Capítulo 21 - Fé nas malucas
(Pov Cael)
Mas… olha só.
O rolê não foi o desastre nuclear que eu imaginei.
A maluca tava irreconhecível. Cara de paz interior, sorriso de fada pra cada absurdo que eu soltava… e olha, eu falo merda pra um caralho.
Num nível quase científico.
“Se esse cara abrir um curso, eu compro.”Juro, quem tava por perto devia pensar.
Porque, sério… um urubu desses com uma garça imperial dessas? É tipo colocar ketchup em filé mignon.
Tá…
Pqp. Agora fui gado. Com gosto.
Mas é que, vamos ser sinceros… não tem como negar.
Por mais que minha autoestima flutue entre o saudável e o “me chama de Apolo”, uma mulher dessas?
Uma em um milhão. No meu mundo, pelo menos.
Não tenta negar. Você sabe.
O lugar?
A gente andava por uma rua cheia de barraquinhas. Meio medieval, sabe? Tendas de tecido, bandeirolas no alto, cheiro de coisa exótica que eu não sabia se era incenso ou bicho morto.
Mas, no fundo, lembrava a Liberdade em São Paulo. Só que sem metrô, e com menos cosplay de colegial – o que, honestamente, era até um alívio.
— No que tá pensando?
Como quem joga uma bomba no seu colo.
E… não importa o plano. É sempre a mesma configuração.
Ela pergunta, eu travo, e a sobrancelha vai subindo.
Tic Tac!
— Espero que… nada imundo…
Olhei de canto, tentando disfarçar o pânico com dignidade.
Pqp. Pensei, sim. Claro que pensei.
Mas agora eu tava na vibe Romeu apaixonado com leve pitada de esquizofrenia.
Leve. Bota leve nisso.
(Vocês concordam que é leve, né? Não me deixem sozinho nessa.)
— Ehr… que você não parece tão psicótica assim, sabe?
— Eu sou?
Parou. Fez aquele biquinho. Apertou os lábios.
Ódio de admitir, mas parecia… incomodada. Com raiva. E eu? Um palhaço. No picadeiro.
— Não, só… sei lá. Vocês são guerreiros e tal… dá pra associar, né? Tipo… Terem surtos na mente, e um certo tesão por ver sangue jorrando.
— Não.
Seca. Fria. Como água da privada. No inverno. Em casa abandonada. Na Rússia.
— Então… como se vê?
Diabos. Dialogar é um cu mesmo.
Parece fácil até a resposta voltar armada… com uma granada na mão e o pino no dente.
Senti um déjà-vu sinistro. Tipo um teleporte mental direto pra época do colégio.
Era um cabaço total. Admito.
Daqueles que tremia quando a mina perguntava a hora, mesmo tendo relógio no pulso.
— Eu? Ué… me vejo como sou: bela, atraente, forte e… dominadora!
— D-dominadora?
Dei até uma risadinha.
Pra não dizer… travadinha.
O que ela queria dizer?
Queria ir por cima, ou… introduzir coisas em mim?
— Isso. Eu sou a leoa, meu bem. A rainha da selva. Quem ruge, mando eu. O resto… é gazela. Inclusive você, gatinho — piscou pra mim com a audácia de quem já sabe que venceu.
E eu?
Silêncio absoluto.
O clássico momento em que a alma dá logout.
Zé do céu… onde foi que eu fui amarrar meu jegue?
Talvez arrependido de ter dado corda.
— Até eu? — perguntei, com a dignidade de um cachorro surrado.
— Tô brincando, poh! Cadê seu bom humor? Achei que vocês humanos fossem menos frágeis…
Ela bate no meu ombro. Não foi leve. A dor bateu fundo.
Mas, confesso… apanhar de uma garota tão cheirosa não foi exatamente um castigo.
— Tá, tá! Você… brincando é meio assustadora…
— Nossa, assim vou me achar feia.
Fez cara de ofendida, mas o sorrisinho entrega; está se divertindo.
— Não, não! É tipo… assustadoramente atraente, sabe?
— Hm, melhor — Ela faz aquela cara de quem nao se convenceu completamente — Mas ainda há palavras melhores pra descrever a intimidação de uma dama. Poderia, por exemplo… me chamar de poderosa, né?
— Quê?
Franzi a testa.
Automaticamente.
Quase soltei uma risada. Quase.
