Capítulo 29 - Erdwahn
(POV Erdwahn)
Dor.
Angústia.
Frustração.
É tudo isso que sinto ao afundar minha mão nas paredes do vazio.
O concreto frio se esfarela como cinza diante do toque da minha Caos, mas dentro de mim — nada muda.
— Merda… merda!
Meus dentes rangem.
Mesmo tentando… eu não consigo entender.
Por quê?
Por que não sentir medo me tornou tão fraco?
Se eu tivesse me acovardado, se tivesse tremido como os outros, talvez teria sido mais justo.
Talvez alguém me poupasse um olhar de respeito — ou compaixão.
Mas não.
Se não fosse o mero acaso do destino, a rachadura de uma palavra selada,
Eu seria nada.
Nada mais que um fracasso.
Logo eu. Logo eu!
O que sou?
Sou o ápice de uma sombra.
Uma distorção viva de toda a glória perdida da terra.
E mesmo assim, ela nem precisou usar sua Expressão total.
Nem sequer rompeu os limites do possível.
E eu?
Fui reduzido àquilo.
Um palhaço.
Um ruído de fundo em uma ópera que jamais me pertenceu.
Como posso entender isso e aprender algo?
Como?
Mesmo que eu entenda…
Não passo de uma marionete do destino?
Não!
Eu sou mais.
Não nasci para isso.
Não nasci para ser antagonista de ninguém.
Muito menos peão em uma história escrita por mãos podres.
— Está chorando pelos cantos, suricato?
Essa voz.
A maldita voz irritante que faz minha Caos vibrar de desgosto.
Quando me viro…
Lá está ele. O lixo mais detestável que tenho que conviver.
Widerseel.
A serpente.
A praga sorridente.
A infecção com pernas que insiste em invadir minha órbita.
Sério… ele não pode simplesmente ficar calado?
— Meu nome é Erdwahn. O que está fazendo aqui?
— Foda-se! — ele passa por mim como um parasita que nunca aprendeu limites. Suas mãos nojentas pousam nos meus ombros com intimidade — Aliás, cê tá gastando Caos à toa… ainda tá em sua Essenz, né? — diz com aquele sorriso, aquele maldito sorriso.
Meus olhos arregalam levemente.
— Ah…
Não notei.
Não percebi o escoamento.
Será isso?
Por que não senti a Caos se dissolvendo em minha essência?
Isso… deveria ser natural.
Essa conexão deveria me obedecer.
Deveria ser minha serva.
— …Depois eu desfaço — murmuro, tentando parecer indiferente — Não há por que me importar com uma fração tão pífia de energia…
— Você que sabe, suricato…
Meu punho se ergue por impulso.
Quase o acerto.
Ele recua — claro que recua.
Mas o sorriso…
O maldito sorriso permanece.
Era isso que queria?
— Não me chame assim…
— Foda-se! — ele abre os braços, zombando de mim como se estivesse em um palco — Por que não me acerta um soco bem dado? Hein, suricato? Vai, mostra a garra da tua rebeldia!
Eu respiro fundo. Me seguro.
Meus punhos cerrados tremem.
— Não vale a pena — digo — Se quiser uma luta de palco, podemos fazer… Mas se prove primeiro. Você não é o corajoso que mal saiu do berço? Então vai. Vai até o Intermédio…
Um silêncio pesa por meio segundo.
E naquele instante, tudo em mim arde com a certeza de que…
Mesmo sangrando por dentro, ainda sou mais digno que ele.
— Tá, agora falou minha língua!
Ele parecia genuinamente animado.
Claro.
Um idiota desses ficaria feliz até com a própria sombra.
Se tiver sorte… vai acabar morrendo pelas mãos de algum azarado qualquer.
Imagina só… lutar com esse cara?
Esse mala?
— Deve tá duvidando de mim, né?
Tô.
Mas nem respondo.
Por que ainda tá aqui?
Sério mesmo… vaza.
Desaparece, serpente.
— Não, você não ocupa tanto assim minha cabeça — reviro os olhos — Aliás, já esqueci… por que ainda está aqui? Hein?
— Mentiroso!! — ele dá um tapa nas minhas costas. Como se fôssemos… irmãos. Como se tivesse direito.
Mas o que sinto é nojo.
É como se um verme tivesse encostado em mim.
Repulsivo.
— Não me toque…
— Não se preocupe, tá? Eu vou voltar bem… e com a cabeça de um guardião nas mãos… hehehe!
Quase sorri.
Quase.
Mas me contive.
Porque a melhor parte veio logo depois:
Ele começou a ir embora.
A esperança que senti ao vê-lo se afastar… foi quase espiritual.
Mas, é claro, ele não conseguiria simplesmente sumir em silêncio.
— Aliás… viu que o nosso chefe saiu do trono?
— O quê?
Algo fisgou meu peito.
Não foi físico. Foi mais fundo.
Como se uma corda invisível tivesse puxado algo dentro de mim.
— Ele saiu? — meus olhos apertaram — Para onde foi?
— Não sei — deu de ombros — Só sei que tava agitado. Feliz, até… nunca o vi assim.
Feliz?
O chefe?
Aquilo me deixou inquieto.
Será?
O que, nesse mundo apodrecido, o animou tanto?
— Certo…
— Tá preocupado?
— Não — desviei o olhar — Só não sabia que ele seria tão rápido… mal fiz o que ele ordenou…
— Mais de dois mil anos selado e você acha que ele foi rápido? — ele riu, e dessa vez… tinha razão.
Nosso “chefe” não se move por impulso.
Ele já sabia tudo o que faria há milênios.
— Enfim… vamos sair. Ver o que mudou — ele abriu os braços para o nada — Afinal… estamos presos a um tempo, né?
— Mal lembrei disso…
É.
Presos ao tempo.
Mas não importa.
Não faz diferença se eu piso em neve, em lava, ou em um vazio sem luz —
A única diferença…
Está aqui.
No que arde dentro do meu peito.
Quero entender…
Quem sou.
O que sou.
Enquanto uns estariam satisfeitos em ter um papel qualquer…
Em se contentar com o conforto de um nome, um teto, e o calor de necessidades básicas supridas…
Eu não.
Quero saber o que verdadeiramente sou.
Quando atravessa o absurdo do existir até encontrar minha essência, selvagem e impossível de negar.
Como Noctherr.
Eu quero isso.
Quero poder olhar para o mundo — e não desviar o olhar.
E o desafiar com essa certeza.
Não com orgulho, nem com títulos.
Mas com verdade.
Com identidade.
E quando eu souber…
Quando eu souber…
Não vai sobrar nada no caminho.
Será…
Será que, quando enfim o fizer,
quando tocar essa essência oculta e me erguer com um nome que seja só meu…
Eu o seguirei como minha verdade?
Ou…
Encontrarei uma verdade só minha?
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