Capítulo 08 - Steen
Roskilde, Dinamarca. Abril de 2004.
— Caramba, aonde raios aquele pirralho se meteu dessa vez?! — diz uma moça ruiva, de pele clara, caminhando apressadamente pela rua de tijolos. — Juro que vou te esganar quando te encontrar…
De repente ela para, tendo avistado um rosto conhecido. Um senhor, amigo antigo da família.
— Bom dia, Elise — diz o homem de meia idade, com cabelo grisalho e pele levemente bronzeada, sentando sobre um banquinho debaixo de uma árvore na calçada. — Como vai a sua avó?
— Ela está bem, senhor Dan, obrigado pela preocupação — Ela responde rispidamente. — Por acaso não viu meu irmão passando por aqui?
— Oh, Steen? Hm… Deixe-me ver… — fala esfregando o queixo — Não, infelizmente não o vi.
— Certo, certo… — Ela fala antes de seguir caminhando pela rua até sumir de vista.
Alguns instantes se passam antes que o senhor bata três vezes no tronco da árvore. Logo em seguida um menino com as mesmas características de Elise salta para o chão.
— Hehe, valeu, senhor Dan! — fala vendo a moça se afastar.
— Mas que coisa feia, garoto — fala com um sorriso. — Sua irmã está preocupada com você.
— Nah! Ela e a vovó não entendem minha jornada, então eu preciso fugir!
— Hã? Ainda com essa conversa?
— Não é conversa! Eu falo sério! — ele exclama, segurando dois gravetos.
— Hahaha! Deixa disso, você é só um moleque catarrento!
— Não! Não mesmo! Eu sou um Viking!
— Hahahaha! Está mais para um graveto! Como esses nas suas mãos.
— Ei! Não ria! — diz enquanto balança os gravetos como se fossem armas.
— Pois bem, garoto Viking… Vamos, me conta sobre essa sua jornada.
— Ah? Como assim? É igual às histórias que você me contou, oras. — responde, se sentando ao lado do homem.
— Garoto, eu já te disse que essas histórias não passam de… Histórias mesmo.
— Mas elas são reais!
— Bem… Sim, claro. Mas se passam em tempos completamente diferentes, onde as condições forçavam as pessoas a viverem daquele modo. Você não precisa ser um guerreiro bárbaro nos dias de hoje, entende? — Ele tenta explicar de um modo que entre na mente do garoto.
— Eu não ligo, só quero ser um Viking
!“Esse garoto… Realmente não consegue entender? Ou apenas não quer?” Pensa, impressionado com a persistência da criança.
O senhor então se levanta bocejando.
— Ai ai… Bem, só não se meta em mais confusões, está bem? Vamos, eu vou te levar para sua ca-
De repente ele é atingido na cabeça por algo.
— A-AI! O QUE RAIOS… — grita, se virando para então notar que foi atingido por um sapato.
— Seu velho caduco… Fica contando essas histórias para esse moleque… — diz uma senhora se aproximando, com o cabelo ruivo grisalho e pele quase pálida, enrugada.
— O-OH! ANELISE! CO-COMO VOCÊ ESTÁ? — O velho tenta disfarçar, forçando um sorriso enquanto fala.
— AH, DROGA! — O garoto exclama em pânico, prestes a fugir.
— AH, NÃO! EU NÃO VOU LEVAR ESSA SOZINHO! — fala Dan, segurando o menino. — LEVA ELE, MAS ME POUPE!
— Ah?! Ei! Aí está você! — fala Elise, voltando de sua busca alguns minutos depois, vendo o senhor e o garoto sentados na sarjeta enquanto sua avó os repreende. — Você estava encobrindo ele, não é, Dan?!
— Anda logo, seu paspalho! — diz a senhora, puxando Steen pela orelha.
— AI, AI, AI! ESPERA, VOVÓ! DESCULPA!— Pff… Hahahaha! Um Viking chorão — debocha Dan por um instante, antes de também receber um puxão de Elise.
— Isso é por mentir pra mim! — Ela fala irada, torcendo a orelha do senhor.
— AI, AI, AI! DESCULPA!
A senhora vai embora arrastando Steen, seguida de sua neta que deixa o velho para trás com a orelha vermelha.
