Capítulo I: Entrada do Castelo
À Sua Excelência, Detetive Charlie Mighnovit,
Com urgência e sigilo absoluto, convoco-o aos nossos domínios.
Sua reputação, destacada nas manchetes dos jornais como o maior detetive do leste, o precede. Apenas sua astúcia e brilhantismo podem desvendar a identidade do responsável que ousou atentar contra a vida de Sua Majestade, o Rei Raugust Cammary, que, graças aos céus, ainda está entre nós.
Reforço que este caso deve ser tratado com o maior sigilo. Que sua genialidade nos conduza à verdade e restaure a ordem em nosso reino.
O destino de nossa coroa está em suas mãos.
Respeitosamente, Rainha Roxanne Cammary
— Chefe — chamou Lance Magalhães —, chegamos.
Charlie despertou de seu sono, retirou sua cartola do rosto e soltou um longo bocejo. Em seguida, pegou sua maleta, desceu da carruagem e foi pagar o cocheiro. O pupilo ficou reorganizando os itens de sua maleta.
— Aqui, senhor William — disse o detetive, entregando algumas moedas ao condutor. — Pode ficar com o troco.
— Obriga… — interrompeu-se o cocheiro, após ver o que uma ave acabara de fazer. — Senhor, uma pomba fez cocô no seu chapéu. — alertou ele, apontando.
Charlie largou sua mala abruptamente no chão, retirou sua cartola e praguejou ao ver o estrago. Notou alguns panos dourados presos na lateral da carruagem e agiu depressa.
— Malditos! — xingou ele, enquanto limpava o excremento nos enfeites da carruagem. — Odeio esses animais!
— Pegue, senhor — disse o cocheiro, estendendo um lenço a Charlie. — Use isso, por favor!
— Não precisa, já está saindo. — recusou o detetive, erguendo uma das mãos. — Mas obrigado pela gentileza! — agradeceu ele, enquanto cheirava o local que fora defecado.
William ficou sem reação, não sabia o que dizer. Lance desceu da carruagem e foi até os dois.
— Vamos lá, Chefe, a Rainha não vai gostar que nos atrasemos.
— Rainha? Perdão, mas irão tratar de algo com a Rainha? — indagou o cocheiro de cenho espantado.
— Sim, algum problema? — perguntou Charlie. — Lance, resolva este mal cheiro! — estalou os dedos e entregou sua cartola por cima dos ombros.
O pupilo pegou o chapéu, se afastou um pouco e abriu sua maleta na baixa calçada de pedras.
— Eu sabia… — aspirou William. — Na minha terra… quando um pombo caga na cabeça de alguém, isso significa mau presságio…
No mesmo instante um raio caiu próximo, resultando em um barulho tremendo.
Charlie olhou para aquele céu estranhamente limpo, fechou o cenho e pensou: “Espero que esse raio tenha atingido aquela pomba miserável”. Lance nem deu importância ao evento e só continuou o que estava fazendo. William se assustou por um momento, mas logo se recompôs e continuou:
— Viram isso?! A vida de vocês cairá em desgraça caso entrem aí. Me ouçam e fujam enquanto é tempo. Fujam!
— Quanto exagero! — disse Lance em voz alta, borrifando perfume na cartola.
— Não é exagero! — respondeu o cocheiro. — Sei bem o que é trabalhar aí. Passei meses naquela maldita cozinha sem receber nada. Sempre com a promessa de que um dia iriam acertar as contas e ainda me dariam um bônus… Certo dia, perdi a paciência e fui cobrar. E eles… eles só me mandaram embora sem a mínima consideração. — desabafou o homem. — Então me ouçam! Não aceitem nenhum emprego aí! Fujam do mau presságio…
— Primeiro — respondeu Charlie, já impaciente —, ninguém importa-se com sua história; mal entramos no castelo e você já está tomando tempo demais. Segundo, mantenha os maus agouros das pombas na sua terra. E terceiro, não estamos atrás de emprego algum; viemos investigar a tentativa de assassinato do Rei Raugust. — acrescentou ele, dando as costas ao cocheiro. — Lance, vamos.
O detetive recolheu sua maleta do chão e, junto de seu pupilo, caminhou em direção à entrada da muralha do castelo.
— A Rainha pediu o máximo de sigilo, Chefe! — comentou o jovem, devolvendo o chapéu.
— Eu também li a carta, Lance! Está duvidando da minha epifânica memória?
