Capítulo 14 – O mundo é o meu prato
A data? Eu devorei.
O local? Eu também devorei.
Você fez muito bem em não transbordar, centelha.
— Quem diria? Você não pensou nem por um segundo que eu poderia retomar a posse do poder do vazio que lhe arranjei?
Gargalhei com um prazer cruel, aguardando ansiosamente por sua resposta, mas logo me lembrei: “Ah, é claro, eu o asfixiei.”
Minhas garras apertavam com gosto a garganta de meu receptáculo, e eu sentia o sabor onírico em seu canal digestivo, um volume satisfatório sob meus dedos. Mas não se preocupe; graças ao enfraquecimento do véu, posso enviar sua consciência para o outro lado sem precisar usar a ruptura em seu marco recém-desperto.
— Que recepção calorosa! — Demonstrei minha alegria, sentindo o calor latente nesta pele, causado pelo fogaréu espalhado por todo aquele churrasco a céu aberto. — Hm… Que cheirinho de carne na brasa. Que tal esfriarmos um pouco essa fogueira?
Ah, o corpo perecível é sempre tão frágil. Qualquer arranhão pode gerar graves hematomas. Mas não importa o quanto danificado esteja, ele ainda pode cumprir sua função primária neste mundo… consumir tudo aquilo que não lhe pertence.
O surto de adrenalina, que descarreguei por intermédio da prana neste corpo, se mantinha consistente — bem, eu não faço a mínima ideia de quanto apliquei ou quanto tempo vai durar. A sensação pulsante e errática era uma constante lembrança do controle que exercia sobre este receptáculo.
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“Eu não preciso mais disputar espaço com a centelha; isso deixa as coisas ainda mais interessantes,” pensei, formando um largo sorriso neste rosto, um sorriso que mal disfarçava o deleite perverso que sentia. O olhar que eu lançava para aquele apetitoso poço de energia nos céus era rebatido com uma aura de superioridade desprezível, como se estivesse observando um filhote de antílope brincando com um leão à espreita.
O vazio de minhas manoplas se espalhou, infundindo a inexistência em cada poro deste corpo. Em questão de segundos, as fissuras do meu domínio começaram a se abrir, mostrando lábios torcidos em sorrisos grotescos. Algumas fissuras permaneciam semiabertas, outras revelavam fileiras de dentes ameaçadores e desalinhados. Preciso tomar cuidado com o que mastigo; estou entortando minhas crias coitadas com a voracidade desmedida.
— Se aloquem e consumam o mundo! — Gritei, canalizando toda a prana ao redor.
Ao espalmar minhas mãos num entrelaçar de dedos, uma onda de choque se propagou em todas as direções. Esse foi o início de meu badalar, meu aviso para a extinção do conceito de tudo o que existe.
Primeiramente, o ambiente começou a desmantelar-se. As mãos daquele desgraçado racharam, o intenso fogaréu se fragmentou em segmentos distintos e as nuvens de fumaça se transformaram em partículas esparsas, como se o ar ao redor se tornasse palpável.
Em seguida, nada escapou da trituração. Em um raio de cem metros tudo se esfarelou, e a essência da prana que estava embutida nele apareceu, revelando sua presença pura e crua.
Por fim, tudo estava sendo absorvido por mim. A força de sucção criada pelas fissuras formou um vendaval prânico ao meu redor, uma espiral luminescente de energia concentrada que girava com um brilho hipnótico.
A refeição improvisada havia terminado; lambia meus beiços para saborear o lamento do mundo uma última vez. A visão desvanecida transformava a planície cinzenta em um lugar mórbido, como se nenhum ser vivo jamais tivesse pisado ali. Meu sorriso sádico se ampliou, alimentado pela ambição de consumir o céu, mesmo que esteja acinzentado pela limitação de minha técnica, as estrelas ainda me provocavam com suas oscilações.
— Ah, hahá. Finalmente estou vendo o mundo com meus próprios olhos! — Exacerbei minha euforia.
Essas luzes efêmeras ao alto imploravam para que eu as devorasse. Isso quer dizer que agora era… era o quê mesmo? Aquela palavra com ‘N’. Ah, sim. Noite. Sim, sim, é essa a palavra que eles usam quando a luz é consumida pela escuridão.
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Não se preocupem, eu trarei o fim a esse céu estrelado. Mas antes, farei questão de despachar esse ser que se acha menos ínfimo que os demais.
— Então vamos ver até onde você exerce seu destino, arquiteto. E eu pensando que tinha devorado todos.
— Quase todos — sua ênfase foi sua resposta; parecia que eu havia ferido o ego de um certo prepotente.
