Capítulo 25 - Essenz
— Vai me matar?
A sombra flutuava acima da cidade espiritual, encarando o que jamais esperou ver: a liberação de Eco mais colossal de sua existência miseravelmente longa.
Mesmo com mais de dois mil anos nas costas — e isso, por algum motivo vergonhoso, fazia até os pelos da nuca se arrepiarem.
— Mas com um corpo tão grande assim… Não passará de um alvo. Gigante. E burro!
Preparou outro disparo de Caos — No instante em que puxou na ponta do dedo, sua energia se manifestou num tom cinza-escuro, denso, girando ao redor como fumaça viva prestes a engolir o espaço.
E então, claro — o ar se rasgou.
Mas teve que desviar.
Atrás dele.
Um feixe escarlate.
Cortante. Silencioso. Imediato.
Surgindo de uma espiral vermelha, elegantemente ameaçadora. Mais intimidadora que dois caras em uma moto — e com bem menos barulho.
Quase o atingiu. Por um nada. Um insulto à distância.
O quê…?
Era ela.
A Sefirót Yeriyálohétet. Só um dos muitos ramos de si, liberado, como quem espirra poder, sempre que resolve se expressar de verdade.
Ressonando teu Eco — espirais sibilantes rabiscavam o espaço com ciclos infinitos, e de cada um nasciam raios escaldantes, lasers fervendo de zelo homicida.
O disparo? Só um bilhete de boas-vindas.
Um lembrete sutil de que, por alguma ironia do destino, a balança começava a pender — ainda que timidamente — pro lado dos mocinhos.
E desviou realmente por pouco, pego de surpresa.
Logo ele, um ser de reflexos além da imaginação. Foi por um triz, como se a morte estivesse de salto alto, acenando da calçada da frente com um sorriso debochado.
Mas antes que qualquer reação altiva, foi atingido.
Um golpe lateral. Sem aviso. Sem poesia.
A cauda do dragão veio como uma vírgula selvagem na frase da sua arrogância, rasgando o ar, as costelas, e o ego inflado numa tacada só.
Como um tapa seco num mosquito.
Arremessado.
Contra a muralha.
O corpo afundou no concreto como se fosse feito só de carne e vergonha.
Desceu dois andares abaixo atravessando lajes e colunas como uma caixa de papel molhado. Freou no terceiro, estalando contra o piso com o som seco de uma desistência.
— Merda…
Escapou entre os dentes, quase como um elogio ao próprio desastre — a forma mais digna que encontrou de continuar respirando.
…Por que insiste nisso?
Por que não morre… por quê!?
E então ele se levantou.
Rápido.
Rápido demais.
Sem ossos quebrados. Sem dor.
Sua regeneração estava além de qualquer criatura viva, absurda, quase ofensiva. Afinal, era uma sombra. E a menos que a própria luz, nua, resolvesse descer pessoalmente pra bater um papo… nada no universo parecia capaz de atrasá-lo.
Mas o corpo não era a única coisa que o conectava…
Havia algo pior.
Um incômodo mental. Daqueles que não doem mas ficam… Rastejam.
Aquele silêncio estranho, incômodo, o tipo que entra na sala antes da tragédia, puxa uma cadeira, cruza as pernas e sussurra com um sorriso discreto…
O que sussurra?
Algo deu muito errado. E você ainda não percebeu.
O gosto amargo veio primeiro. Como todo presságio ruim.
Sangue negro. Escuro como o próprio orgulho ferido tentando escorrer pra fora.
Ao tocá-lo, ali no canto do lábio seco, veio o arrepio. Não desses comuns, daqueles que nem os deuses gostam de sentir.
— Brinquei demais…
Ao erguer os olhos, viu o inferno chegar.
Chamas vorazes vinham para devorá-lo como quem cobra uma dívida antiga.
Não como antes.
Mais denso. Mais quente. Quase grosseiro. Até o som parecia como o rugido de um tigre, impaciente por sangue.
E então: combustão. Bastava um toque.
O mundo vibrou.
Pareceu suspirar… e ruir logo em seguida.
Cinco segundos de glória.
Cinquenta quilômetros de desgraça.
Folhagens esturricadas.
A cidade tremeu.
A temperatura explodiu.
O concreto derreteu.
A realidade… vacilou, como quem pensa em desistir.
É impossível ele ter sobrevivido…
Mas quem ainda acredita no impossível claramente não leu até aqui.
Enquanto isso, a cauda do dragão balançava com a certeza tranquila de quem sabe exatamente o estrago que causou — e o quanto ainda poderia causar. Já que criava tempestades. Espantava-as como quem varre os cacos fumegantes da própria obra-prima.
Eu quase…
Pensou. Ou fingiu pensar.
Porque ali, certezas eram artigo de luxo.
E estava quebrado demais pra bancar uma.
…Destruí tudo!
Ou achou que sim.
Porque, de repente, as brasas começaram a… convergir?
Um vórtice sombrio tomou forma. O próprio Caos tinha decidido se consumir, só pra provar que podia.
E então: a colisão.
Contra a negação absoluta. Desejo de devorar contra a simples recusa de ser queimado.
E dela emergiu a maldição.
— Essenz… Augenfresser!
Ele ressurgiu.
Atravessando-as como quem recusa o próprio fim. Como quem decide, com teimosia, usurpar o destino antes que ele jogue primeiro.
Mas… diferente.
Os braços cobertos por pelos escuros.
Cabelos selvagens, como a crina de uma fera.
Olhos famintos. Orelhas eretas.
Uma criatura à beira — entre o profano e o ridículo.
Não era mais sombra.
Era puro instinto.
Um bicho feito de trauma. Costurado à força com tudo que sobrou depois da dor.
— Você me forçou a isso…
Aqui está sua passagem refinada, com mais fluidez, densidade simbólica e aquele tom entre o poético, o sacrílego e o irônico — sem perder a força visual da cena:
Tua voz não pedia desculpas.
Carregava eras.
Não foi um grito.
Foi sentença.
E o mundo?
O mundo teve que aceitar.
Espaço e tempo cederam — dissolvendo como papel na chuva.
A realidade trincava em silêncio, como um quadro sendo devorado por um incêndio.
Ali, no epicentro da ruína, estava sendo ungido.
Não por misericórdia.
Mas pela própria hierarquia que tentava contê-lo.
Um avatar do caos.
Nascido do instinto, esculpido pela dor, e enfim… liberto.
Preso ao seu eu animal, sim — mas livre do selo que fortalecia sua mente.
E era isso que tornava tudo pior.
— Você não morre, seu miserável… Mas eu darei um jeito! — quase engasgou com a própria fúria — Ken hadrakón haargamán!
O ar explodiu em calor.
Já não era fogo.
A superfície de bilhões de sóis condensada em um instante.
Uma miragem.
A realidade tremulava. A matéria?
Desintegrou antes mesmo de perceber o impacto.
Mas o alvo já tinha virado uma lembrança.
Cortou o espaço com a pressa de quem não queria perder mais tempo.
Finalmente, atento.
Focado.
E quando parou…
Estavam frente a frente.
De novo.
Como se o autor tivesse senso de humor. Ou só preguiça de escrever um final diferente.
E então, rajadas.
Espirais girando como canhões, pulsando para explodir — cuspindo energia para acabar com ele.
Dava pra sentir.
Cada feixe era um argumento.
Cada disparo, uma opinião bem enfática sobre sua existência.
— Unerreichbar!
Mas o ataque… se dissolveu.
Como se batesse em nada.
Ou pior: como se fosse aceito, digerido… e devolvido com desprezo.
Sua essência absorveu tudo.
Uma barreira cinza. Densa. Pulsante.
Com bordas fervendo como vidro prestes a se romper — mas que nunca rompia.
Impenetrável.
— Primeiro… Sinta o desespero de lutar contra alguém inalcançável. Depois… Zerbrechlich!
A barreira se contraiu, como se respirasse.
E então tomou forma. Um espinho cônico, afiado como má intenção.
Explodiu na ponta.
Direto no peito do dragão.
Nada.
Nem uma lasca.
Escamas tão arrogantes quanto o dono.
— Acha mesmo que vai perfurar meu Eco assim?
Nem gritos. Nem estardalhaço. Só aquela insuportável certeza de superioridade.
— Antes que eu acabe com isso… me diga. Que porra foi essa?
Silêncio.
E então: suor.
Ele… estava suando?
Logo a sombra, que praticamente morava no inferno de terno, de braços cruzados, ar-condicionado desligado e pose de invencível?
— Vingança.
Simples. Cru. Quase preguiçoso.
Como quem responde só pra encerrar o assunto.
— Vingança?! De quê, porra?! Que caralho você perdeu pra montar esse espetáculo inteiro e matar meus parceiros?!
Tudo gritou. Uma nova onda de calor sobrepondo a anterior.
Até o tempo.
Principalmente o tempo.
Que vacilou, derreteu, cambaleou… e quase pediu pra sair.
A sombra recorreu à sua barreira —
que começou a rachar como louça barata em briga de casal.
Mas foi destruído por algo…
Que ele não viu.
Nem percebeu.
De repente… até suas asas.
Sumiram.
Desintegradas.
Como se nunca tivessem existido.
Como se fossem só um capricho que o destino resolveu apagar com uma borracha.
Havia um ataque. Escondido.
Sua Himas.
O golpe que não precisava de grandiosidade… só de foco.
A capacidade absurda de concentrar calor em um único ponto, com o olhar.
Simples assim.
Um ponto.
E esse ponto?
É destruído.
O rastro é meramente o desmanchar. Sem som. Sem impacto. Só a ausência brutal do que antes existia.
Fim?
Seria…
Mas suas pernas, guiadas pelo instinto — e pelo próprio Caos — o impulsionaram para cima.
Num salto, enfim ultrapassava a fera ecoada. Estando acima dela.
Pela primeira vez.
— Tá com medo?! MALDITO?!
Nenhuma resposta.
Apenas um suspiro.
Profundo. Quase… entediado.
Mas não era desprezo.
Era cálculo.
Sua mente trabalhava — silenciosa e frenética — tentando acomodar tamanha grandiosidade.
Porque mesmo sendo mais forte que o Caos…
O Caos ainda levava suas decisões em consideração.
E então, as garras do próprio se ergueram.
— Vertrauensbruch.
Choveu. Literalmente.
Trevas líquidas, espessas, viscosas.
Caíram. Queimaram. Corroeram. Sem pressa. Como quem saboreia o fim em pequenos goles.
A técnica havia sido refinada.
Reduzida em área, ampliada em densidade, porém ensopado de intenção letal — o suficiente para encharcar o adversário.
— Que diabos?!
A voz falhava.
Engasgada na própria ansiedade, tentando virar verbo.
— Medo que falava? — um sorriso selvagem de canto rasgava o rosto — Isso é… o desespero real.
E viu.
Seu próprio poder… recuando.
O Eco, sendo corroído como se tivesse vergonha de continuar lutando.
Pela primeira vez, não parecia invencível.
Estava perdendo.
E o pior?
Sabia.
Sentia.
E nada — nada — era mais insuportável do que ter consciência disso.
Do fracasso vindo devagar, com gosto, só pra sentir cada segundo.


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