Charlie pediu ao seu pupilo que encontrasse o mordomo e o levasse para a cozinha, onde seria realizado o interrogatório. Ele explicou que seria mais rápido, pois também iria para lá, já que queria perguntar algo a Romério. Ambos pegaram suas maletas e partiram.

    No caminho até a cozinha, o detetive se deparou justamente com seu novo suspeito; andando ligeiramente em direção à sala de jantar. Ele o chamou, mas o homem disse que estava com pressa e acelerou ainda mais seus passos. Charlie imediatamente agarrou firme sua maleta, respirou fundo e iniciou sua perseguição; avançando com tudo.

    O homem percebeu, devido ao tremendo barulho das bugigangas batendo dentro da mala, e se pôs a correr de verdade. Entrou e atravessou a sala de jantar em um piscar de olhos, com o detetive em sua cola. Chegou a entrar na cozinha, mas antes de abrir a porta dos fundos para fugir em direção aos corredores, fora atingido fortemente nas costas.

    O Mordomo caiu para um lado e a maleta aberta para outro, com objetos voando para todos os lados.

    — Achou… que ia… fugir de mim… assassino!? — disse Charlie ofegante, se apoiando nos joelhos. — Já fui atleta… idiota!

    — Como assim?! O assassino já foi pego! — defendeu-se o mordomo; arfando, enquanto se arrastava de costas para o canto do recinto.

    Charlie apanhou o martelo sujo de tinta ressecada, que caíra próximo, e o ergueu na direção do homem caído.

    — Confesse logo, sacana! Não force-me a usar isto! — ameaçou, iniciando seu último interrogatório.

    — Tá bom, tá bom! Eu conto! Você está certo… Vladimir não é o culpado. Eu…

    — Claro! Você que é o verdadeiro culpado, maldito!

    — O quê!? Não! Juro que sou inocente! Eu…

    — Inocentes não fogem! Você deveria começar a explicar-se de uma vez, cretino!

    — Eu estou tentando! Você não me deixa concluir. Posso contar o que sei, mas você precisa me dar ouvidos…

    — Está tentando ensinar-me como faço meu trabalho, infeliz?! Escute aqui, eu faço as perguntas e você responde-as! Se hesitar ou gaguejar na hora da explicação, arrebento-te a marteladas, entendeu?

    Ele apenas balançou a cabeça em concordância.

    — Muito bem! Como chama-se e por que fugiu?!

    — Me chamo Cândido Baltar e vim trazer um pedido da Rainha ao chefe de cozinha. Ela decidiu de última hora que queria torta de maçã para sobremesa, então tive que me apressar. Você me viu no corredor, eu tentei lhe avisar que estava com pressa, mas você começou a me perseguir do nada, igual um maníaco…

    — Controle o linguajar, desgraçado! Já esqueceu o que falei sobre as marteladas?! Responda-me! Como sabe que Vladimir não é o culpado?

    — É porque ele estava no quarto com a Rainha no momento do atentado. Eles são amantes!

    — Amantes!? — espantou-se Charlie, mudando sua postura. — Hmm… isso explica muita coisa… — refletiu ele, coçando o queixo. — Mas como sabe disso?

    — Eu só gosto de estar bem informado… — respondeu Cândido, desviando o olhar. — Então fico escutando e observando pelos corredores…

    — Então aquela história de que ela e o organizador que organiza ficaram o tempo todo juntos, foi tudo mentira?!

    — Sim! Eu estava com a Rainha naquele dia; até ela pedir que eu me retirasse, pois já estava quase na hora do organizador real vir para que continuassem a escolher alguns tecidos. Quando saí, fiquei à espreita nos corredores, e o único que passou foi Vladimir, como de costume. Talvez Dominick também já saiba sobre eles, ou ela só o mandou mentir.

    — Está dizendo-me que a Rainha sabia da inocência de Vladimir e, mesmo assim, deixou-o ser preso só para que seu caso não fosse descoberto?”

    — Sim!

    — Que safada!

    — …Ela preferiu deixar um assassino solto e um inocente preso para que sua honra não fosse manchada. Só Deus sabe o que ela pretendia fazer com o verdadeiro criminoso à solta por aí…

    — Você sabe de mais alguma coisa? Conhece alguém que teria algum motivo, além dos salários atrasados, para matar o Rei?

