Roskilde, Dinamarca. Abril de 2004.

    — Caramba, aonde raios aquele pirralho se meteu dessa vez?! — diz uma moça ruiva, de pele clara, caminhando apressadamente pela rua de tijolos. — Juro que vou te esganar quando te encontrar…

    De repente ela para, tendo avistado um rosto conhecido. Um senhor, amigo antigo da família.

    — Bom dia, Elise — diz o homem de meia idade, com cabelo grisalho e pele levemente bronzeada, sentando sobre um banquinho debaixo de uma árvore na calçada. — Como vai a sua avó?

    — Ela está bem, senhor Dan, obrigado pela preocupação — Ela responde rispidamente. — Por acaso não viu meu irmão passando por aqui?

    — Oh, Steen? Hm… Deixe-me ver… — fala esfregando o queixo — Não, infelizmente não o vi.

    — Certo, certo… — Ela fala antes de seguir caminhando pela rua até sumir de vista.

    Alguns instantes se passam antes que o senhor bata três vezes no tronco da árvore. Logo em seguida um menino com as mesmas características de Elise salta para o chão.

    — Hehe, valeu, senhor Dan! — fala vendo a moça se afastar.

    — Mas que coisa feia, garoto — fala com um sorriso. — Sua irmã está preocupada com você.

    — Nah! Ela e a vovó não entendem minha jornada, então eu preciso fugir!

    — Hã? Ainda com essa conversa?

    — Não é conversa! Eu falo sério! — ele exclama, segurando dois gravetos.

    — Hahaha! Deixa disso, você é só um moleque catarrento!

    — Não! Não mesmo! Eu sou um Viking!

    — Hahahaha! Está mais para um graveto! Como esses nas suas mãos.

    — Ei! Não ria! — diz enquanto balança os gravetos como se fossem armas.

    — Pois bem, garoto Viking… Vamos, me conta sobre essa sua jornada.

    — Ah? Como assim? É igual às histórias que você me contou, oras. — responde, se sentando ao lado do homem.

    — Garoto, eu já te disse que essas histórias não passam de… Histórias mesmo.

    — Mas elas são reais!

    — Bem… Sim, claro. Mas se passam em tempos completamente diferentes, onde as condições forçavam as pessoas a viverem daquele modo. Você não precisa ser um guerreiro bárbaro nos dias de hoje, entende? — Ele tenta explicar de um modo que entre na mente do garoto.

    — Eu não ligo, só quero ser um Viking

    !“Esse garoto… Realmente não consegue entender? Ou apenas não quer?” Pensa, impressionado com a persistência da criança.

    O senhor então se levanta bocejando.

    — Ai ai… Bem, só não se meta em mais confusões, está bem? Vamos, eu vou te levar para sua ca-

    De repente ele é atingido na cabeça por algo.

    — A-AI! O QUE RAIOS… — grita, se virando para então notar que foi atingido por um sapato.

    — Seu velho caduco… Fica contando essas histórias para esse moleque… — diz uma senhora se aproximando, com o cabelo ruivo grisalho e pele quase pálida, enrugada.

    — O-OH! ANELISE! CO-COMO VOCÊ ESTÁ? — O velho tenta disfarçar, forçando um sorriso enquanto fala.

    — AH, DROGA! — O garoto exclama em pânico, prestes a fugir.

    — AH, NÃO! EU NÃO VOU LEVAR ESSA SOZINHO! — fala Dan, segurando o menino. — LEVA ELE, MAS ME POUPE!

    — Ah?! Ei! Aí está você! — fala Elise, voltando de sua busca alguns minutos depois, vendo o senhor e o garoto sentados na sarjeta enquanto sua avó os repreende. — Você estava encobrindo ele, não é, Dan?!

    — Anda logo, seu paspalho! — diz a senhora, puxando Steen pela orelha.

    — AI, AI, AI! ESPERA, VOVÓ! DESCULPA!— Pff… Hahahaha! Um Viking chorão — debocha Dan por um instante, antes de também receber um puxão de Elise.

    — Isso é por mentir pra mim! — Ela fala irada, torcendo a orelha do senhor.

    — AI, AI, AI! DESCULPA!

    A senhora vai embora arrastando Steen, seguida de sua neta que deixa o velho para trás com a orelha vermelha.

