Já havia acordado… ralando.

    Lavou suas vestes no rio que cortava a divisa entre os lados sul e norte do distrito.

    No ódio, mas fez.

    Vestiu-se antes que alguém o visse nu.

    Tomou um pouco de sol enquanto se aquecia.

    Com preguiça, mas fez.

    Duas horas se passaram.

    Achou mesmo que tinha revivido pra virar um protagonista genérico de isekai… mas esqueceu que não veio com cheat. Ia começar de baixo – de novo – como na vida que tinha. A diferença? Dessa vez, seus corres seriam pela própria vida.

    Não que antes não fossem…

    Mas agora era sua segunda chance. E, com sorte, a última.

    Vida Severina…

    Mal abriu os olhos e já estava na maratona. Nem café tomou, nem bom dia recebeu.

    Era a missão sagrada de compensar o tempo perdido – à força, no grito, no suor e, se precisasse, na humilhação pública.

    Pública? É. O palhaço tinha palco.

    De camarote, ela assistia a tudo: Ananit.

    Com sua veste tecida especialmente para si. Um manto branco adornado com pétalas de sakura, que variavam do rosé ao dourado num piscar de olhos. E, junto a um decote revelador, realçava também a cintura esculpida com precisão.

    Seria, em nosso mundo, uma estátua grega. A própria Afrodite em carne, flor e Eco.

    Uma das três cabeças mais importantes do oitavo distrito, sentada na mureta que separava a cidade simulada do campo de treino como quem espera o ônibus.

    Só que o “entretenimento” não era Candy Crush, e sim Cael, se lascando bonito, feito peão de obra no sol do meio-dia.

    Suado, semiacabado, vestia o que um dia fora roupa de treino, suja de terra e quase rasgando.

    O físico? Mediano, mas com dignidade.

    Quase exposto…

    Nada que arrancasse suspiros, mas também não denunciava a preguiça do sedentarismo.

    Um milagre, considerando os anos sustentado à base de salgado de padaria com três dias de balcão e refrigerante que mais parecia xarope de corante.

    Coff… coff… chega de esculachar.

    Fazia agachamentos, ou algo que ele acreditava serem. Ao lado, Asael, com aquele olhar de treinador, torcendo por um milagre a cada descida trêmula, mas não era como se ele estivesse tentando levantar o martelo do Thor com as pernas.

    Estava peidando no mais fácil.

    — Vamos! Você é um frango ou um homem?!

    Ananit ria.

    E, bom… o universo dele tremia de imediato.

    Flertava entre o óbvio e o insano.

    Aquele sorriso venenoso valia a pena?

    Valia. Para um brasileiro azarado, mas teimoso como ele, valia cada gota de suor e cada humilhação.

    Pingando, tremendo, babando discretamente diante da mulher mais perigosa e, por algum motivo, a mais linda daquele maldito distrito.

    Cacete… careca dos infernos, é sério que vai me humilhar bem na frente da mina? Dessa mina…

    E ela? Observava tudo com aquele ar blasé de quem assiste a uma peça tragicômica onde o protagonista é um palhaço – e, no caso, ele era.

    Será que toda mulher aqui é assim? Gata…

    Gadava sem dó, mentalmente.

    Enquanto desviava o olhar no exato momento em que ela o encarava. E falhava miseravelmente.

    Cabelos rosados. Olhos como navalhas afiadas que flertavam só para te cortar, sorrindo depois.

    Você aguentaria?

    — Um belo frango, ehr… Se você desistir dele, pode me dar assado numa bandeja?

    Com a voz doce como cianeto, de quem serve maldade à la carte.

    — Em uma bandeja?

    Engoliu seco.

    — Ele não é brinquedo… — respondeu com um leve suspiro, como quem pondera se vale a pena perder tempo explicando o óbvio para uma criança com fósforos na mão — Você não tem nada mais importante para fazer? Tipo… trabalhar?

    — Trabalhar? Que careta, Asael.

    Mostrou a língua e novamente riu, meio assombração, meio psicótica – um hihihihi que dava arrepios.

    Crianças irritantes. Mas úteis – pensava, e por isso apenas dava de ombros. Não se deixaria levar pela insanidade de nenhum dos colegas.

    E enfim voltou a encarar seu discípulo. Aquele que não impressionava nem a própria avó no grupo da igreja.

    Por falar nele…

    — Ehr… quê?

    Arregalou os olhos, piscou confuso e, no segundo seguinte, já estava no chão, cuspindo a própria dignidade. Vinte flexões no modo desespero, depois saiu correndo como se o diabo estivesse cronometrando. Cinco quarteirões em menos de um minuto

    Uff… Uff…

    Será que o papo da bandeja assustou o pobre coitado? Provável. E foi bom, a adrenalina o dominava mais do que a necessidade de mineiro por pão de queijo.

    — Tá cansado?

    — E-eu?

    A essa altura, já não valia mais a pena…

    Com ele, a primeira facada já seria motivo de término. Literalmente.

    Era teimoso. Mas não burro demais. Ou uma combinação gourmet dos dois.

    Vai saber…

    — Que nada! — respondeu no reflexo, já emendando duzentos polichinelos — Quero mais! Me dá treino pra uma semana inteira! — gritou, cuspindo um pulmão… e talvez um pedacinho da alma.

    — Mais? — Quase rindo. Mas a seriedade no olhar deixava claro: o compromisso estava além das piadas.

    Apontou para o chão, com toda a misericórdia do mundo.

    Mais agachamentos.

    Mais tortura.

    Mais vergonha.

    Só que…

    Aí veio o golpe final para o nosso protagonista.

    Uma sombra. Um peso súbito que o empurrou com mais força que a gravidade e o fez beijar o chão. Não era o destino, nem o carma. Era ela. A própria Ananit, sentada sobre suas costas como quem monta um cavalo manso.

    Que diabos…

    Ela pesava mais que um rinoceronte. Espiritualmente, claro. Mas… melhor deixar esse papo pra lá. É bem deselegante.

    Enfim…

    — Quantos?

    — O… quê? — Confuso, como se tivesse levado um soco.

    Daqueles que deixa zonzo.

    — Agachamentos. Quantos fará?

    — C-cem? Mas… só se você sair daí…

    Com uma força tirada direto do cu, tentou se posicionar. Conseguiu. Mais ou menos.

    Os braços tremiam. Logo as pernas também.

    O orgulho, esse já tinha ido embora fazia tempo.

    Que garota pesada… Deve ser uma baleia por baixo dessa roupa… aposto!

    Quase revirou os olhos, rangendo os dentes.

    — Ah, só isso? Eu faço umas cem mil…

    — Quê!?

    — …Em segundos! Hihi. Sou só a sexta mais forte e resistente fisicamente por aqui. Fraquinha, né?

    Virou os olhos para Asael.

    — O que acha dele fazer cem agachamentos comigo aqui?

    — Ehr… até que seria decente… — respondeu, um sorrisinho quase cúmplice.

    Quase.

    Cruéis ou esperançosos?

    Difícil dizer.

    Porque o cara já estava na fase “aceitação da morte”.

    — CÊS TÃO DE SACANAGEM COMIGO, NÉ?!

    Arfava. Suava. Morria.

    E bem… infelizmente, não!

    ÚLTIMO CAPÍTULO ESCRITO AQUI!

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