    — Motivos não faltam! Vossa Majestade trata todos mal; dá uma ração horrível como forma de pagamento e diz que vai recompensar em breve, “quando o reino sair da crise”, o que nunca acontece. Ele não tem dó nem dos animais; semana passada chutou um gatinho. Um gatinho! Que ser humano chuta um gatinho?!…

    — Então você tentou matá-lo por ter chutado seu gato, vigarista!?

    — O-o quê?! De novo isso?! Mal tenho o que comer e você acha que possuo condições para criar algum gato?! …Estou tendo que racionar minha ração para não morrer de fome. Faz dias que só como quando sinto tontura ou vejo embaçado; tudo para prolongar minha triste vida sem esperanças…

    — Está bem! Está bem! Ninguém importa-se com sua vida miserável! Levante-se e vá buscar meu pupilo. Traga-o aqui, pois preciso encerrar logo este caso! — finalizou Charlie o interrogatório. — Procure-o no salão principal, ele deve estar por lá.

    Assim que Cândido voltou pela porta da sala de jantar, o único som restante no ambiente foi o ruído do vapor escapando pelas frestas das panelas.

    O detetive se pôs a recolher todas as suas bugigangas espalhadas pelo lugar. Ele passou um bom tempo procurando o frasco de xarope; até que finalmente o avistou debaixo de um armário; se deitou de peito no chão para tentar alcançá-lo e, nesse momento, ouviu o som da porta dos fundos abrindo atrás de si.

    — Lance?

    Desta vez a resposta não veio; em vez disso, o que veio foi uma dor tremenda, surgindo da região de trás de suas costelas. Ele tentou se virar, mas apenas conseguiu ficar de lado, pois a faca cravada em suas costas o impedia.

    Com a face esquerda tocando o chão frio, ele olhou de soslaio e sorriu ao ver que o assassino era exatamente sua nova hipótese.

    Usando seus últimos segundos de vida; Charlie moveu o braço esquerdo e apontou o dedo indicador para a sala de jantar. Em seguida, retirou a caneta do bolso de seu terno e começou a escrever em seu braço. O assassino permaneceu o observando até seu último suspiro.

    Depois de um longo tempo; Cândido e Lance apareceram. O pupilo sentiu um choque tremendo assim que viu o corpo atirado no chão. Aproximou-se lentamente, sem acreditar no que estava diante de seus olhos. Ainda catatônico, dobrou os joelhos na pequena poça de sangue atrás das costas de Charlie e desmanchou-se em lágrimas, sobre o corpo de seu querido chefe.

    “Primeiro Senhor Zanagra, e agora o Chefe Mighnovit; isso só pode ser um pesadelo!” foram seus pensamentos.

    O mordomo correu para chamar todos do castelo. Um por um, eles vinham entrando e se espantando com o que viam. De uma hora para outra, o recinto já estava cheio. A Rainha, acompanhada dos dois guardas armadurados, foram os últimos a chegar. Uma breve discussão sobre a inocência de Vladimir iniciou, mas logo cessou.

    Todos estavam aguardando que o pupilo soubesse algo sobre a mensagem deixada no braço de Charlie. Mas, depois de um longo tempo esperando, a Rainha resolveu dizer o que estava em sua mente:

    — “Ali que se cometera o crime?” — leu ela em voz alta. — Parece que ele está apontando para lá. Vamos ver o que é!

    Todos, exceto Lance, seguiram a Rainha até o fogão no canto da cozinha.

    — Por que ele apontaria para cá? — perguntou a cozinheira.

    — Talvez esteja se referindo ao que está sendo preparado! — comentou o organizador real.

    — Mas são só a sopa de caranguejo e o cozido que estou fazendo. — respondeu o chefe de cozinha.

    — Lembram do que ele disse sobre descobrir onde aconteceu o primeiro crime? E se ele está dizendo que Romério pôs o veneno na comida do Rei?! — acusou o tesoureiro.

    — Não! Juro que não fiz nada! — defendeu-se apavorado o chefe de cozinha.

    — Eu ainda alertei sobre o chá que ele preparou para o pobre detetive… — comentou sorridente o bobo da corte.

    — Isso já foi debatido! — respondeu o jardineiro, irritado. — Se há alguém aqui que o queria morto, esse alguém é você!

