Quando enfim foi liberto, John olhou para o líder do clã, furioso. A forma como ignorava-o só o irritava e estava pronto para entrar numa luta.
    Forçou a raiva fora do peito, tentando ser racional. Mesmo que ambos se odiassem, sabia que não usaria de sua autoridade dessa forma. Importava-se demais com a imagem dos Hollick para fazê-lo.
    Invés disso, acreditava ser trabalho dos outros anciãos.
    — Então, o que acontece agora? — falou, tentando manter a raiva fora da voz. De pé, passou o olho pelo resto da sala, seus olhos ainda não haviam se acostumado com a iluminação do lado de fora.
    — Tens uma missão — disse, começando a caminhar, forçando o jovem a segui-lo. — Você e Fausto devem viajar para Migrand e recuperar uma certa pessoa.
    — Pessoa?
    — O Cristal do Universo. — Parou e olhou fundo nos olhos de John, a seriedade presente ali fez com que o jovem desse um passo para trás. — Além dessa pessoa ser extremamente importante, peço que não irrite os locais. As tensões entre Migrand e Anjus estão escalando já tem alguns anos. Nossa família não precisa de uma guerra na nossa porta.
    — Desde que não me incomodem. — O velho suspirou e seguiu caminho, sabendo que essa era a melhor promessa que conseguiria. — Mas me diz aí, que tipo de pessoa é esse tal de Cristal do Universo? E por que esse nome?
    Com um suspiro, o velho parou na frente da biblioteca, indo até um pequeno pergaminho e se sentando. Sem nada para fazer, decidiu acompanhá-lo e ver aonde isso ia dar.
    — É uma existência privilegiada. — Abriu o pergaminho, mostrando um desenho de uma cidade antiga, junto de diversas runas em Astraius. — Está familiarizado com a história dos quatro portadores originais?
    O rapaz assentiu. Já ouvira esse conto várias vezes. Sobre como os diários surgiram, junto do primeiro Nor. No princípio, haviam quatro diários: Adão, do conhecimento e leis; Sete, da vida e geração espontânea; Enos, da adoração e fé; e, por fim, Lucas, da morte e final de todas as coisas.
    Eles lutaram juntos contra o Drácula e o baniram para fora do reino de Leitzac. Quando acharam que a paz reinaria, o portador de Lucas os traiu e lutou até a morte com o portador de Seth. Até onde se sabe, houve um empate.
    Ambos eram os mais poderosos daquele tempo. A força de ambos era igual, por isso, era natural que ambos morressem. Era a conclusão mais óbvia, mas muitos historiadores nunca deixaram de apontar que o corpo do portador de Lucas jamais fora achado.
    Era uma história de mil anos atrás, de antes da guerra, mas que, sem dúvidas, tinha consequências mesmo hoje. Dá para se dizer que a guerra só começou devido a ausência daqueles dois.
    — Ótimo. Deixe-me falar então o que aconteceu alguns anos depois da guerra começar. Os Nors daquela geração eram poderosos e Drácula e seus quatro Lordes Cardeais estavam no auge de seu poder. Naquele momento, era necessário alguma coisa que nos desse uma vantagem que seja. Nisso, surgiu o bruxo das estrelas, Hildegar.
    Nisso, deu uma pausa e aponto para uma linha em específico.
    — Esta é a runa do plano Astral. Ninguém sabe como ele fez aquilo, apenas que Hildegar transcreveu essa runa no próprio corpo, mente e alma, tornando-se o primeiro ser tridimensional da nossa história.
    — Tridimensional?
    — Sim. Corpo, mente e alma estão em planos distintos, mas perfeitamente conectados. Aquele homem amaldiçoou o próprio sangue para conseguir selar mil Nors poderosíssimos no plano Astral, nos dando uma chance de vitória.
    John suspirou, tentando entender o que acabara de lhe ser dito. Se fosse sincero, mesmo ele tinha problemas em entender a relação de conexão dimensional. Apenas sabia que seres monodimensionais e bidimensionais não conseguem interagir com aqueles da dimensão zero.
    Pensou brevemente se esse era o caso do Cristal mas decidiu ignorar aquilo, por hora.
    — Seu trabalho é recuperá-la e descobrir como eles a raptaram… e qual método usariam para libertar os Nors do plano Astral. Fausto estará te esperando no portão, ao raiar do dia.
    Nisso, ambos se separaram e John foi direto para a cama, com o corpo todo dormente. Após dormir numa cela por três dias, estava mais que pronto para voltar a maciez do colchão.
    Alongando o lado esquerdo, andou pela propriedade da casa principal enquanto sentia os músculos arderem. Ainda que a jura tenha passado, ainda era estranho ter metade do corpo atrofiada.
    Parou em frente ao quarto e, sem mais delongas, entrou, pronto para esfriar a cabeça.
    Ainda estava irritado com a punição injusta que lhe foi dada e queria muito se soltar, mas sabia que os anciões estavam apenas esperando que fizesse mais uma besteira.
    “A destruição daquela clareira nem foi tão grande assim. E nem foi minha culpa!” Parou um pouco enquanto lembrava da luta e suspirou. Passou os últimos três dias analisando-a mentalmente, tentando identificar algo que pudesse ter feito para vencer, mas não conseguia ver forma alguma de ganhar.
    O adversário era forte demais para conseguir sequer visualizar uma forma de derrotá-lo.
    Soltou um suspiro pesaroso e parou, olhando para o céu. Ainda que não fosse muito tarde, não tinha a menor vontade de treinar. A memória da derrota era um forte motivador, claro, mas também se sentia inseguro.
