voz —, em rota de colisão com o aglomerado de mineração Brando. — O holograma transformou-se, revelando uma intricada rede orbital. Trajetórias vermelhas, nítidas e ameaçadoras, apontavam para a nuvem externa de asteroides de TRAPPIST-1.

    — Mais uma missão suicida? — questionou Tài, embora seu tom deixasse claro que já esperava a resposta.

    Cirakari confirmou com um aceno sério. — A análise é conclusiva: não há capacidade de retorno. É o padrão dos Overseers: máxima destruição, sem qualquer esperança de sobrevivência.

    Gulliver relaxou na cadeira, cujo rangido ecoou pelo ambiente tenso. — É sempre a mesma coisa, avançam como touros enfurecidos e chamam isso de estratégia. Não consigo entender como eles convencem alguém a embarcar nesses ataques.

    Uma apreensão tomou conta de mim, enquanto recordações da batalha durante meu resgate ressurgiam, trazendo consigo a sensação de aceleração vertiginosa e a certeza iminente da morte. A sala parecia oscilar ligeiramente e, para me manter estável, agarrei-me à borda da cadeira.

    — Mas as estações de mineração não estão distribuídas por centenas de asteroides? — indaguei, esforçando-me para que minha voz soasse mais firme do que eu me sentia. — Como apenas dois interceptores podem causar um dano significativo?

    Cirakari voltou seu olhar para mim. — Em todos os confrontos que tivemos com eles, nunca conseguimos esgotar seus mísseis. Portanto, presumimos que eles possam carregar uma quantidade substancial. — Ela manipulou um controle, e uma tabela detalhada surgiu, exibindo os dados conhecidos sobre os interceptores. — Além disso, com aqueles coilcanons de disparo rápido, eles poderiam saturar as bases de mineração com uma chuva de projéteis. É um exagero para naves tão pequenas, mas essa é a teoria predominante.

    — Fantástico — murmurou Gulliver —, porque um apocalipse padrão não era ruim o suficiente.

    — A Broodmother vai lançar quatro fragatas classe Freedom para a interceptação — continuou Cirakari, ignorando ou escolhendo ignorar meu desconforto. — Isso nos inclui. Os parâmetros da missão são rigorosos: a Broodmother nos lançará para a zona de encontro. Vamos avançar com ajustes mínimos de RCS. Teremos apenas o suficiente de Delta-V para a luta e para a queima de retorno à Broodmother.

    — Tradução: nada de gracinhas — brincou Gulliver, mas sua leveza habitual parecia forçada.

    — Parece mais algo como: sem segundas chances — rebateu Tài. — Se errarmos, vamos ficar à deriva e morreremos.

    O holograma se expandiu, mostrando vetores de empuxo detalhados e cálculos de interceptação. Números e trajetórias preenchiam minhas telas, embaralhando-se enquanto meu pulso acelerava. O peso familiar do pânico se instalou no meu peito, tornando cada respiração um esforço consciente.

    — Fred, — a voz de Tài veio de longe. — Você está bem?

    Pisquei, percebendo que todos estavam olhando para mim. Minha mão estava branca de tanto segurar a cadeira. — Sim — menti.

    A mão de Gulliver pousou no meu ombro, sólida e tranquilizadora. — Relaxe, você tem o trabalho fácil. Apenas mantenha os motores funcionando enquanto fazemos todo o trabalho pesado.

    — Isso aí — Tài se juntou com um sorriso caloroso. — E se algo der errado, sempre podemos culpar as flutuações quânticas ou algo assim.

    O olhar de Cirakari pairou por um momento antes de voltar para o display. — Foco. Os interceptores chegarão ao aglomerado Brando em quatro dias e meio. A partir de agora, entramos em modo de combate total; treinamento intenso e simulações. Isso vale em dobro para você, Fred.

    — Acho que vou pular o café da manhã — disse Gulliver com uma risada forçada, mas desta vez ninguém se juntou a ele.

    — Mais alguma piada? — disse Tài secamente. — Ou já podemos parar de fingir que isso também não é uma missão suicida?