    — Nossa… Que família… — Ele murmura, com um leve sorriso enquanto esfrega sua orelha.Dois dias se passam…

    — Meu Deus, garoto! As histórias daquele velho são só histórias, seu maluco! Vê se esquece isso de uma vez! — exclama a moça irritada, enquanto vê seu irmão “lutando” contra uma árvore em seu quintal usando dois pedaços de ferro.

    — Eu… Estou praticando… Para enfrentar meus inimigos… — responde ofegante, coberto por suor.

    — Poxa vida, que seja! Só não saia de casa! — grita, voltando para dentro.

    Algumas horas se passam antes que o céu vagamente nublado se torne uma visão tempestuosa, com vento intenso e chuva forte.

    — Caramba, que vendaval… Diz Anelise, ouvindo o som da ventania sentada em sua poltrona. — Ei, Steen! Está tudo bem aí?

    Os segundos se passam e ninguém responde.

    — Ei, garoto! Está me ouvindo? — pergunta novamente, supondo que o neto está em seu quarto. — Mas que coisa… Será que ele dormiu?

    — Ai, droga! — diz Elise, saindo de seu quarto apressada. — Aquele moleque não voltou para dentro?!

    — Ah? Como assim? Correndo, a moça vai até a janela. Em meio às espessas gotas de chuva e os detritos que o vento carrega, está Steen, golpeando a árvore freneticamente sem se importar com as condições caóticas ao seu redor.

    — AH, NÃO! SEU MOLEQUE IMBECIL, VEM LOGO PRA DENTRO!

    Sem ouvir uma palavra sequer, ele continua, sem expressar nada além de um grande sorriso no rosto e uma feição de ferocidade.

    — NEM FERRANDO QUE VOCÊ VAI ME FAZER SAIR PRA TE BUSCAR! — grita novamente, enquanto sua avó se aproxima.

    — Meu senhor… O que eu faço com esse garoto… — Ela murmura, se assustando com aquilo.

    De repente, sem que Steen perceba, a árvore começa a inclinar lentamente por conta do vento.

    — Ei… A árvore… Está tombando… — comenta a senhora.

    — DROGA, DROGA DE CRIANÇA MALUCA! — troveja Elise, correndo para a porta.

    Assim que ela a abre, uma rajada intensa de vento a empurra para dentro, movendo até mesmo parte da mobília.

    — DRO-DROGA! STEEN, ANDA LOGO!

    Finalmente sendo capaz de ouvir a voz da irmã, Steen cessa sua sequência de golpes e volta seu olhar para a moça, que se segura na porta para não ser empurrada.

    “Ah?! O que ela tá falando?”

    De repente, a árvore que estava lentamente se inclinando tem sua base partida. A parte superior se desprende e é lançada em cheio contra o garoto.

    — STEEN! — grita a senhora, em pânico.

    — AI, NÃO! STEEN!

    Porém, para o choque de ambas, uma cena inacreditável começa.

    — GRRR… AAAAAAA!!! — A criança grita a todos pulmões, enquanto literalmente segura a árvore que segue sendo empurrada contra ele.

    — Mas… O que… É isso… — indaga a moça de olhos arregalados, incrédula.

    Lentamente ele vira seu corpo para jogar a árvore de lado, se safando de um acidente que deveria ser fatal. Estando livre, porém cansado, ele cede ao vento e acaba rolando até acertar a cerca no fim do quintal.

    — EU… SOU… UM VIKING! — grita, apoiado na cerca enquanto o vento segue disparando detritos e gotas d’água contra seu corpo esguio.

    — Esse moleque… Esse… Moleque… — sussurra a avó, sentindo um mal estar que quase a leva só chão.Depois de rir por algum tempo, ele finalmente reúne forças para se levantar e ir contra a ventania até chegar à porta, finalmente adentrando a casa.

    — Seu… Seu… SEU MOLEQUE ESTÚPIDO! — esbraveja Elise, socando o rosto de Steen, que praticamente não reage.

    Em seguida ela avança contra ele, o envolvendo em um abraço.

    — Por favor… Para com isso… — Ela diz, enquanto lágrimas escorrem por seu rosto.

    — Desculpa… Por chatear vocês… — Ele responde em um tom meigo.

    “Mas não posso…” Pensa, apesar de tudo.

    Churchill, Canadá. Outubro de 2014.

