Em pé diante de uma lágrima cósmica, linhas banhadas por um vermelho pulsante se entrelaçavam entre seus dedos esguios. Sua voz, grave e compassada, ecoou no vazio etéreo.

    — Nós somos Tecelões, sombras silenciosas à margem do existir. Preservar. Proteger. Podar. Costurar. Essas palavras não são meros comandos; são o sangue que pulsa em nossa essência, as vigas que sustentam o grande tecido da realidade. O Destino… Ah, o Destino, a linha carmesim que permeia tudo o que foi e será. Cada fio entrelaçado traz a inspiração de um propósito, o murmúrio de um futuro inovador.

    Ele pausou, observando o brilho da linha à sua frente, que pareceu tremer como se carregasse uma história prestes a desabar.

    — Porém, nosso papel não é escolher. Escolha? Não há espaço para ela no tear do mundo. Nós seguimos o Roteiro, aquele livro sagrado escrito em fios de ouro, onde cada ato, cada ponto de nossa existência está registrado. Não há desvios. Não há improvisos. Pois cada desvio seria uma mancha, cada improviso um rasgo irreparável no tecido do Destino.

    Ele segurou uma linha frágil, uma ramificação que se desfazia com seu toque como uma flor putrificada após ser retirada de seu caule.

    — Mas e quando o Destino se corrompe? Quando forças externas, inconcebíveis, ousam tocar naquilo que não lhe pertence? Ah… então, meus irmãos e irmãs, conhecemos o verdadeiro peso de nossas existências. Não nos cabe agir diretamente. Não podemos. Nossa interferência seria uma contaminação, um veneno no próprio coração da criação.

    Seus olhos, profundos e vazios, se voltaram para a esmera linha desfiada, onde pequenos fios rompidos se emaranhavam um sobre o outro em desespero, como se o universo chorasse.

    — Quando as linhas se maculam, tudo o que podemos fazer é costurar com as mãos dos mortais. Aqueles fadados a trilhar as trilhas do Destino agora distorcidas… eles, e apenas eles, podem reconduzir o fluxo. Não é fácil. Os mortais são frágeis, seus corações, confusos. Muitos se perdem. Muitos desistem. É uma tarefa cruel, mas o Destino nunca prometeu gentilezas.

    Sua voz carregava um toque de pesar, mas não vacilava.

    — E, mesmo assim, nossa fé está neles. Porque deveria estar. Somos guardiões de um tecido que não nos pertence. O Destino não é nosso para moldar. Somos apenas seus servos, presos ao juramento de observá-lo, mesmo que nossas próprias mãos desejem agir. Pois, no fim, o Destino é mais do que fios e linhas. É o pulsar de todas as histórias, uma sinfonia que exige harmonia, não caos.

    Ele se afastou do rasgo, as linhas pulsando com uma intensidade renovada, como se suas palavras precisassem costurar algo invisível.

    — E assim seguimos, moldando, reparando… e, às vezes, observando enquanto o mundo desaba, sabendo que nosso toque seria a ruína final. Tecemos não para nós, mas para um mundo que jamais nos conhecerá. Um sacrifício silencioso. Um fardo eterno.

    Ele baixa a cabeça, murmurando para si mesmo.

    — Você consegue perceber esse paradoxo, Marcius Crossfield? O Destino não se importa com os Tecelões. Mas nós nos importamos com ele.

    Dentro do Fio!

    XX, X de XXX.

    Fluxo Entre-Fios.

    Marcius estava de pé no vazio entrelaçado pelas linhas carmesins do Destino. Mesmo desarmado, sua presença intimidava os fios, que por consequência se afastaram de seu caminho. Atrás dele, Tereza, a imensa cruz dourada que é tanto símbolo quanto arma, permaneceu aberta, erguendo-se como um portão sagrado, irradiando uma luz imaculada que contrasta com a escuridão do rasgo. Ele encara o Tecelão, cuja figura nebulosa parece indistinta, como se ele fosse feito da própria ausência de forma. A voz de Marcius rompe o silêncio, com sua comunhão de fervor e a ira contida após ouvir tudo em silêncio.

    — Então foi você que me trouxe até aqui, Tecelão. 