    — Só eu?! Ele era um babaca prepotente! — retrucou o bobo da corte, elevando o tom de voz. — Não finjam! Sei que todos aqui o odiavam!

    — Isso lá é jeito de falar de alguém que acabou de morrer?! — exaltou-se o mordomo. — Você deveria ter mais respeito!

    — Respeito? Por que eu teria respeito por um imbecil que se gabava ser o “maior detetive do leste”; mas, além de não ter resolvido o caso, conseguiu a proeza de prender a pessoa errada e ser morto da forma mais patética possível?!

    — Basta!! — gritou a Rainha. — Parem de agir feito animais! — olhou furiosa para todos. — Não vêem que estão se precipitando? Nem sabemos se foi realmente ele quem escreveu aquilo! Pode muito bem ter sido o assassino. 

    — Errada… — disse Lance, em voz baixa. — Essa é a letra dele! Só está um pouco trêmula porque foi escrita depois de ele ter sido atacado. Mas é dele, sem dúvidas…

    — Você acha que foi depois do ataque? — perguntou a Rainha, aproximando-se do rapaz; com todos a acompanhando. — Mas então por que o assassino o permitiu?

    — Talvez ele tenha fugido antes e não viu… — comentou Clarisse.

    — Não — negou ele, permanecendo de cabeça baixa. — Se o assassino tivesse fugido antes, não haveria necessidade do Chefe fazer um enigma.

    — Enigma? — indagou Alisse. — Essa pergunta é um enigma?

    — Não é uma pergunta… — respondeu Lance.

    — Mas tem um sinal de interrogação — questionou a Duquesa. — Como não é uma pergunta?

    — Isso não é um sinal de interrogação… é um 2 disfarçado — explicou o pupilo. — Conheço muito bem a grafia do Chefe!

    — Como assim um 2 disfarçado? E o que isso tem a ver com o fogão?! — perguntou a Rainha, perdendo a paciência. — Rapaz, você poderia parar de ser tão enigmático e esclarecer as coisas?!

    — Perdão, Alteza. — desculpou-se Lance, erguendo sua cabeça. — O que aconteceu foi só um gênio enganando um criminoso!

    Ele se levantou, respirou fundo e então iniciou a explicação definitiva:

    — Ele fingiu estar entregando o local do primeiro crime para enganar o assassino; e parece que funcionou muito bem. O cretino pensou que só mover o braço do Chefe para outra direção, seria o suficiente para confundir e enganar a todos. Achou que estava sendo tão inteligente incriminando o chefe de cozinha, escolhendo o fogão, que nem percebeu que só estava caindo no truque mais velho do mundo; a distração!

    Lance, com toda delicadeza, retirou a faca das costas de Charlie, o virou e pegou seu caderninho de anotações. Então abriu na segunda página e, após alguns segundos tentando entender, soltou o maior e mais satisfatório sorriso de admiração e respeito.

    — Chefe, você é incrível! Como conseguiu pensar nisso em apenas alguns segundos antes de morrer? Você não é somente o maior detetive da região leste. Você é, e sempre será, o maior que já existiu! 

    Todos ficaram empolvorosos. Queriam mais que tudo saber o que havia escrito de tão genial naquele pequeno caderno. Quando Lance o virou, todos tiveram a mesma reação.

    — “O que deve ser alterado?” — leram em voz alta, sem entenderem nada.

    — Como assim?! — externalizou a Rainha o que estava na cabeça de todos. — O que essa pergunta quer dizer?

    — Não! Isso também não é uma pergunta… é o seu último pedido para mim. O ‘que’ deve ser alterado!

    Lance fechou o caderno, guardou-o no bolso de seu terno e seguiu para a resolução do caso:

    — O Chefe usou todos os seus 901 de QI para revelar o nome do assassino em duas mensagens. Sendo extremamente astuto escondendo sua verdadeira intenção, enganando o patife; e incrivelmente sagaz, deixando uma mensagem clara o suficiente para que até um mero mortal feito eu conseguisse decifrá-la — olhou para o rosto espantado da pessoa do meio do grupo — Ali que se cometera o crime… — sussurrou para si.

    Então finalmente apontou seu dedo indicador para o rosto pálido da camareira de avental branco e gritou:

    — GUARDAS!!

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (2 votos)

    Nota