    — Bem… Aqui a chave do seu quarto, senhor. Espero que tenha uma ótima estadia! — diz um homem atrás de um balcão, na recepção de uma hospedaria.

    — Obrigado — Responde Steen, com sua barba ganhando forma e cabelo ajeitado em um coque.

    Ele pega a chave e se vira para seguir na direção do elevador.

    — Ah… Se-senhor… Se me permite perguntar… Não está sentindo frio? — O homem pergunta hesitante, olhando a regata fina e o bermudão que Steen veste.

    — Estou bem — Ele responde rispidamente, adentrando o elevador.

    Já no seu quarto, o homem joga sua mala sobre a cama, a abrindo em seguida.

    — Pois bem, aqui estamos… — fala olhando para uma foto, aonde Dan, sua avó Anelise e sua irmã Elise aparecem, junto de Steen ainda bebê no colo do senhor.

    Ele deixa a imagem de lado e puxa um par de luvas do fundo da mala. Após as vestir, ele sai do quarto e segue para fora do hotel, se deparando com a luz fraca do fim de tarde.

    “Já está ficando tarde… Talvez eu deva deixar para amanhã…” Pensa enquanto caminha sobre a neve acumulada, admirando as casas e estabelecimentos por onde passa.

    Alguns minutos se passam, antes que ele perceba que andou demais e que agora está nos limites da cidade.

    — Eita… Eu me distrai pra valer… — murmura, dando meia volta.

    De repente, um som de tiro ecoa de uma casa próxima, seguido de vozes discutindo.

    — Vai! Atira de novo! Eles não estão saindo! — fala uma mulher, dentro da casa.

    — Não tem mais balas, mulher! Volta pra dentro! — responde um homem, na varanda da casa, tentando espantar uma dupla de ursos polares que se aproximou demais da residência.

    Logo em seguida um cachorro salta por uma das janelas e avança ferozmente na direção dos animais, latindo sem parar.

    — Não! Eles vão matar meu Tobey! — grita a mulher, em desespero.

    — Cacete! Eu não mandei ele sair! — responde o homem, furioso, porém preocupado com seu animal. — Tobey, volta! Seu paspalho!

    Enquanto grita, ele nota a aproximação de um homem estranho.

    — O senhor teria… Um machado… Ou dois? — questiona Andersen, com um semblante estranho.

    — Hã?! Quem raios é você?! Que papo é esse, maluco! Sai daqui, não tá vendo isso tudo?! — fala apontando para os animais. — Droga! Tobey! Vem cá garoto!

    — Por favor, um machado.

    — Meu Deus! Sai logo daqui! Mulher, liga para a polícia!

    Steen então entra na varanda e olha para a mulher que está parada na porta.

    — A senhorita pode me arranjar um machado, ou algo parecido? — Ele torna a perguntar.

    — Ei! Seu maluco! — grita o homem, já furioso, apontando sua arma mesmo que descarregada.

    — Ah, toma isso logo e nos deixe em paz! — A mulher responde sem pensar muito bem, jogando uma machadinha velha aos pés do homem.

    — Obrigado — Ele agradece, apanhando o item.

    — Mulher! Você deu isso pra esse maluco?! Você ficou louca?! — fala se afastando, alternando sua atenção entre o homem e os animais.

    — Fique calmo… — diz Steen, passando calmamente pelo homem.

    Ele prende a arma em sua bermuda e retira sua regata.

    — Eu esperei muito por isso… — sussurra enquanto empunha a arma novamente, assumindo sua expressão de ferocidade.

    O casal assiste a cena, espantados e horrorizados, incapazes de mover um músculo ou emitir qualquer som. Isso dura por quase dez minutos, antes que o cachorro retorne e salte em seu dono, o retirando do transe.

    — Ma-ma-ma-mas… — gagueja incrédulo com o que vê.

    Steen, parado de costas para a casa, coberto de sangue e os dois animais caídos um ao lado do outro, tingidos de vermelho.

    — GRRRR… AAAAAAHHHHHH!!! — Ele solta um grito de fúria, erguendo os braços para cima freneticamente.

    — Quem… Quem… Quem é… Você… — O homem pergunta em choque, enquanto uma tremedeira toma seu corpo.

    Andersen se vira lentamente, agora com uma expressão confiante.

    — Um Viking.

    Pesquisa recomendada: Cidade de Churchill, Canadá.

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