    O homem carrancudo deu um passo à frente, os fios tremeram sob o peso de sua presença. As linhas maculadas ao redor pareciam querer se afastar dele, mas estavam presas, como fios puxados por lados opostos.

    O Tecelão parou em silêncio por um instante após o chamado, como se ponderasse sobre o peso das palavras que viria a dizer. As linhas carmesins ao redor dançaram em padrões caóticos, refletindo a tensão no ar. Quando ele finalmente falou, sua voz ressoou com uma profundidade cortante, transmitida por uma gravidade que não poderia ser ignorada.

    — Theo, seu aluno… É o elo que conecta este mundo ao vazio. Ele é a passagem para o vazio que aprisiona uma calamidade. Enquanto ele existir, o rasgo feito no tecido do mundo pode acabar se propagando.

    Marcius avançou um passo, os olhos em chamas, mas não de raiva — de fervor. Sua voz cortou o espaço como uma lâmina.

    — Não fale como se isso fosse culpa dele! Theo é apenas uma criança. E você quer que eu veja como um portal para a destruição? Não! Ele é mais que isso. Ele é meu aluno! Ele é minha responsabilidade.

    À medida que sua entonação aumentava, as lembranças de um futuro ainda não vivido se espalharam como quadros animados por toda a extensão dos fios. As tortuosas bocas, e sua fome insaciável, consumindo toda a realidade com sua devastação preenchiam os olhos do homem quem não compreendia a situação.

    O Tecelão parecia imune à emoção, mas sua resposta trouxe uma melancolia inesperada.

    — Você está certo, Marcius Crossfield. Ele é mais. Ele é um reflexo do que você o moldou, uma centelha de esperança em meio à vastidão do caos. Mas foi essa mesma luz que atraiu o vazio. O Vazio encontrou nele um lar… e se você não fizer o que é necessário, ele o consumirá completamente.

    Marcius abriu os punhos, suas mãos tremeram enquanto olhava de canto para a Tereza, que permanece imponente atrás dele, sua luz pulsando como um coração solidário. Ele respirou fundo, forçando as palavras a saírem.

    — Então quer que eu o destrua? Que eu apague aquela centelha porque o Destino decidiu assim? 

    O Tecelão inclinou-se levemente para frente, sua forma oscilando como se tocasse um plano invisível entre eles.

    — Não estou pedindo a destruição, Marcius. Estou pedindo que o salve.

    Essa declaração foi cortada fundo, o homem antes relutante, se conteve com o silêncio, sua mente correndo entre a incredulidade e a compreensão. O Tece-Destinos prosseguiu.

    — Há uma forma. Uma chance de libertar o Vazio e de o impedir. Mas ela exige tempo. E, para isso, você precisará usar todo o potencial de seu estigma nesse exato conflito.

    Os olhos de Marcius brilharam com determinação, mas também com dor.

    — Você fala de Theo como se ele fosse uma arma. Uma ferramenta do vazio. Mas ele é mais do que isso para mim. Ele é um garoto, Tecelão. Um garoto que eu treinei, que eu vi lutar, cair e levantar. Ele não é uma passagem, nem uma ameaça… ele é humano.

    Marcius fechou os punhos, sua voz elevou-se com a força de sua indignação.

    — E agora você me pede para tratá-lo como se fosse nada mais que um erro? Como se fosse minha responsabilidade consertar algo que vocês, os Tecelões, permitiram que acontecesse? Não. Eu não sou o carrasco de Theo. Eu sou seu mestre. Meu dever é guiá-lo, não destruí-lo.

    O Tecelão permaneceu imóvel, sua figura nebulosa envolta em uma quietude quase indiferente. No entanto, quando falou, sua voz surgiu fria e precisa, como um sopro implacável contra a chama solitária de uma vela resistindo à escuridão.

    — E se guiá-lo for exatamente o que o vazio quer, Marcius? Você acredita que sua bondade pode salvá-lo, mas não percebe que, a cada momento que ele permanece neste mundo, a fissura cresce. Seu destino não foi tecido porque ele não tem destino. Ele é a ausência, e a ausência nunca pode ser preenchida.