— Nossa… Que família… — Ele murmura, com um leve sorriso enquanto esfrega sua orelha.Dois dias se passam…
— Meu Deus, garoto! As histórias daquele velho são só histórias, seu maluco! Vê se esquece isso de uma vez! — exclama a moça irritada, enquanto vê seu irmão “lutando” contra uma árvore em seu quintal usando dois pedaços de ferro.
— Eu… Estou praticando… Para enfrentar meus inimigos… — responde ofegante, coberto por suor.
— Poxa vida, que seja! Só não saia de casa! — grita, voltando para dentro.
Algumas horas se passam antes que o céu vagamente nublado se torne uma visão tempestuosa, com vento intenso e chuva forte.
— Caramba, que vendaval… Diz Anelise, ouvindo o som da ventania sentada em sua poltrona. — Ei, Steen! Está tudo bem aí?
Os segundos se passam e ninguém responde.
— Ei, garoto! Está me ouvindo? — pergunta novamente, supondo que o neto está em seu quarto. — Mas que coisa… Será que ele dormiu?
— Ai, droga! — diz Elise, saindo de seu quarto apressada. — Aquele moleque não voltou para dentro?!
— Ah? Como assim? Correndo, a moça vai até a janela. Em meio às espessas gotas de chuva e os detritos que o vento carrega, está Steen, golpeando a árvore freneticamente sem se importar com as condições caóticas ao seu redor.
— AH, NÃO! SEU MOLEQUE IMBECIL, VEM LOGO PRA DENTRO!
Sem ouvir uma palavra sequer, ele continua, sem expressar nada além de um grande sorriso no rosto e uma feição de ferocidade.
— NEM FERRANDO QUE VOCÊ VAI ME FAZER SAIR PRA TE BUSCAR! — grita novamente, enquanto sua avó se aproxima.
— Meu senhor… O que eu faço com esse garoto… — Ela murmura, se assustando com aquilo.
De repente, sem que Steen perceba, a árvore começa a inclinar lentamente por conta do vento.
— Ei… A árvore… Está tombando… — comenta a senhora.
— DROGA, DROGA DE CRIANÇA MALUCA! — troveja Elise, correndo para a porta.
Assim que ela a abre, uma rajada intensa de vento a empurra para dentro, movendo até mesmo parte da mobília.
— DRO-DROGA! STEEN, ANDA LOGO!
Finalmente sendo capaz de ouvir a voz da irmã, Steen cessa sua sequência de golpes e volta seu olhar para a moça, que se segura na porta para não ser empurrada.
“Ah?! O que ela tá falando?”
De repente, a árvore que estava lentamente se inclinando tem sua base partida. A parte superior se desprende e é lançada em cheio contra o garoto.
— STEEN! — grita a senhora, em pânico.
— AI, NÃO! STEEN!
Porém, para o choque de ambas, uma cena inacreditável começa.
— GRRR… AAAAAAA!!! — A criança grita a todos pulmões, enquanto literalmente segura a árvore que segue sendo empurrada contra ele.
— Mas… O que… É isso… — indaga a moça de olhos arregalados, incrédula.
Lentamente ele vira seu corpo para jogar a árvore de lado, se safando de um acidente que deveria ser fatal. Estando livre, porém cansado, ele cede ao vento e acaba rolando até acertar a cerca no fim do quintal.
— EU… SOU… UM VIKING! — grita, apoiado na cerca enquanto o vento segue disparando detritos e gotas d’água contra seu corpo esguio.
— Esse moleque… Esse… Moleque… — sussurra a avó, sentindo um mal estar que quase a leva só chão.Depois de rir por algum tempo, ele finalmente reúne forças para se levantar e ir contra a ventania até chegar à porta, finalmente adentrando a casa.
— Seu… Seu… SEU MOLEQUE ESTÚPIDO! — esbraveja Elise, socando o rosto de Steen, que praticamente não reage.
Em seguida ela avança contra ele, o envolvendo em um abraço.
— Por favor… Para com isso… — Ela diz, enquanto lágrimas escorrem por seu rosto.
— Desculpa… Por chatear vocês… — Ele responde em um tom meigo.
“Mas não posso…” Pensa, apesar de tudo.
Churchill, Canadá. Outubro de 2014.
