Cael deixou a guardiã para trás como quem larga um copo vazio.

    Já tinha bebido tudo, não restava mais nada – só o gosto amargo da realidade na língua.

    Ergueu os olhos pro teto, não em busca de respostas, mas pra evitar encarar o que realmente importava…

    …O que deixou pra trás.

    A vida… aquela vidinha desgraçada de sempre, em que se sentia um rato num labirinto, correndo atrás de nada. Mas ainda assim, era a dele.

    Os rostos… passam como vultos.

    Gente demais, laço nenhum.

    E ela. A ex namorada. Amor? Talvez. Companhia? Com certeza. Mas quem sabe só tentou tampar o buraco da solidão com um corpo quente e palavras doces.

    Agora, tudo aquilo que antes era só esquisito ou até divertido, como uma peça de teatro ruim, ganhou densidade.

    As palavras dela… as do mestre… caíram como chumbo derretido sobre sua consciência.

    E Cael? Afundou. Sem drama, sem grito, só o silêncio de quem percebeu tarde demais: o peso que carrega é ele mesmo.

    Teria caído na real se tivesse lido o título do capítulo 18. Mas quem se faz de desentendido… paga em dobro.

    — Putz… que… bad.

    Se virou e foi dormir, igual homem casado depois de cinco minutos na rapidinha:

    moído, mentalmente e fisicamente.

    É… se aguenta, que amanhã tem mais.

    Por falar em…

    Acordou já com aquele amargor na boca – típico da rotina.

    Parecia até que ainda estava preso ao ciclo eterno dos assalariados infelizes.

    Mal pôs os pés no chão e quase saltou pra trás, feito macaco em galho.

    — Cacete! Que frio da porra!

    Berrou, batendo os dentes enquanto se abraçava como se aquilo fosse resolver.

    O clima hoje estava absurdamente gelado.

    Incomum. Mas até o mundo espiritual tinha seus dias de esquisitice.

    Se aprontou como dava. Vestiu seus trapos, agora limpos, cheirando a alguma erva estranha, lavados e trocados enquanto roncava como um ogro cansado.

    Foi até a bacia de pedra, afundou o rosto na água gelada.

    Gotas escorreram pelo queixo, frias como o mundo onde estava. E ainda assim, mais quentes que as decisões que tomara.

    E lá fora, a cena era quase cômica.

    Asael, impassível como sempre, novamente já preparava o “verme gourmet” do dia. Fatiava o bicho com algo que parecia cebolinha. A gosma branca misturada à pele dava à coisa toda uma aparência… peculiar.

    Se canjica doce fosse um pesadelo, seria aquilo.

    — Bom dia… ehr… vejo que não esperava o frio! — Comentou com um meio sorriso nos lábios.

    — Pois é… não sabia que esse lugar também sofria com as estações. Vai ver, tem até aquecimento global, né?

    — Teria… se o clima não fosse ditado por forças tão impossíveis de se ler!

    Cael se sentou, encarando seu chefe de cozinha com a expressão de quem já sabia que ia se arrepender de comer.

    — E como é?

    Apenas sorriu, servindo a tigela fumegante com a confiança de um chef cinco estrelas.

    O cheiro era indescritível.

    E não no bom sentido.

    — Bem… tudo depende do sentimento coletivo dominante. Se, no fundo, vocês forem felizes… será um dia quente. Se forem tristes, frio. Se nada mudar, fica neutro, como em, sei lá, 50% dos dias.

    — E os outros 50%?

    — Frio. Mais precisamente… 49,9%. E 0,1% feliz.

    Piscou, engolindo seco.

    — Cacete… por que a gente sofre tanto?

    O careca sorriu de canto, mexendo o resto da gosma na panela como quem mexe no destino de um condenado.

    — Porque vocês insistem em existir.

    — Wow… também não precisa esculachar! — Rebateu, levantando as mãos, indignado.

    — Mas é verdade. A sua raça sofre só por existir. É meio fatalista… mas quem sou eu pra julgar?

    — Bom que sabe. Vocês também não ficam atrás, viu? Bando de dramáticos! — Bufou — No fim das contas, devíamos era só agradecer por mais um dia de sofrimento, né?

    — É o que eu faço toda manhã. Agradeço por ainda estar preso nesse teatro!

    Silêncio.

    Só o som viscoso da gosma borbulhando, enchendo o ar com um cheiro difícil de ignorar – ou esquecer.

    De repente, apagou o fogo.

    Não era por necessidade.

    Ele gostava de ver a criatura sendo cozida… mas, para seu discipulo, preferia crua.

    Dizia que sustentava mais.

    Talvez fosse carinho. Talvez castigo.

    Que sacana…

    O vendo se servir.

    Soltou uma risada seca – o tipo de risada que não salva, não disfarça, não engana.

    Só escapa.

    Quando tudo já desandou… e tudo que resta é um último suspiro de dignidade antes de chutar o balde.

    — Poético. Trágico. E fedido!

    Não hesitou nem por um segundo.

    — Igual a você.

    Enfim… Ignorando a treta de casal, o dia dos dois foi puxado.

    O jovem mergulhou nos treinos, desta vez sob olhares curiosos, mas ninguém teve coragem de se aproximar do campo.

    Polichinelos. Agachamentos. Corridas.

    Abdominais até os músculos gritarem por misericórdia.

    Não poupou esforços.

    E ao fim desgaste era real – podia sentir.

    Mas só depois. Tardio… Seu fôlego ia e voltava, o que, curiosamente, indicava progresso.

    Até suas funções cognitivas pareciam mais afiadas.

    O mundo espiritual, afinal, era uma bênção.

    Sua natureza, agora em compasso com o Eco, o fortalecia numa velocidade quase injusta.

    Se não fosse o comum pra todos ali.

    Mas, entre um agachamento e outro, só uma pergunta martelava sua mente.

    A mesma que assombra todo CLT quando pisa na firma.

    Quando, afinal, eu vou descansar?

    A sorte, pela primeira vez no dia, estava do lado dele.

    Porque a hora era agora.

    Asael se retirou, o deixando livre… Entre muitas aspas, claro.

    Vencemos, pai!

    Pensou, com aquele sorrisinho torto.

    Arrastando-se até a porta como um sobrevivente de guerra, foi recebê-la.

    Quem?

    Ela.

    A silhueta à contraluz, abrindo a porta com o mesmo olhar psicótico de sempre, aquele tipo de brilho nos olhos que diz “posso te beijar ou te desfigurar, dependendo do humor.”

    Ananit.

    Seus longos cabelos rosados chegaram antes do resto.

    E a mão, delicada e ameaçadora, pousou em seu queixo como quem segura um troféu… ou uma vítima.

    — Você, seu surradinho… vai tomar um banho e sair comigo! — anunciou, eletrizada, literalmente.

    Centelhas escaparam de seus dedos, dando pequenos choques em sua pele suada.

    Ele, todo imundo, mais sujo que orgulho ferido, corou na hora.

    Um descarado com vergonha, veja só.

    — S-sair? — gaguejou, entre confuso e intrigado.

    Nem morto negaria.

    — É, gatinho. Passei o dia inteiro patrulhando só pra te sequestrar depois. Não vai me dar um bolo, né? — Inclinou o rosto, perigosa — Eu posso… te matar se fizer! — mordeu o lábio com uma doçura assassina.

    Era sim, ou… vala.

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