    Marcius respirou fundo, sua mão involuntariamente estendeu-se para o vazio, como se pudesse tocar as linhas carmesins e provar que o Tecelão está errado. Mas ele sabia que não podia. Sua voz sai mais baixa, quase um murmúrio.

    — Ele não pediu por isso. Ele não pediu para ser usado, nem por vocês, nem pelo Vazio.

    O Tecelão deu um passo à frente, a figura indistinta ganhando um tom quase humano em sua postura. Sua voz torna-se grave, mas não sem uma ponta de algo que poderia ser compaixão.

    — Você acha que isso importa? O Destino não pede. Ele exige. E, quando ele falha, o custo é inimaginável. Marcius, você é um homem de convicções, mas até mesmo convicções precisam dobrar-se diante da realidade. O garoto não é só sua responsabilidade. Ele é a ruína de tudo o que você jurou proteger.

    As palavras atingiram Marcius como um golpe, e ele cambaleou levemente, a luz de Tereza vacilando atrás dele. Ele baixou sua cabeça, respirando pesadamente. Quando ergue os olhos novamente, há uma mistura de fúria e resignação em seu olhar.

    — Você me colocou em uma posição covarde. Quer que eu escolha entre meu aluno e o mundo — sua voz tremeu levemente, mas ele a controla, erguendo-se com a dignidade de um homem que carrega um fardo que ninguém mais pode suportar. — Não concordo com você, Tecelão. Não aceito sua lógica fria e sem alma. Mas… não posso negar o que vi. Não posso negar o que ele pode se tornar.

    O Tecelão permanece em silêncio, permitindo que Marcius luta-se com suas próprias palavras. Após um longo momento, ele respirou fundo, olhando diretamente para o Tecelão.

    — Se eu fizer isso… se eu enfrentar Theo… não será pelas suas linhas ou pelo seu Destino. Será pela única coisa que me resta: a promessa de que ninguém mais carregará esse fardo. Mas saiba disto, Tecelão: se houver outra saída, mesmo que seja contra tudo o que você acredita, eu a encontrarei.

    A luz de Tereza brilhou mais intensamente, como se respondesse à determinação de Marcius. O Tecelão inclinou a cabeça levemente, sua figura começou a se dissipar no vazio, enquanto sua voz final ressoa como um eco distante.

    — Então, que sua determinação não vacile, Marcius. Porque a escolha que você fez é tanto um caminho quanto uma cruz que terá de carregar até o fim.

    O Tecelão atraiu uma de suas mãos intangíveis, e as linhas carmesins ao redor se entrelaçaram em um padrão momentâneo. Então, com um gesto quase solene, elas moldaram novamente o Marco roubado de suas costas.

    — Seu Marco está se desfazendo, filho do Égide. Eu posso estendê-lo, mas o preço será alto. Você carregará essa carga até que tudo se resolva. E se falhar… Theo será apenas o começo.

    Seus pulmões se encheram com um ar aliviado, liberando toda sua tensão através de sua respiração. Ele sentia em suas costas a pulsação de seu Marco, que brilhava à medida que as linhas carmins regravaram em sua pele o símbolo sagrado. Ele sabia o que deveria continuar carregando aquilo — dor, sacrifício e o peso de estar à beira do colapso. Mas ele não hesitou.

    — Se é isso é necessário, então farei. Não porque aceito o Destino que você prega, mas porque sei que ele precisa de mim agora. Não como um carrasco, mas como o mentor e protetor que jurei ser.

    A Tereza, atrás dele, brilhou com mais intensidade, como se respondesse à determinação no coração de Marcius. O Tecelão assentiu — um gesto sutil, mas insondável em sua aparente imparcialidade.

    — Muito bem, Marcius. Que assim seja.

    O Tecelão estendeu sua mão vaporosa, tocando levemente o peito de Marcius. O Marco brilhou, expandindo-se com uma intensidade quase insuportável, mas Marcius não descobriu. A luz da cruz dourada o envolveu, como se reafirmasse que ele não estava sozinho.

    Quando o processo terminou, Marcius sentiu o peso em seu corpo, mas também uma nova força em seu espírito. 

    — Eu vou salvá-lo. Não importa o custo.

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