    — Não é — retrucou Cirakari. — Algum de vocês já morreu comigo no comando? — Ela soltou uma risada curta e afiada e, depois de um instante, Tài e Gulliver se juntaram. Eu não estava tão seguro, mas consegui esboçar um sorriso fraco.

    ✹✸✶✸✹

    Os dias seguintes se transformaram em um ciclo implacável de preparação. Meu mundo se restringiu a telas de diagnóstico e procedimentos de emergência, a cada hora trazendo novas lições em engenharia de combate. Não pude evitar desejar a orientação do Dr. Xuefeng. O simulador da nave tornou-se minha segunda casa, rodando incontáveis cenários até que meus dedos se movessem automaticamente sobre os controles. Surpreendentemente, me vi tornando-me fã da interface minimalista.

    — Pico térmico no motor três! — gritou Gulliver uma vez durante um dos exercícios, cronometrando minhas respostas. — Qual é a sua jogada, estrela?

    Corri pelos procedimentos, redirecionando o fluxo de refrigerante, ajustando a distribuição de energia, tudo enquanto monitorava uma dúzia de outros sistemas.

    — Muito lento! — ele rosnou quando deu errado, batendo no console para enfatizar.

    — Se você continuar gritando no meu ouvido, a nave pode explodir só para te contrariar — retruquei uma vez, ganhando uma rara risada de Tài.

    Às vezes, eu tinha sucesso. Em outras, nem tanto, mortes teóricas se acumulavam. O importante é que eu sempre aprendia.

    Entre os exercícios, a equipe trocava histórias exageradas durante refeições apressadas.

    — Então lá estávamos nós — começou Gulliver uma vez, gesticulando dramaticamente no refeitório. — Apenas quatro mísseis sobrando, cinco chegando. O capitão perguntou o que poderíamos fazer.

    — Deixe-me adivinhar — interrompeu Tài. — Você por acaso era um multiplicador secreto de mísseis?

    — Naturalmente — respondeu Gulliver com uma cara perfeitamente séria. — Sem querer me gabar, mas me atribuem a invenção da duplicação espontânea de munição. Tecnologia classificada, você não entenderia.

    Cirakari, sentada do outro lado de nós, tentou suprimir um sorriso, mas falhou. — Você é um idiota, Gulliver.

    — Um idiota que ainda está vivo — ele rebateu, sorrindo.

    Esses momentos de leveza eram breves, mas vitais. De volta ao simulador, Cirakari me pressionava mais. — Fred, você está microgerenciando demais. Confie no sistema. É projetado para te apoiar.

    — Confiar no sistema? — murmurei, limpando o suor da testa. — Fácil para você dizer. Você não tem o hábito de explodir nessas simulações.

    — Eu não — ela concordou com um sorriso. — Porque eu escuto. Menos hesitação, mais instinto. Faça de novo.

    Na segunda noite, a exaustão começou a se instalar, embora os outros não mostrassem sinais de desaceleração. Durante um raro momento de silêncio no refeitório, acidentalmente vocalizei um pensamento. — Alguém de vocês ouviu alguma coisa da Virgo?

    A pergunta pairou de forma estranha no ar.

    Cirakari arqueou uma sobrancelha. — Você quer dizer: ‘Alguém ouviu alguma coisa da Alice?’

    — Bem… Ela faz parte da tripulação, então…

    — Ela está a bordo do cruzador Huánglóng agora — interrompeu Cirakari, com um tom cortante. — A Virgo está em uma missão secreta.

    Sua resposta foi definitiva, um sinal claro para não insistir. No entanto, Tài me lançou um olhar de lado, como se dissesse: Não leve para o lado pessoal.

    No dia final, enquanto nos preparávamos para a desacoplagem, percebi que algo havia mudado. O medo ainda estava presente, meu companheiro sempre presente, mas não me paralisava mais. Em vez disso, me forçava a verificar cada sistema, cada conexão, exatamente como o Dr. Xuefeng uma vez me ensinou.

