A conversa caiu como poeira, aos pés de ambos.

    Para uns, revelações. Para o outro, só mais uma camada de pó cobrindo o que já era difícil de enxergar.

    Claro…

    Um tolo e ignorante tentando se sobressair diante daquele que parecia carregar o peso do saber absoluto.

    Um duelo tão justo quanto jogar xadrez contra um relógio.

    E, ainda assim, tudo o que o garoto precisava aprender estava ali, escondido, como um livro que insiste em se fechar sempre na melhor parte.

    — Certo… então, começaremos pelo mais difícil e demorado!

    Foi como um balde de água fria jogado em seu rosto.

    O corpo estremeceu, quase por reflexo.

    — Ehr… mais difícil?

    — Sim! Assim tudo será mais fácil.

    Irônico. Contraditório.

    A lógica soava tão convincente quanto aprender a nadar jogado no meio do oceano.

    E, de algum jeito, fazia sentido.

    As coisas haviam chegado aos finalmente e isso sempre agitava o calvo, como se o simples ato de concluir fosse um esporte.

    Das sombras de suas vestes, retirou um cubo negro, perfeitamente esculpido, cujas arestas cintilavam como lâminas sob a luz do ambiente.

    Segurava-o com a delicadeza de quem reencontra um velho amigo.

    Seus olhos profundos, refletiam o objeto como se nada mais existisse no mundo.

    — Este é o melhor método para a autorreflexão. Ele levará você a uma comunicação íntima consigo mesmo.

    — Um cubo mágico? — a descrença escorreu da voz de Cael, quase rindo.

    Maior até que a do Palmeiras no mundial.

    — Exatamente. Este cubo permitirá que você veja e compreenda o Eco que flui por você…

    — Como? Isso é meio… Nerd… não?

    — Nerd? — repetiu, inclinando a cabeça como se provasse uma palavra estrangeira, rara demais para existir.

    — É… não sabe, né?

    — Não — Um breve silêncio — Enfim. Será melhor se ver. Mas antes vou explicar, para que não entre em pânico.

    Ergueu-o. Agora pulsava em sua mão como um coração, uma vontade viva, emanando pura existência.

    Um fragmento do vazio, derretido e forjado com um novo sentido.

    — Um dia? Prisão? — engoliu seco, a voz falhando — Cara… sei não. Não parece bom. Se eu ficar com fome? Com sede? Eu não gosto dessa ideia de ir em cana, não.

    — Não morrerá.

    E, de repente, morrer pareceu a única sentença verdadeiramente confiável.

    — Mas…

    O ar lhe faltou.

    Era como se já estivesse dentro do cubo, mesmo sem tocá-lo.

    Sua mente o sabotava mais do que qualquer outra coisa… Já falhou, já morreu…

    — Você só me mete em B.O., hein? — quase chorou, como uma criança birrenta que era — Mas vai… fala aí…

    — Você não entende, mas farei você entender… — Estalou os lábios, aquele velho costume de ancião — E é bom que sinta seu corpo clamar por alimento, sabia? Não há forma maior de se conectar com sua mente e seus devaneios.

    Foi demais.

    Sobreviver a uma entidade que quase o matou já era loucura suficiente.

    Agora, definhar de fome? Era pedir que a paciência se esfarelasse junto do corpo.

    — Maluco! — gritou, nervoso, a voz mais alta do que gostaria.

    Mas não foi mais rápido que o gesto seco, o tal lançado em sua direção.

    Diante de sua vista, um trem desgovernado.

    O pobre coitado desviou, quase tropeçando nos próprios pés.

    Por um instante, imaginou ter garras — porque, no fim, por muito menos já se perde a vida.

    Mas aquele grande tigre de aço não passava de um cubo: energia em seu estado mais puro, ainda que nada tivesse de proporcional ao tamanho que sua mente lhe dava.

    — Tá maluco?! Quer me matar?!

    O objeto bateu no chão. O som foi ridiculamente leve.

    Quase um insulto.

    — Hã?

    Nem entendeu.

    O peso era tão irrisório que mais lembrava uma pena esquecida ao vento.

    Sentiu a própria miséria arrastá-lo de volta ao lugar de costume, abaixo de todos, refém da ignorância e cúmplice fiel da vergonha.

    Tururu…

    Pensou, fitando o chão.

    — Você é burro? Acha mesmo que eu ia jogar algo pesado pra te matar?

    Teve que se segurar para não rir da situação.

    — Ehr… — e, no fundo, tinha certeza de que sim.

    Ele é capaz de arrancar minha cabeça só pra provar o ponto… Pensou, e, meio sem jeito, se abaixou, pegou-o e o ergueu entre as mãos, como quem segura uma granada prestes a explodir.

    Por um instante, sua mente o traiu: braços sem mãos, sangue no chão.

    Mas bastou um piscar, e tudo voltou ao lugar.

    — E como faço isso, hein? Não que eu vá fazer agora…

    Olhou para os lados. Nada firme, nada inteiro.

    A confiança que transmitia era a mesma de um bandido tentando sorrir para um policial.

    — Diga que quer se conhecer.

    — Só isso? Tipo… “quero me conhecer”?

    Mal a frase escapou, sua vista foi engolida pela escuridão.

    O ceticismo no rosto se contraiu num meio sorriso nervoso.

    — Sério?

    Os músculos travaram, como se tivesse tocado em um fio desencapado.

    — Eu me odeio…

    A sinceridade que antes faltava agora lhe caía como uma luva.

    — Merda…

    Um idiota completo.

    Mas, ao menos, finalmente em seu devido lugar.

    E do lado de fora…

    O guardião riu baixo, o som ecoando como se zombasse até do silêncio.

    Virou-se de costas, e o pequeno cubo, antes inofensivo, se expandiu diante dele, transformando-se num imenso bloco — não de pedra, mas semelhante aos de concreto, exalando energias em tons de azul que se espalhavam pelo espaço como maré silenciosa.

    — Espero que aprenda algo… garoto…

    — Então… isso aqui é uma prisão… — murmurou alto, a voz ecoando sem retorno. Sentou-se devagar, dobrando os joelhos, e ali uma verdade amarga começou a ganhar cor — Por que é tão escuro…

    Até mesmo diante de coisas inimagináveis — viajando para outro mundo, ganhando novas perspectivas — ainda sentia medo do escuro.

    Não só dele… mas do que encontraria ao olhar para si. E olhar para si era ver a coisa mais abominável, um monstro pequeno, que incomodava somente a si, e o rasgava…

    Passaram-se minutos.

    A alegria que o fazia responder com sarcasmo sumia. Não havia ninguém para ouvir.

    Mais…

    O nervosismo de estar sendo visto, era tomado pelo de não estar.

    O corpo sempre cheio demais.

    — O que eu tô fazendo da minha vida? Será que a mamãe tá bem? — murmurou, e as dúvidas bateram em sua mente como ondas.

    Angústia.

    Talvez o ser humano só perceba a falta… quando já não há mais nada a que se agarrar.

    ÚLTIMO CAPÍTULO ESCRITO AQUI!

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota