“Quando uma grande pedra cai

    é fácil notar o estrondo.

    Difícil é lembrar

    das formigas que ela leva.

    ❍❍❍ ᨖ ❍❍❍

    Emekhamamzerim.

    Ou, como alguns preferem chamar de “o vale dos bastardos”. Onde o chão ferve e o ar zune com o confronto entre a Paranóia e o Tanín Escarlate.

    Dois pináculos de forças tão opostas.

    Cara a cara.

    O ar? Uma mistura espessa de poeira e tensão. Tal cortina de partículas paira entre eles.

    De um lado, o eco da bravura, aquela obstinada centelha que se recusa a morrer. Do outro, uma sombra fria como o gelo, viciada no próprio veneno, serpenteado com a elegância de quem já sabe que vai vencer.

    — Tem certeza disso?

    A pergunta cortou o silêncio como uma lâmina embainhada.

    O braço direito da Guardiã Superior. Primeiro a levantar a lâmina, último a dar bom-dia, caso alguém, em um raro surto de estupidez, decidisse desafiar a guarda do distrito.

    E, por isso, agiria com garras, mesmo que, no fundo, não passasse de uma mera caça.

    De sua indagação, não houve resposta.

    Não precisava.

    Bastou um movimento.

    Se lançou para a esquerda num salto seco, nada ornamental, mas ainda assim carregado daquela pretensão heroica que insiste em enfeitar a tragédia.

    Mais poeira se ergueu de imediato.

    Não por estilo, claro – mas porque dramatismo é uma arte.

    E ele, convenhamos, claramente era um artista.

    — Tzura…

    O tempo… freou.

    Não parou.

    Um instante esticado, preguiçoso, quase cúmplice.

    — …Kishuf hasefirah hadrakonit haadom!

    A pronúncia foi impecável.

    E num piscar de olhos, desses que os arrogantes gostam de chamar de subida ao palco, rasgou o ar.

    Literalmente.

    Como uma ferida se abrindo no mundo, o espaço à sua frente se torceu. E então, brotou o Dragão Escarlate de seu peito.

    Um rompante.

    Feito inteiramente de seu Eco, brasas entrelaçadas com rajadas de eletricidade.

    A criatura se enrolou em seu pescoço e cintura com a intimidade de um velho companheiro.

    Não porque fosse gentil, mas porque sempre esteve ali, apenas esperando o momento em que seria chamado de volta à carne.

    E rugiu.

    O alvo?

    O ser sombrio à sua frente. Aquele que não se moveu.

    Que nem piscou.

    Talvez por respeito.

    Talvez por tédio.

    E… num movimento, faíscas.

    — Neshipateshhane’elit!

    Brasas foram baforadas, varrendo o campo de visão como um lençol em chamas.

    Tudo o que estava na direção de sua palma foi varrido, reduzidos a pó e fuligem.

    Era necessário só um gesto.

    Só isso.

    Apontar o alvo e o ser fazia o resto.

    Simples.

    Singelo.

    Quase elegante, se ignorar o fato de que foi pura e apoteótica destruição.

    — …Tolo. Você vai matar seus companheiros assim.

    A sombra pousou atrás dele.

    Mas mal teve tempo.

    Estava ainda se virando, olhos carregando aquele desprezo típico de quem se acha invencível – quando veio a segunda baforada.

    Mais potente. Mais impiedosa.

    O rugido do Dragão Escarlate cortou o ar com violência.

    Um rastro negro se abriu pelo piso, como uma cicatriz, carbonizando tudo em linha reta.

    Foi rápida.

    O suficiente para queimar o braço esquerdo da criatura.

    A carne fumegou.

    Houve um estalo.

    Mas a criatura não gritou.

    Ainda não.

    — Que companheiros?

    Silêncio.

    — Ah…

    E olhou ao redor.

    Só havia destroços da explosão. E brasas.

    Mas nenhum corpo. Nenhum vestígio humano.

    — Você… tirou meu foco.

    Sua voz saiu seca. Quase contrariada.

    — E os salvou…

    — Acha mesmo que eu deixaria qualquer guardião… ou subordinado meu… morrer no meu lugar?

    Não foi dito com arrogância.

    Mas com a naturalidade de quem não cogita outra possibilidade.

    — Isso é… fofo, na verdade — respondeu, com um meio sorriso que não chegava aos olhos. Olhos estreitos, cravados no inimigo à frente, como lâminas afiadas medindo a próxima ferida — Mas você está encarando isso como se fosse trivial… e…

    — Neshipateshhane’elit!

    Não houve tempo para a sombra terminar a frase.

    O fogo veio antes.

    Sem pena. Sem hesitação.

    Os parapeitos derreteram.

    O piso se rompeu.

    E o último andar foi atravessado por um rasgo de mais de cinquenta metros,

    abrasado, marcado.

    — Isso foi pelo meu braço! CACETE!

    O grito veio com um chiado de dor, ódio e puro ultraje.

    Mas…

    — Einseitige Phobie!

    A frase explodiu às suas costas.

    Foi uma sentença.

    Só um instante.

    Mas o suficiente.

    — C-como?

    Ele se virou por reflexo. E viu.

    A criatura flutuava, mão queimada erguida. E, de lá, brotavam os ramos da escuridão.

    Rápidos demais para serem vistos com clareza.

    Serpentes negras em fúria.

    Não se arrastavam.

    Caçavam.

    Perseguiam-no com um apetite cruel,

    dobrando ângulos, traçando curvas impossíveis.

    E para escapar, não tinha outra escolha.

    Se moveu.

    E bem.

    Não por técnica.

    Mas por puro instinto.

    Terminou aos suspiros.

    Sangue pingando aos seus pés.

    Olhos turvando.

    Suor escorrendo pela testa.

    Mesmo rápido, o suficiente para sobreviver, não saiu ileso.

    Amenizou os danos. Mas sofreu.

    O peito arfava como se a alma tivesse esquecido como respirar.

    As pernas reclamavam, tremendo sob o peso do orgulho.

    E o Eco, por um breve instante, vacilou, como se também sentisse.

    — Tive que usar minha Chaoswirt. E mesmo assim você… não caiu!

    Sua mão foi jogada para trás, como quem expele frustração. Vapor se soltou dos seus dedos.

    — Cair? Mas tá só começando!

    Entre uma risada engasgada e uma inspiração meio falhada.

    Não era valentia.

    Era adrenalina.

    O tipo que entra na corrente como veneno…

    E engana o corpo fazendo-o achar que ainda dá pra brincar.

    Se não fosse rápido o suficiente… já era.

    Não haveria misericórdia.

    Não haveria “talvez”.

    Uma segunda liberação da Chaoswirt… e seria fatal.

    — Tão seguro de si. Mas… Não vou te dar mais brechas!

    Flutuou para trás, como se dançasse no ar, jogando a confiança na sua cara.

    — Experimente uma forma diferente de desespero! Paranoiparasit!

    O instante seguinte foi uma traição.

    De suas feridas, cinco no total, a carne se retorceu, guiada por uma mão invisível e cruel.

    A mão do infortúnio.

    Foi semeada no primeiro ataque, e agora florescia em sofrimento.

    Seu sangue voou, pintando o chão com tons vivos da sua dor.

    Seria seu fim?

    Ou ainda havia mais cartas na mesa?

     

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