— Bem… Aqui a chave do seu quarto, senhor. Espero que tenha uma ótima estadia! — diz um homem atrás de um balcão, na recepção de uma hospedaria.
— Obrigado — Responde Steen, com sua barba ganhando forma e cabelo ajeitado em um coque.
Ele pega a chave e se vira para seguir na direção do elevador.
— Ah… Se-senhor… Se me permite perguntar… Não está sentindo frio? — O homem pergunta hesitante, olhando a regata fina e o bermudão que Steen veste.
— Estou bem — Ele responde rispidamente, adentrando o elevador.
Já no seu quarto, o homem joga sua mala sobre a cama, a abrindo em seguida.
— Pois bem, aqui estamos… — fala olhando para uma foto, aonde Dan, sua avó Anelise e sua irmã Elise aparecem, junto de Steen ainda bebê no colo do senhor.
Ele deixa a imagem de lado e puxa um par de luvas do fundo da mala. Após as vestir, ele sai do quarto e segue para fora do hotel, se deparando com a luz fraca do fim de tarde.
“Já está ficando tarde… Talvez eu deva deixar para amanhã…” Pensa enquanto caminha sobre a neve acumulada, admirando as casas e estabelecimentos por onde passa.
Alguns minutos se passam, antes que ele perceba que andou demais e que agora está nos limites da cidade.
— Eita… Eu me distrai pra valer… — murmura, dando meia volta.
De repente, um som de tiro ecoa de uma casa próxima, seguido de vozes discutindo.
— Vai! Atira de novo! Eles não estão saindo! — fala uma mulher, dentro da casa.
— Não tem mais balas, mulher! Volta pra dentro! — responde um homem, na varanda da casa, tentando espantar uma dupla de ursos polares que se aproximou demais da residência.
Logo em seguida um cachorro salta por uma das janelas e avança ferozmente na direção dos animais, latindo sem parar.
— Não! Eles vão matar meu Tobey! — grita a mulher, em desespero.
— Cacete! Eu não mandei ele sair! — responde o homem, furioso, porém preocupado com seu animal. — Tobey, volta! Seu paspalho!
Enquanto grita, ele nota a aproximação de um homem estranho.
— O senhor teria… Um machado… Ou dois? — questiona Andersen, com um semblante estranho.
— Hã?! Quem raios é você?! Que papo é esse, maluco! Sai daqui, não tá vendo isso tudo?! — fala apontando para os animais. — Droga! Tobey! Vem cá garoto!
— Por favor, um machado.
— Meu Deus! Sai logo daqui! Mulher, liga para a polícia!
Steen então entra na varanda e olha para a mulher que está parada na porta.
— A senhorita pode me arranjar um machado, ou algo parecido? — Ele torna a perguntar.
— Ei! Seu maluco! — grita o homem, já furioso, apontando sua arma mesmo que descarregada.
— Ah, toma isso logo e nos deixe em paz! — A mulher responde sem pensar muito bem, jogando uma machadinha velha aos pés do homem.
— Obrigado — Ele agradece, apanhando o item.
— Mulher! Você deu isso pra esse maluco?! Você ficou louca?! — fala se afastando, alternando sua atenção entre o homem e os animais.
— Fique calmo… — diz Steen, passando calmamente pelo homem.
Ele prende a arma em sua bermuda e retira sua regata.
— Eu esperei muito por isso… — sussurra enquanto empunha a arma novamente, assumindo sua expressão de ferocidade.
O casal assiste a cena, espantados e horrorizados, incapazes de mover um músculo ou emitir qualquer som. Isso dura por quase dez minutos, antes que o cachorro retorne e salte em seu dono, o retirando do transe.
— Ma-ma-ma-mas… — gagueja incrédulo com o que vê.
Steen, parado de costas para a casa, coberto de sangue e os dois animais caídos um ao lado do outro, tingidos de vermelho.
— GRRRR… AAAAAAHHHHHH!!! — Ele solta um grito de fúria, erguendo os braços para cima freneticamente.
— Quem… Quem… Quem é… Você… — O homem pergunta em choque, enquanto uma tremedeira toma seu corpo.
Andersen se vira lentamente, agora com uma expressão confiante.
— Um Viking.
Pesquisa recomendada: Cidade de Churchill, Canadá.
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