    O treinamento terminou. A verdadeira luta estava prestes a começar.

    ✹✸✶✸✹

    — Sequência de desacoplagem iniciada — anunciou Tài enquanto as gigantescas garras soltavam seu aperto na Peregrina. Ao nosso redor, outras três fragatas classe Freedom; Jal-Gabon, Thunderborn e Münster, se desencaixavam em perfeita sincronização.

    — Grupo de ataque, posicionem-se — comandou Cirakari pelo canal tático. — Mantenham a atenção no delta-v a todo momento. Estamos operando com um orçamento apertado de combustível.

    As fragatas se moveram para uma formação precisa de diamante, cada nave a cinco quilômetros de distância uma da outra. Assim que nos desacoplamos da Broodmother, ela iniciou uma queima de desaceleração, afastando-se da projetada zona de encontro. Sua massa enorme diminuiu à medida que nos afastávamos, deixando-nos sozinhos na vastidão do espaço.

    — Toda vez que a vejo partir, parece que alguém acabou de fechar a porta para nós — murmurou Gulliver, rompendo o silêncio nos comunicadores internos.

    — Mais como trancou — repliquei, incapaz de manter a inquietação da minha voz.

    — Parem com os dramas — cortou Cirakari com dureza. — Concentrem-se em suas estações. Não estamos aqui para filosofar.

    Três dias sendo levados pela Broodmother nos trouxeram à fase de costeamento, ainda faltavam cinco horas até o encontro, mas o combate em si se desdobraria em um punhado de segundos mortais e sedentos de sangue.

    Infelizmente, não havia muito a fazer além de suportar as cinco horas de quase nada para fazer antes do combate. Encontrei-me olhando fixamente para meu console, executando ainda outro diagnóstico no sistema de refrigeração, apesar de ele já ter passado por todos os testes duas vezes. A monotonia se estendeu.

    — Relatório de status da Jal-Gabon — chamou Tài, rompendo o silêncio.

    — Eles estão ok — respondeu Cirakari, olhando para o display tático. — Todos os sistemas estão nominais. O mesmo para os outros. Mantenha o foco na Peregrina.

    Gulliver se recostou na cadeira e lançou sua voz casual pelos comunicadores. — Sabe, essa parte sempre me pega. Todo esse esforço, meses de preparação, e a missão toda se resume a um combate de piscar de olhos.

    — É por isso que você não deve piscar — respondeu Tài, sério.

    — Obrigado pelo conselho, papai — retrucou Gulliver.

    A voz de Cirakari cortou a brincadeira. — Mantenham o canal limpo, a menos que seja crítico para a missão.

    As horas rastejaram. Cirakari fez todos os esforços para nos manter afiados, rodando entre exercícios de sistema e rápidas perguntas táticas, mas nem mesmo ela conseguia esconder a tensão que se infiltrava em seu comportamento geralmente calmo.

    O display tático de repente soou, atraindo a atenção de todos.

    — Aquisição preliminar de alvo — reportou Tài. — Dois sinais de calor a vinte e cinco segundos-luz de distância. Parece que… Estão queimando?

    — O que eles estão fazendo? — murmurou Cirakari. Ela se inclinou mais perto do console, examinando os dados. — Não podemos presumir nada ainda. Gulliver, verifique com configurações conhecidas dos Overseers. Fred, prepare os sistemas térmicos para carga de combate.

    — Entendido — dissemos Gulliver e eu em uníssono.

    A fase de costeamento outrora tediosa foi substituída por uma tensão sufocante. Minhas mãos pairavam sobre os controles, passando pelas mesmas sequências que praticara incontáveis vezes no simulador. No entanto, desta vez, não haveria botão de reset.

    — Desvio de contato! — O aviso veio do oficial tático da Thunderborn. — Os interceptores dos Overseers estão alterando o curso.

    O display tático atualizou, mostrando as naves inimigas desviando-se do ponto de interceptação calculado. A mudança repentina enviou uma onda de inquietação através dos comunicadores da frota.

    — Eles nunca evitaram o combate antes — observou o capitão da Münster. — Pode ser uma armadilha.