Mas me controlei — porque, sinceramente, odeio o Brasil por ter condicionado meu cérebro a completar refrão de funk.
— Nada não… sonso!
— Vai ficar me ofendendo assim, na cara dura?
Ela me olhou de canto.
— Você é esquisito.
— Obrigado. Faço o possível pra manter o padrão.
Fiz ela rir.
Sorriso bonito, risada gostosa.
Foi aí que tropecei. Literalmente.
Parei bem em frente a uma barraca de… peixe frito no espeto.
O tio do balcão?
Parecia o Péricles. Sem ofensa.
Mas juro… se as almas continuam com o mesmo corpo depois da morte, tem gente que tá fudida até no pós-vida.
Lamento. De verdade. Mas tem.
— Casal, vai querer a sardinha no espeto?
Tio simpático, vai.
— Quando que tá coroa? — meti as mãos no bolso, na postura “atacante confiante”.
— Um tá 4 Shemesh, dois tão 6!
— Shemexi?
— É… a moeda daqui, usada pelos quinze setores pra simular uma economia humana. Legal, né?
Sorte que ela tava lá pra explicar, porque eu tava mais perdido que cebola em salada de fruta.
— Ehr… mas… e como é que eu ganho isso?
Ela riu, desmontando meu ar de cavalheiro sem dó.
— Você não vai ganhar nada disso, mas, eu tenho umas aqui! — meteu a mão no bolso e, do nada, puxou dez moedas douradas em forma de Sol — Consegui essas roubando cadáveres humanos, hihi, fora das muralhas!
Sem nem piscar, o tio quase caiu pra trás.
— Quer dois, senhorita?
Suas mãos tremiam, coitado.
Já eu? Nem fiquei surpreso.
Rouba cadáveres, mas não aceita ser chamada de psicótica.
— Manda, velho! — Jogou as moedas quase na cara dele — Tô com fome de leão!
— Fofa, né?
Tentei aliviar o clima, mas a língua ficou presa.
— Muito.
Ele quase jogou os espetos em cima da gente, de medo. Não é fácil, né?
Nós afastamos e sentamos num banco em um parque qualquer, com umas flores brancas na frente, e lá vem o arrepio básico.
Era a hora do beijo, mas…
Já não era um encontro convencional desde o convite.
— Você já fez sexo?
— Ehr, como assim?
— Tipo… você já fez? Qual é, não é inocente, né?
Vi seu rosto corar.
— Já — suspirei — Por que?
— E como é?
— Ah, é bom, sabe? Você, nunca fez?
Era óbvio. Mas sei lá… parecia irreal pra mim uma garota tão bela ser virgem.
Talvez isso fosse humano demais.
Por mais que fosse natural pra muitos de nós, e alguns até levassem isso como uma meta de vida, só de falar sobre… já dava um nó na garganta.
Não falo isso como piada.
É só… estranho.
Enfim. Aff…
— Só isso? Pelo menos foi por amor? Paixão?
— Paixão… — cocei a nuca, o peso da pergunta caindo devagar, mais pesado do que devia. Algo que antes parecia tão simples quanto tomar uma cerveja num domingo — Foram com duas meninas só. Talvez não tenha sido só isso… talvez só desejo mesmo. Mas… você tá perguntando porque nunca teve?
— Nunca. — respondeu com uma calma — Assim como a maioria de nós, Guardiões.
— É tipo… tabu?
Ela ficou em silêncio. E eu continuei, meio no automático, meio tentando entender onde queria chegar.
Sei lá… talvez só esteja curioso. De qualquer forma não iria me surpreender.
— Não. Não é isso — ela desviou o olhar por um segundo, como quem procura as palavras certas — O sexo, pra nós, é bem visto. Mas como um objeto de estudo. Uma forma de multiplicar o número de guerreiros. Não como prazer… ou como uma forma de se conectar com alguém.
— E?
— Por isso eu me interessei por você. Não por sexo, mas…
A mão dela tocou meu ombro.
Sério, me senti exposto. Talvez até… feminino. Por que eu tô nessa posição de fragilidade?
Cacete, ela é a inexperiente aqui.
— O que me atrai em você é como vocês são espontâneos. Não tô… te pedindo nada, só… te explicando o que eu quero no final disso tudo, tá?
É, tá…
Deu pane no sistema.
Ela tava dizendo que… queria algo que nem eu sabia que tinha.
Talvez isso fosse bonito.
Ou motivo de uma crise existencial.
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