— E como faremos isso? — enfim, Emet Tzalul se pôs na conversa, sua voz ecoando como um riacho calmo.

    Era o mais jovem entre todos, não carregava nem um ano de cargo.

    Seus cabelos em dreads pingavam, encharcados como seu corpo, moldado em água cristalina que fluía a cada movimento. Suas vestes não eram tecido, mas sim seu Eco — um manto vivo, translúcido como as águas de um rio.

    Sob o brilho suave do Yadelohim, o contraste com o tom escuro de sua pele tornava-o ainda mais etéreo, como um fragmento da verdade.

    — Iremos selá-lo! — respondeu Elohim, sem titubear.

    Emet franziu o semblante, gotículas escorrendo de suas sobrancelhas.

    — Ué… mas… esse método não era disfuncional?

    — Era — Admitiu — Mas Noctherr não poderá influenciar coisa alguma se estiver preso em mim. Sou a neutralidade de tudo. Vou prendê-lo em um ciclo, uma falsa equivalência… onde o fim não devora o começo, onde não existe nada a ser superado além do limite entre o início e o meio. Um loop de vazio. Mas saibam… será nossa última cartada! Se eu fizer isso, jamais poderei reger este lugar novamente. E, sem mim, os deuses poderão enfim se voltar contra nós!

    Um suspiro contido pareceu percorrer os quinze tronos.

    — Então… — murmurou Meris — teremos que dar um jeito de pará-lo de qualquer forma?

    Elohim fitou cada rosto.

    — Vocês devem tentar detê-lo. Se ele não for contido nas profundezas por pelo menos mais mil anos, não haverá lacre que o segure depois. Nós o manteremos contido… nem que seja à força… até que o fim se complete!

    O mais velho, Yotzer, ergueu a cabeça, os fios da barba roçando o mármore brilhante.

    — Mas por que adiar tanto? Senhor… independente de como façamos, teremos de enfrentar esse caos uma hora ou outra, não?

    Elohim assentiu, um lampejo de algo como pesar cruzando seus olhos.

    — Os deuses não nos atacaram ainda… mas não tardarão. Ainda tremem diante de um medo que floresce na luz… medo do que existe na escuridão! Se Noctherr se unir a mais sombras, não será só ele que se tornará um flagelo. A guerra não tem misericórdia… e não poupa ninguém.

    A palavra pairou pesada, como se o teto rangesse sob o fardo que todos ali estavam prestes a carregar.

    — Resumindo… — Hillel estalou a língua, revirando os olhos como quem reclama da vida num bar sujo. Um vagabundo profissional quando o assunto era suas obrigações — Vamos ter que sacrificar até nosso último suspiro em prol dessa guerra! Saco! Saco! — Se levantou de supetão, a manta escorrendo do peito direito — Mas a pergunta é: como faremos caso esse maldito invada nosso mundo?

    — Iremos concentrar a batalha aqui.

    Hillel deu uma gargalhada curta, quase debochada.

    — Como vamos guerrear nesse… cúbico?

    — Não se engane. Esse “cúbico” é maior que uma cidade inteira. Aliás… ele se expande, se molda, defende e devora o que ousa enfrentá-lo.

    Enquanto falava, uma torrente de luz se ergueu de sua palma aberta. Seu Eco se abriu como um véu de constelações vivas, estrelas pulsando e orbitando ao redor de seus dedos. No centro da câmara, a projeção tomou forma: um holograma, que se expandiu até preencher o espaço entre os tronos.

    Era uma estrutura colossal — exatamente idêntica àquela em que estavam.

    — Ela é conhecida como a Destruidora de Mundos. Foi assim que os deuses perderam a guerra passada: quando ela despertou. Assustadora, não acha?

    — Caceta…

    Elyah deu uma risada.

    — Isso porque ele não viu o que acontece quando toda essa energia é concentrada num único disparo… Sabe a cratera entre realidades? A fenda que usamos pra acessar o mundo terreno? Ehr… aquilo foi só UM disparo.

    — A p-p-p-passa… a passagem entre m-mundos?! — gaguejou, mas não de medo, era puro entusiasmo.

    Seus olhos azuis ardiam como se tivesse acabado de achar um brinquedo novo.

    — Então estamos seguros, no fim das contas? — rosnou Liora.

    — Não. Seguros estaríamos se pudéssemos fazer o que quiséssemos, quando quiséssemos. Mas o ideal é levar todos os extremos ao limite apenas quando não restar mais nada. Este poder… — Gesticulou encarando o holograma — É nossa penúltima chance. Mas o que vier antes disso… ainda dependerá de cada um de nós!

    — Então… — a voz soou de novo, grave, enquanto o Guardião se erguia, os olhos faiscando, o senhor era a própria imponência encarnada — iremos segurar o Lorde… mas só a gente? Ou vai pôr nossos servos e braços direitos em campo também?

    — Só vocês — Sem hesitar, a sentença soando como um portão se fechando atrás deles — Eles… vão cuidar das exceções. Sombras pequenas demais para cair nos meus domínios. Até minha rede tem um limite: os peixes grandes ficam presos… mas os menores… sempre escapam.

    — Conseguirá segurar um embate de quinze Guardiões Superiores e sombras de elite? — Elyah avançou um passo — Me diga que sim!

    — Sim! Afinal… eu não vou mais reger só o intermédio. Vou reger os eventos e contê-los aqui, onde posso dobrar as regras se precisar.

    — Certo! Certo! — Liora enfim se levantou, ajeitando o manto como quem veste a própria fé — Agora sim… botei fé nisso! Será uma guerra entre os mais fortes!

    — Que vençam os melhores! — disse Emet, se debruçando preguiçosamente no trono — Até lá… o que faremos?

    — Iremos esperar! Não posso desfazer e refazer este espaço toda hora. Então, até segunda ordem, mantenham seus ânimos contidos. E torçam… torçam para que esses mil anos ocorram e sejam suficientes para frear esse insaciável.

    No centro da câmara, o holograma se desfez em milhões de fagulhas.

    O brilho que preenchia as paredes deu lugar a uma penumbra densa, real.

    O silêncio caiu pesado, uma decepção fria se estampou nos rostos.

    Só o velho Yotzer sorriu de canto, a venda de escuridão sobre os olhos tremulando como se soltasse um suspiro contido.

    — Ótimo, Senhor… — murmurou — Esse tempo será mais que suficiente pra ensinar esses jovens… — Ele se virou devagar, as bordas do manto roçando o mármore, e ao passar por Elyah, até virou o rosto, num gesto quase teatral — …um pouco de disciplina!

    Que franziu o cenho.

    — Ehr… Por que fez isso aí, velho?

    — Porque você… você é um caso perdido, Elyah — Então, sem pressa, puxou a venda para baixo, revelando não olhos, mas cicatrizes fundas, queimadas pela própria escuridão que um dia ousou fitar — E além disso… é velho como eu!

    — Ah, seu cego safado!

    — Seu velho enrustido! — devolveu, num estalo.

    Mas no fundo, até ele sabia que aquela provocação era só uma forma torta de respeito.

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