“Conseguiram sacar a Espada do Imperador”

    Essa ideia, que a tanto tempo alimentou a curiosidade e a esperança das pessoas, teria finalmente se concretizado?

    A maldita coincidência do meu sonho me fez desejar nunca mais poder sonhar outra vez. Saio do meu quarto, sendo um dos últimos a descer a escadaria. O barulho rangente das tábuas de madeira sendo pisoteadas por toda aquela gente me fazia querer tapar os ouvidos.

    Ao chegar do lado de fora daquele galpão de madeira; sinto um forte desânimo, que enfraquece as minhas pernas. A curiosidade de saber quem havia retirado a espada, não superou e jamais superaria o meu desejo da noite passada de ser aquele que a conquistaria.

    Por trás de mim, vejo uma figura que estava tão atrasada quanto eu: Regin. Ele ainda estava com suas roupas de dormir, é difícil vê-lo sem sua armadura, a euforia não deve ter permitido continuar em seu sono.

    Ele me pergunta com grandes expectativas no rosto, praticamente pulando
    — Nido! Onde está Randi?

    — Eu não, não sei. — murmurei, mergulhado na angústia. Mas isso não o desmotivou, pelo contrário: Regin me segurou pelos braços, comemorando.

    — Eu não posso acreditar! Foi ele! Meu filho! — Ele agitou-me bastante, segurando pelo braço, me puxou pelas ruas até a praça onde a espada residia.

    Era difícil ver o que estava acontecendo no centro do local, praticamente todos da vila estavam lá criando uma roda massiva de olhares curiosos. Consigo ver alguns Jotuns membros da vila, considero a altura deles novamente uma vantagem: eles não tem problema algum ao ver a multidão dali de cima.

    Regin vê a cabeça de um Jotun próximo, e tem a ideia de perguntar quem era o dono do feitio. Ao passar entre as paredes de armaduras e roupas, nós atravessamos dezenas até chegar ao jotun.

    Ao nos aproximar, senti a mão de Regin soltar a minha; seu corpo imobilizou-se e seus olhos pareciam estar aflitos, prestes ao choro. Não sabia o porquê — dei alguns passos em direção à visão de Regin e encontrei nosso alvo.

    Randi herdou os tons castanhos de seu pai, e seu terrível gosto de bigodes; mas seu corpo esguio era quase uma ofensa à imponência do tamanho de Regin. Possuía também uma armadura leve e escudo, objetos estes característicos dos cavaleiros do castelo.

    Aquele jovem cavaleiro estava ao lado do enorme Jotun, onde pedia a mesma informação que seu pai queria. Isso foi o bastante para que Regin entrasse em uma decepção profunda — compartilhamos da mesma tristeza.

    Com o coração despedaçado, ele o faz uma pergunta, falando com entonação igual à minha: — Randi, quem… quem retirou a espada? Me responda, por favor, meu filho.

    — Foi o seu subordinado. O desgraçado do Den Morke, pai! – cuspindo enfurecido.

    — DEN MORKE!? — gritou Regin, trocando a melancolia pela raiva. Roubaram-lhe a glória que sonhava ser destinada ao seu filho.

    Até que, após bater seus pés contra o chão, Regin adquire uma nova linha de pensamento:
    — Den Morke… meu subordinado! Ora, ora!

    — Creio que, havemos de dar-lhe uma boa lição! Vamos jogá-lo aos porcos! Não é, pai?

    Regin não o escuta:
    — Eu dou teto, dou comida, dou trabalho! Den Morke é quase, não! Ele é meu filho de consideração! — Seu ânimo voltou num piscar de olhos. Percebi que Regin nunca falou algo do tipo para mim, embora eu o considere assim.

    — Tamanha baboseira! Devem ter manipulado a maldição da espada e a sua mente também! Den tem sangue do castelo… — Randi ficou balbuciando tudo o que lhe via a mente, mas não lhe dei ouvidos.

    Escutar que Den havia obtido a espada, foi o golpe final: quanto mais tentava disfarçar, pior era. Recuperei algo esquecido dentro do meu coração: a capacidade de sentir ódio, de alguém além de mim.

    Olho as minhas mãos, estão vazias; era uma tentativa de ver o que eu possuía, enquanto me comparava em todos os aspectos com ele. Não pude suportar o sentimento, tinha que ver a verdade com meus próprios olhos.

    Adentrei entre as brechas formadas por braços e pernas. As vezes olho para cima, para me localizar: utilizando do castelo como uma espécie de bússola. Quanto mais perto chegava, mais difícil era a trajetória — todos estavam se acertando para ver a cena.

    Sinto mãos me puxando para trás e pernas que propositadamente são postas entre as minhas para impedir o avanço. Atravessei as últimas pessoas e, com certa dificuldade, coloco a minha cabeça entre dois quadris.

    Meu crânio está sendo esmagado, enquanto vejo as costas dele. Meus olhos descem com agilidade para as suas mãos, mas sou ligeiramente interrompido. Uma mão pesada me empurrou contra o chão e a minha cabeça acabou presa entre os pés dos admiradores.

    Não consigo me mover, sinto três ou quatro pessoas pisando sobre mim sem se importar. Tento levantar a minha cabeça: mas ela é novamente pressionada contra o chão. Escutei um baixo “foi sem querer” antes da minha mente ficar confusa com a pancada.

    Eu não queria, além desta dor, ter que suportar a ideia de trair o sentimento de ódio que senti. Mas não consegui, a dor foi maior e me forçou a soltar seu nome entre meus lábios — por que eu não aguentei mais um pouco?

    As palavras das mulheres pareciam narrar a minha visão: seus fios negros balançam contra a luz da primeira manhã do outono, e seus olhos claros refletiam todo o ambiente — dentro do cristal verde que é sua íris.

    A verdade se concretizou, não havia mais mistério ou dúvida: ela estava em suas mãos. Sua linda lâmina, agora revelada da ferrugem e da sujeira; emanava uma forte energia alaranjada de suas runas dispostas em linha.

    A cor é prateada, com algumas linhas triangulares amarelas — de metal rúnico jamais havia sido visto igual. Era o contraste perfeito com o cabo de couro, que perdeu as manchas e se tornou dourado: intercalado com diferentes padrões geométricos.

    Quando ele me encontra naquele estado horrendo, após escutar meu nome: nasce em seu rosto orgulhoso uma expressão de espanto. Ele demorou mesmo, todo esse tempo para me achar? Ora, eu estava na frente dele, sua ação não teve sentido algum!

    Em resposta, curvando-se com o braço erguido, ele me ofereceu a sua mão. As pessoas ao redor pouco se importavam, a maioria nem entendeu o que estava acontecendo. Estendo minha mão para receber a ajuda, mas a sombra de Den me cobre por inteiro. Foi uma árdua atividade, pois comecei a ser engolido pela multidão.

    Finalmente o toco, sinto sua pele quente e macia agarrando com força a minha mão suja e ferida. Vê-lo daquele jeito, tão reluzente e importante, e ainda oferecendo o braço para me tirar da lama — me corroeu por dentro.

    O que o fez se preocupar comigo — até onde vai o fingimento dele? Não posso aceitar passar por mais uma humilhação, é o fim, foi o cúmulo. Quero manter o resto do orgulho, cujo questiono se ainda existe: solto a mão dele como minha última decisão.
    Sou engolido em totalidade pela multidão. Que pede e clama por uma resposta de Den:

    — Diga algo! Portador da espada!

    Den inicialmente não lhes dá ouvidos, parecia até estar sobrecarregado, uma face que jamais vi dele. De repente ele para de se mover, lembrando até o Regin, e se dirige à mim numa língua desconhecida, que se destaca em meio às outras.

    — Mata ne, dowāfu — disse como despedida, se virando ao povo que exigia uma resposta.

    Que língua é língua? O que ele falou de mim? Será que Den… realmente…

    Não importa, como também não sou importante aos outros — continuei sendo pisoteado sem descanso. Den chamou-lhes a atenção ao balançar a espada e conquistar um pequeno espaço. Por fim ergueu a espada ao céu, gritando seu nome como ninguém jamais havia visto:

    — Eu sou o novo portador da Espada do Imperador! DEN MORKE!

    O povo caiu e o céu lhe ouviu, fazendo descer uma fumaça branca das nuvens.

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