    E se fosse atacado de novo? E se não tivesse a sorte que teve antes?
    Sabia bem que só escapou da morte naquela ocasião por detalhe… Era muito fraco para enfrentar aquelas correntes de vento e sabia o caminho para ficar mais forte, mas não queria ter de fazer isso na frente da família principal.
    Um dos motivos que não conseguiu controlar as correntes de ar do oponente era, claro, a forma como a energia se espalhava ao redor do ar. Devido ao estado gasoso ser mais instável, o controle exercido era maior do que tinha no momento.
    Isso levava ao segundo problema. Havia lido o tratado de um dos bruxos da Arca sobre o controle de Energia Astral, que fora publicado nos primórdios da bruxaria.
    Tratava-se de uma teoria simples, sobre como conseguimos controlar mais energia através da intensidade da conexão. Os Hollick exerciam um controle absurdo sobre a própria conexão, ao ponto que focavam em aumentar a densidade da conexão invés da intensidade.
    O problema era que isso levava tempo. Tempo este que John não tinha. Por isso que decidiu focar num método alternativo, que prometia resultados bem mais rápido. Um que era visto com maus olhos pelo resto da casa principal.
    Aumentar a conexão com o Plano Astral.
    Se o controle que os usuários de energia tem está dentro da conexão deles, aumentar a intensidade da conexão fará com que a quantidade de energia manipulável aumente.
    Era bem simples na teoria, mas havia um único problema.
    John não conseguiu achar um único livro na biblioteca dos Hollick com um método de treino. Sabia que o enfoque principal era no controle, mas aquilo já era, aos seus olhos, ridículo.
    Tanto enfoque em controle e nenhum enfoque eu aumentar a quantidade de energia manipulável parecia um desperdício e suspeitava que os anciãos tinham algum método secreto que não estavam mostrando.
    Ninguém vive tanto como eles sem ter uma conexão forte.
    Isso o colocava numa posição complicada. Devido ao orgulho, recusava-se a pedir um favor para aquela gente, mas não queria se sentir fraco como antes.
    Havia uma forma que sabia de aumentar a conexão, mas era arriscado. Após vários meses de treino em controle, John percebeu que, lentamente, a circunferência da conexão ia aumentando.
    Teorizou que isso se dava a natureza do treinamento que fazia. Gastar toda aquela energia movendo pedras e árvores de um lugar para o outro iria, uma hora ou outra, oferecer resultados nessa área.
    Isso o fez pensar que a conexão funcionava como um músculo, que precisava ser exercitado todos os dias. Acreditava que era algo mais complexo que isso, mas teria de testar essa hipótese.
    Indo até seu quarto, sentou-se no chão e pôs-se a meditar. Foi fundo no inconsciente enquanto buscava o puxão da consciência que associou a sua conexão. Aquela sensação de onipotência e importância exacerbada voltou, mas tentou ignorar estes sentimentos e manter-se objetivo.
    Se estivesse certo, o que estava tentando fazer era semelhante a exercitar o braço. Você podia forçar vários músculos com um único movimento, mas se não trabalhasse o músculo certo acabaria não obtendo o resultado esperado.
    Dessa forma, queria aumentar a “massa muscular” da sua conexão. Para isso, teria de forçá-la até o limite, de novo e de novo.
    Abrindo os olhos, expeliu o máximo de energia possível, fazendo com que um pequeno vento se espalhasse no quarto, junto com o som do rachar do assoalho de madeira.
    Sentiu um calor preencher seu corpo e lutou contra a exaustão. Assim que recuperou um pouco a energia, fechou os olhos e os abriu novamente, exercendo a mesma intensa pressão.
    — Três… — grunhiu, continuando o exercício. Sempre que forçava mais energia para fora, mais sentia a queimação na barriga e peito. Como se houvesse carvão quente nessas áreas, sentiu a bile subir a garganta. — Quatro…
    A tontura surgiu na quinta repetição, junto disso veio a forte ausência de ar e a imensa dor que associou ao recuo. Era um fenômeno que acontecia quando se tentava puxar mais energia que podia controlar, onde o próprio plano Astral reivindicava o corpo do usuário como forma de pagamento.
    Na sexta, começou a cuspir, na sétima, notou que sangue começara a cair de sua boca e, na oitava, desmaiou de dor.
    Quando acordou, viu que já havia anoitecido, com o luar preenchendo o quartinho. Olhando para baixo, sentiu o rosto corar com o a mistura de baba e sangue e limpou o mais rápido possível.
    Com um suspiro, foi se deitar. Olhando para trás uma última vez, viu que o sol estava quase nascendo. De forma letárgica, começou a se lembrar que tinha de fazer algo importante, mas estava muito cansado para lembrar.
    Quando foi se deitar, fez uma revisão mental de tudo o que aprendeu hoje, pronto para recomeçar os estudos quando acordasse no dia seguinte. Um nome, no entanto, o fez acordar repentinamente.
    Olhando para a luz da janela, sentiu um calafrio ao perceber que faltava muito pouco para o raiar do dia e, pegando o que podia numa mochila que foi posta ali, tirou a roupa de prisioneiro e colocou sua melhor jaqueta de couro, presente de aniversário de seu pai, e correu para o portão sul, onde encontraria Fausto.
    Ao chegar lá, notou que o Portador de Davi o olhava, preocupado. Foi até ele com a mala improvisada e, sem trocarem uma palavra, ambos seguiram viagem.

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