— O que foi? Você não se lembra? Ou é tão traumatizante que preferiu esquecer? — Provoquei, enquanto subia as mechas da minha mais nova cabeleira. De fato, o vermelho combinava comigo. — Se bem que, vocês não podem podar uma linha já traçada pelo próprio destino, não é mesmo? Afinal, eu sou imutável.
As estrelas ao alto, pareciam se aglutinar em um único recipiente, formando uma visão magnífica e aterradora. Claro que eu não poderia desdenhar desse presente suculento. No entanto, havia algo peculiar em sua descida. O movimento, embora lento, não parecia direcionado a mim; suas intenções estavam, aparentemente, entrelaçadas ao mundo.
Modificador de probabilidade: 33,3%
— Marco da Iluminação: Initium! — Uma conexão foi dita, e aquele deleite aos céus se modelou a imagem e semelhança de uma mão.
“Uma conexão da Iluminação?”
Ele estendeu aquela mão ao mundo desvanecido, como uma mãe acolhendo as lágrimas de sua cria ferida. No instante em que o dedo divino tocou a barreira mórbida, uma poeira estelar desceu de seu contato, infundindo vida ao que antes não existia.
O cadente tempero da vida aumentava ainda mais meu apetite. Tudo o que havia deixado de existir estava sendo tecido bem diante destes olhos.
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— Eu criei uma expectativa em você, que claramente não foi correspondida. Não me interprete mal, não estou desapontado. Apenas constatei que você ainda não merece o meu esforço — A voz ressoava pelo recinto através da cintilação da cadente sobremesa fragmentada ao vento.
— Seu filho da puta… — resmunguei. Ele estava realmente me deixando puto.
Pequenos ornamentos brancos caíam do céu infundidos com a poeira, como uma chuva lenta e sólida, o contato dos flocos refrescavam esta pele o suficiente para ela se arrepiar.
“Que saco, este corpo está se arrepiando com esses pequenos focos de gelo.” Frustrado com a fragilidade do recipiente, decidi experimentar o tempero que me faria repetir a mesma refeição. Então quando esta língua encostou na pequena esfera luminescente, uma repulsa veio de imediato.
“EXISTE ALGO QUE EU NÃO POSSO CONSUMIR?!” gritei para mim mesmo, arregalando os olhos. A reação deste corpo foi regurgitar o orbe onírico, e, sem pensar duas vezes, agarrei aquela preciosidade pegajosa.
Por acaso, percebi uma poça negra se espalhando silenciosamente pelo chão. O gélido toque da morte agarrou estes calçados de carne, como se sua validade estivesse vencida.
Modificador de probabilidade: 33,3%
— Marco da Entropia: Terminum! — Outra conexão foi dita através do mundo.
“Esse maldito…”, minha curiosidade foi atiçada pelo que poderia emergir dali. A mancha negra se expandiu, dividindo-se em cinco pontas de contornos esbranquiçados e rabiscados, formando uma grotesca mão. Em um piscar de olhos, ela se fechou em um bulbo de alho, esmagando-me como uma massa sendo comprimida pelas paredes de um estômago.
“A centelha não se importaria se eu quebrasse alguns ossos.” Ah, o velho e satisfatório pensamento intrusivo, como eu havia sentido falta dele.
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Sem mais delongas, abocanhei minhas garras e comecei a consumir este receptáculo. Minha boca se transformou em uma voragem insaciável, sugando tudo para um vazio interminável, como se eu tivesse aberto uma fissura de pura escuridão. Cada fragmento do corpo se despedaçava e era engolido pelo abismo que existia dentro de mim. E não era só isso; havia outro receptáculo faminto na mesa.
— É só isso que você tem a me oferecer? — Desdenhei, enquanto forçava a abertura da maldita bolsa que antes me pertencia. Aquele fluído primoroso me fez sentir como se estivesse renascendo… E, a propósito, não é hoje o aniversário da centelha?
Todas as minhas bocas esboçaram o mesmo sorriso sádico, enquanto fixava o olhar naquele insignificante arquiteto.
Neste mundo enraizado pela prana, os infelizes seres bióticos possuem um sistema de escamas que regula a absorção de prana. Anualmente, essas escamas oscilam como as fases caprichosas da Lua, e, assim como a Lua Cheia brilha em toda sua glória prateada, os Marcados enfrentam um transbordamento doloroso de prana em seus aniversários. Nesse dia, seus poderes se expandem de forma grotesca e extraordinária, alcançando um pico que beira o insuportável. Ah, que espetáculo perverso é vê-los lutar contra o colapso de seus próprios corpos enquanto seus dons se intensificam até o limite.
“Então, centelha, quanto vale a sua prana?”
O epicentro do marco em minhas costas ganhou vida, e a espiral girava desenfreada. Senti este estômago sendo retorcido pela inexistência — ou melhor, pela minha marca. Ela buscava saciar-se com o que havia dentro de mim, mas para sua sorte, eu havia esvaziado a maior parte. Assim, não restou outra fonte senão o próprio mundo.
