Seus passos faziam o gelo estalar.

    Era pesado. Não como uma baleia — ou a porca gorda que você não para de engordar.

    Sim, falo literalmente do animal e não de qualquer pessoa da sua família, caso precise de um desenho.

    Ao redor, tudo parecia se contrair.

    Sua Chaoswirt, Zwangsleere, já se derramava como uma exalação tóxica, impossível de conter.

    Como uma Smoke no TR, espalhando um perfume levemente demoníaco só para lembrar que até o ar ali parecia conspirar contra a sanidade.

    E ali, orbitando sua presença, a criatura — claro, a manifestação de sua essência, o avatar de sua Bösespiegel — uma pequena salamandra do vazio, flutuava preguiçosa, como se devorasse o ar só por existir.

    Meu senhor? Para onde vamos?

    Sua voz era adocicada. Talvez o único fiapo de doçura que jamais ousou encostar no coração dele.

    — Egel… vamos a um lugar onde uma cobra preguiçosa descansa suas escamas…

    Ahn? Uma cobra, meu senhor?

    — Sim…

    É mais um de seus trocadilhos ou só outra provocação poética?

    — O que mais seria, Egel? Vai fingir que se surpreende?

    Ah… entendo… quem o traiu desta vez?

    — Veras… — respondeu, quase cuspindo a última sílaba, antes que a brisa gélida fosse rasgada pelas novas presenças.

    Quando o último som pendia, três sombras se ergueram, como se brotassem do próprio chão congelado.

    Três avatares do caos, enrolados em mantos felpudos que nada escondiam da pele pálida e dos olhos famintos.

    Eram os nomeados daquele andar. Alguns reis ergueram impérios, colecionaram seguidores devotos, tudo por uma razão que irritava até a última camada da existência desse ser.

    Afinal… tudo isso era tão deliciosamente… antinatural.

    — Ah, claro… vocês, enfim, vieram me interceptar… os peões.

    — Então ousou subir mesmo, Noctherr… — rosnou o de juba vermelha, uma cabeleira que mais parecia a crina de um leão morto.

    Seria a do leão pendurada no seu ombro? Essa pele que ele finge vestir como troféu.

    — Me conhece? — Notou, de relance, aquilo que nenhum outro veria — Mesmo com tão pouca idade?

    — Pouca? Ah?

    Já o outro, com a pele de lobo costurada no ombro, riu, deixando o único olho brilhar.

    Tinha uma cicatriz horrenda atravessando o lugar onde o outro globo ocular deveria estar. Era certo, pela posição à frente do ruivo, que eram seus subordinados.

    Mas nem por isso eram menos do que ele.

    A guarda do rei — conhecidos como os Die Frostmauer.

    O terceiro, calvo, parecia um corvo despido, segurava seu próprio manto como se fosse a única dignidade que lhe restava.

    — Como… sabe que sou jovem? Não há rugas, não há sinais de tempo na carne, nem a menor rachadura no meu Caos… Por que abrir essa boca imprestável para supor o impossível?

    — Ué… você não sabe?

    Foi tudo o que disse, uma lâmina cravada direto no peito de seu desafiante.

    — Como ousa?!

    Enquanto sorria torto, mas antes que qualquer outra indagação escapasse de sua mente, sentiu a ponta do ataque rasgar seus sentidos e estacar, trêmula, rente ao peito do maldito.

    — Vai mesmo interromper a conversa?

    Encarando nos olhos do caolho, o ar de Capitão Gancho. Mas muito mais digno de um creepypasta mal contada do que de qualquer conto infantil.

    — Me desculpe, capitão… — balbuciou, mas a mão tremia, fincada em nada — Não viemos aqui tagarelar com esse pedaço de escuridão! Nossa ordem é clara: matá-lo!

    E, no entanto, a lâmina que conjurara, sua Schwindgier, não penetrava. Mal roçava aquela barreira invisível, que pingava em forma de uma aura densa, opaca, impossível de atravessar.

    Por que… é tão difícil passar?! Grr… nem com minha… minha Chaoswirt!

    O golpe se partiu no ar quando um clarão negro riscou o chão à frente sem um único movimento, sem aceno algum, pura manifestação bruta.

    Fazendo-o recuar sem pestanejar, o gosto de ruína rasgando a garganta.

    Por um segundo, teve certeza: seria seu fim ali mesmo.

    — Se não fosse por míseros milésimos, já estaria desossado!

    Caramba… ele não se moveu? Ou fui eu que não fui capaz de acompanhar?

    Pensou o careca, nervoso o bastante pra suar num clima que congelava ossos.

    — Como ativou sua Chaoswirt sem nenhuma manifestação?

    O confrontou, já ajoelhado, depois do fiasco da fuga.

    — Ué… você também não se manifestou… — Num tom tão casual que feriu mais do que a lâmina.

    — Não… isso faz parte da minha. Ela é astuta… como um assassino de aluguel: não deixa rastros, só quando decide o golpe final. Mas a sua… é… como um abismo engolindo tudo!

    Caos… ele ressoava entre eles. Como se fossem palavras sussurradas, mesmo sem boca que as dissesse.

    Intenções nuas, escancaradas: destruição, abismo, coragem. Tudo convergia num único pulso caótico e devorador.

    — Giermund… — O ruivo tocou seu ombro, mas a expressão carregava um susto mal engolido.

    — Lorde Leonhart… o que foi?

    Não precisou de resposta. Quando olhou, o braço esquerdo já não estava lá. A adrenalina ainda o poupava da dor, mas o vazio latejava mais alto do que qualquer grito.

    O ataque o atingira de um jeito tão cru que sua percepção sequer registrou.

    Era como estar num tabuleiro jogado por alguém num nível muito acima do seu.

    — Esse maldito… — rangeu, encarando o autor da desgraça.

    E, no reflexo gelado do olhar do outro, só viu a certeza: não havia escapatória quando o abismo decidia engolir alguém.

    — Agora… digam os nomes. Quero saber exatamente quem vou arrastar para a ruína!

    Os três se puseram em posição. E, por um instante, até a salamandra do vazio pareceu abrir os olhos.

    Não havia por que brincar com testes inúteis — em seus lábios, o grito de Essenz! já fervilhava, pronto pra rasgar a garganta.

    Dariam tudo de si para deter aquele que, sem piscar, acabaria com a gestante do mundo.

    Vai enfrentar três sombras de elite, meu senhor?”

    Mesmo para ele, era um feito digno de ecoar pela vastidão das profundezas.

    — É… quem seria eu se não fosse capaz de devorar três ratos? Minhas garras jamais encostariam em Elohim!

    Seria o primeiro confronto do mais temido dos seres. Até os céus, e o próprio Intermédio, torceriam pelos três desafiantes.

    Que tudo acabasse ali, sem um massacre, sem uma nova fenda no mundo — tudo pelo equilíbrio… TUDO!

    ÚLTIMO CAPÍTULO ESCRITO AQUI!

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