    — Ou eles aprenderam — rebateu o comandante da Jal-Gabon. — De qualquer forma, precisamos decidir: perseguir ou proteger?

    O debate escalou rapidamente. Perseguir significava consumir um precioso combustível, potencialmente nos deixando à deriva longe da Broodmother. Mas abandonar a interceptação deixaria o aglomerado de mineração exposto. As apostas não poderiam ser mais claras.

    — Eles estão nos forçando a mostrar nossa mão — disse Cirakari. — Não podemos apenas ficar parados aqui.

    — Também não podemos arriscar ficar sem combustível — murmurou Gulliver, meio que para si mesmo.

    Enquanto a discussão se desenrolava pelo canal tático, voltei minha atenção para os números. Cruzei especificações de motor, taxas de consumo de combustível e os limites teóricos do Dr. Xuefeng. Uma solução possível surgiu, não convencional, mas viável.

    — Capitã — comecei, surpreendendo-me com a firmeza na minha voz. — Tenho uma proposta.

    Cirakari se virou para mim, uma sobrancelha levantada. — Continue, engenheiro.

    — Se ejetarmos nossas reservas excessivas de LOX e mudarmos os motores LANTR para modo de eficiência, podemos estender significativamente nosso alcance. — Apresentei os cálculos no display principal. — Teremos menos oxidante para manobras de alto-g, mas a redução de massa compensaria.

    Cirakari estudou os números. — E a viagem de volta?

    — Removemos tudo o que não for essencial após o combate — expliquei. — Descartamos tanques vazios, painéis de blindagem excedentes, munição não utilizada. Entre isso e o modo de eficiência, deveríamos ter delta-v suficiente para voltar.

    — E se eles tiverem delta-v suficiente para continuar evitando o encontro? — pressionou Cirakari, com ceticismo evidente.

    — Então estaríamos no cenário de possibilidades infinitas — rebati, apresentando projeções. — Se eles realizarem outra manobra significativa, teríamos que continuar perseguindo o encontro, mas se continuarem fugindo, não teremos escolha a não ser recuar.

    A mandíbula de Cirakari se contraiu, seus olhos se estreitando para o display. — Certo. Vou enviar para o Almirantado. — Embora ela não parecesse convencida, ela encaminhou o plano pela cadeia de comando. — O Almirantado está revisando a proposta — anunciou ela após um momento. — Mantenham posição e aguentem.

    — Isso é loucura — murmurou Gulliver pelo canal interno, embora houvesse um tom de admiração em sua voz. — Loucura o suficiente para funcionar, talvez, mas ainda assim loucura.

    — Às vezes, loucura é tudo que temos — respondeu Tài filosoficamente. — Além disso, quando algo sobre esse trabalho foi normal?

    Fiquei colado à minha estação, monitorando as leituras do motor e triplicando meus cálculos. O plano funcionaria. A matemática era sólida. Mas a matemática não podia levar em conta o caos do combate, as mil coisas imprevisíveis que poderiam dar errado.

    — Qual é o clima, Fred? — perguntou Gulliver, recostando-se na cadeira como se não estivéssemos à beira do desastre.

    Olhei para ele. — Entre esperançoso e apavorado. E você?

    — Eh, inclinando para apavorado — ele disse com um sorriso. — Esperança é superestimada de qualquer forma.

    A tensão se estendeu, os momentos se arrastando até que uma nova voz cortou os comunicadores, nítida e autoritária.

    — Todas as naves, aqui é o Almirantado. Proposta aprovada com modificações. Implementem protocolos de eficiência imediatamente. Armas livres após a interceptação. Boa caçada.

    As palavras pareciam ecoar no silêncio que se seguiu.

    — Bem, lá vamos nós — disse Tài suavemente.

    — E assim começa — acrescentou Cirakari. — Fred, inicie os protocolos. Gulliver, mantenha o tático atualizado. Todos, estejam prontos.

    — Vamos ver quem é mais louco — murmurou Gulliver.

    A caçada havia começado.

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