Recolhi minhas crias; se este receptáculo medíocre ainda servisse para algo, elas poderiam ser desnecessárias e até atrapalhar, competindo pelo mesmo alimento.
O processo de absorção de prana naquele corpo era uma verdadeira calamidade. As escamas, antes meros adereços, agora se dilatavam como buracos negros, famintas por cada gota de prana disponível. A pressão fazia com que os poros estourassem, jorrando sangue como rachaduras em um prato de carne assada.
Eu observava com um deleite sombrio enquanto cada poro se expandia e estourava, espalhando sangue como uma iguaria mal temperada. A dor era um tempero exótico, e ver o corpo se contorcendo em uma dança de agonia era como assistir a um banquete macabro. Cada estourar dos poros era acompanhado pelo estalo seco da pele rasgando, e o sangue se espalhava em jatos escarlates, criando um padrão grotesco no chão.
O conflito era um espetáculo saboroso. Eu não sentia a dor — apenas via o sofrimento do corpo, um festim cujo o gosto eu não podia experimentar, mas cuja cena era irresistível. As convulsões do corpo eram uma sinfonia de sofrimento, o som de carne sendo rasgada e o brilho úmido do sangue criando uma imagem inesquecível de desolação.
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Eu poderia me sentir vivo com tamanha sensação, mas essas mesmas sensações não eram minhas, elas ainda pertenciam a este esmero corpo.
“Então dois é o seu máximo centelha? Surpreendente”. Dois vazios detiveram suas negritudes preenchidas instantaneamente pela oscilação da prana de suas escamas.
— Para você, isso deve ser o suficiente… — suspendi minha fala, após raciocinar o que falei, eu gargalhei.
Como pude amolecer tanto? Será que esses sentimentos estavam corrigindo as falhas nessa casca? Não, não, não! Eu não vou me restringir a esse pau mandado. Preparem os talheres! Eu vou devorar este prato que vocês chamam de mundo!
FIO DEVORADO
A data? Aniversário da centelha.
Local? Meu prato.
O mundo sempre fora apetitoso demais? Ou minha fome secular estava se manifestando com toda sua intensidade?
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De qualquer forma, era um desperdício pensar que esses seres luminescentes utilizavam esse vasto prato como refúgio. Por isso, eu não poderia me limitar apenas a um aperitivo.
Se ele queria brincar de conjurar suas conexões, eu poderia fazer melhor.
Ah, conexões. O conflito entre dois tipos de técnicas inatas. Eu queria que fosse simples como parecia ser, mas na realidade tudo que envolvia as malditas marcas dos arquitetos acabava se tornando tão confuso quanto um emaranhado de macarrão num garfo. Não seria mais simples sugar tudo de uma vez?
Se você atingisse uma técnica inata com uma técnica mais forte, uma conexão era realizada. Onde uma se sobrepunha à outra, consumindo a mais fraca e executando sua função. Isso era uma conexão desejada.
Por outro lado, se você atingisse uma técnica inata com uma técnica de mesma proporção, uma conexão também era realizada. Entretanto, isso resultava em um cenário imprevisível onde nenhum dos dois cabaços sabia o que poderia ocorrer. E isso era uma conexão indesejada.
Então, como um ótimo Devorador que eu era, peguei todas essas regras e enfiei goela abaixo. Afinal, eu tinha encontrado uma solução que me apetecia muito mais do que brincar de xadrez.
Eu neutralizava as conexões.
Modificador de Probabilidade: ERRO%
O ar ao redor começou a vibrar e distorcer, como se talheres estivessem batendo na mesa. Uma fissura começou a rasgar a realidade a partir da espiral nas minhas costas. O som era como um grito silencioso, uma implosão de energia que sugava a própria luz ao seu redor.
A fissura se expandiu rapidamente, formando uma boca colossal, negra e voraz, como um predador faminto. A boca se abriu, conectando o mundo ao meu quintal. Um vórtice surgiu, puxando tudo em sua direção. Novamente, as estruturas já desmoronadas foram arrastadas, plantas foram arrancadas do solo, e até mesmo a luz pareceu se curvar e desaparecer na escuridão. O som de sucção era ensurdecedor, um prelúdio da minha insaciável fome.
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Tudo que entrava na área de influência da boca era instantaneamente consumido. Matéria e prana eram arrancadas de sua forma, sugadas para o vazio absoluto onde deixavam de existir. A destruição era completa, sem deixar rastros ou vestígios.
— Marco da Inexistência: Vazio Imensurável!
Vamos ver quem aguenta mais. Meu vazio, ou o seu criacionismo.
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