— De forma alguma, Chefe! Não foi sobre isso que me refe…
— Alto lá! Identifiquem-se!
Eles foram parados por dois guardas com armadura dos pés ao pescoço, em frente ao grande portão prateado. O soldado à esquerda, com uma expressão apática, parecia um peixe morto, enquanto o da direita segurava a coleira de um pequeno cão e exibia uma papada que o fazia parecer um sapo.
“Estes são os homens mais feios que já vi”, pensou Charlie, mas se limitou a dizer:
— Não reconhecem-me? — retirou o chapéu e apontou para seu rosto.
Os guardas se olharam por um instante e, em seguida, balançaram a cabeça em sinal de negação.
“Parece que nunca leram um jornal na vida”, pensou Charlie. “Além de horrorosos, ainda são burros…” Seus pensamentos foram interrompidos pelos latidos repentinos do pequeno cão direcionados à sua maleta.
— Abra! — ordenou o soldado com cara de peixe morto, levando a mão à empunhadura da espada em sua cintura.
Charlie, por um momento, se distraiu com um homem de libré se aproximando rapidamente pelo lado de dentro, havia acabado de sair do castelo. Mas logo retornou sua atenção aos guardas e acatou a ordem dada, também ficara curioso para saber o porquê da atitude repentina do cão.
Todos ficaram surpresos ao ver a bagunça na maleta do detetive, cheia de bugigangas e com tinta preta espalhada por todo lado. O guarda com cara de sapo percebeu que debaixo de um martelo manchado havia algo estranho. Ele enfiou a mão e retirou um roedor amassado.
— Por que tem um rato na sua mala? — perguntaram os soldados.
— Senhor Zanagra?! — assustou-se Lance, pegando o roedor da mão do homem. — Ele não é um rato!
— O coitado deve ter entrado aí sem que eu percebesse — disse o detetive, suspirando —, certamente morreu ao inalar a tinta das canetas estouradas…
— Olha — comentou o guarda com cara de peixe morto —, não me parece que foi por causa da tinta, eu…
— Calado, idiota! — ordenou Charlie, apontando seu dedo indicador para o homem. — Quem é você para questionar a dedução do maior e mais qualificado detetive do leste, quiçá do mundo!?
— Você é o detetive? — perguntaram os soldados espantados.
— Óbvio que sim, estúpidos! — interveio o homem de libré, que acabara de chegar. — Abram logo esse portão para os senhores!
Assim que entraram, o homem gentilmente fez uma reverência:
— Muito prazer, senhores! Sou o mordomo real — apresentou-se —, me sigam, Vossa Majestade os aguarda.
Enquanto caminhavam, atravessando o extenso jardim, Charlie pediu para Lance guardar o corpo do Senhor Zanagra, para fazerem um enterro digno, e prometeu lhe dar outro mascote, dessa vez um ouriço, que, de acordo com suas palavras, eram mais resistentes.
Entraram e foram guiados até o salão principal, onde foram recebidos pela Rainha, acompanhada de dois guardas completamente cobertos por armaduras. O mordomo fez uma reverência e se dirigiu até a ponta direita de um grupo de pessoas reunidas em uma fila horizontal, no meio do grande salão.
A Rainha, sem perder tempo, apontou para os suspeitos, encheu os pulmões e começou:
— As duas camareiras, o jardineiro, o chefe de cozinha, a cozinheira, o tesoureiro, o organizador real, o escudeiro, o cavaleiro real, o médico real, a Duquesa, o bobo da corte e o mordomo… esses são todos que estavam no castelo quando aconteceu o atentado ao meu marido.
Se virou para Charlie e prosseguiu:
— Deixo tudo em tuas mãos, senhor Mighnovit! Por favor, encontre o criminoso para que ele pague com sua vida! — apontou para os dois homens de armadura. — Esses guardas estarão à sua disposição. Caso precise de mim, estarei nos aposentos reais, cuidando de meu marido. Conto com você!
Segundos depois a Rainha já havia desaparecido pelo imenso corredor.
Charlie também não perdeu tempo e foi direto ao trabalho. Ele percorreu a fila olhando nos olhos de cada um dos treze suspeitos. Depois, retornou lentamente para a frente deles com a mão em seu queixo. Então, bruscamente, retirou seu chapéu e o arremessou com força no peito de um senhor de idade, que estava no meio da fila.
— O assassino é ele! — gritou o detetive, apontando para o velho. — Guardas!! — ordenou, para homens atrás de si.
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