— Lorde Leonhart? — a voz ecoou como uma gaveta antiga. Era uma sombra tão velha quanto a Via Láctea; sua barba longa caía aos pés, enredada em nós de eras, e um dos olhos era apenas um vazio cicatrizado, morto há muito tempo.

    A presença dele parecia pesar mais que a própria sala. Quase um ancião saído de um JRPG, envolto em memórias e tragédias.

    O segredo? Uma garrafa de Lügenbräu, muita história de pescador e, claro, um semestre cursado com o Mestre dos Magos e Peter Jordan.

    — Você sentiu… — perguntou, baixo mas firme. A bengala que segurava, de madeira, enfeitada com runas apagadas e um topo de metal fosco bateu contra o chão maciço de cristais eternos.

    Por um instante, tudo pareceu parar: o ar frio se comprimiu, pequenas faíscas de energia se ergueram do impacto e cintilavam no ar.

    — Com o fim do Alfa?

    — Como não!? — rugiu Leonhart, sentado em um trono de cristal que respondia à sua ira; parte das gemas se partiu em estilhaços que caíram e tilintaram pelo chão — Aquele idiota… se sacrificou por nós! Isso é uma atitude de líder? — seus punhos cerraram-se, os nós dos dedos rangendo como engrenagens prestes a quebrar.

    O olhar dele percorreu cada rosto ao redor, sombras sem feições nítidas. Um toque cálido, inesperado, pousou-lhe no ombro, a mão firme e quente de Giermund, lembrando-lhe que ainda havia aliados.

    Calma… — murmurou Giermund.

    Irônico… ser ele, justamente ele, quem lhe oferecia apoio.

    — Não! — o velho rugiu de volta, depois afundando-se em um dos bancos rústicos de madeira espalhados pelo grande salão. O lugar inteiro era medieval, cheirava a ferro e álcool; mais de cem sombras, guerreiros e espectros veteranos, seguiam ali o senhor eterno e gélido — Ele era um rei mais humano do que sombra… e por isso era o melhor! — suspirou, pesado, e por um instante pareceu menor, esmagado pelo peso de eras.

    O silêncio caiu como neve. Até que o Lorde ergueu o braço e, com ele, a voz, quebrada mas obstinada:

    — E agora? — sua respiração tremia, escondendo as lágrimas atrás do antebraço — O que faremos? Ele se foi para deter aquele maldito… devemos fazer o mesmo?

    — Devemos! — respondeu alguém ao fundo, sombrio, quase inaudível; a palavra se arrastou como um sussurro.

    E então, quando a última letra morreu no ar, um silêncio pesado caiu sobre o salão.

    — É isso…

    Até que, como uma onda subterrânea rompendo o chão, todos os demais responderam ao mesmo tempo; um coro rouco, ancestral, misto de raiva e luto, fez as colunas de pedra tremerem e vibrou pelos vitrais mortos.

    Isso surpreendeu o Lorde, seus olhos se estreitaram, como se a resposta coletiva tivesse golpeado algo dentro dele.

    — Mas antes… precisamos decidir como! — alguém rugiu.

    Mas não foi mais rápido que Zweifel.

    A sombra ergueu-se antes que a própria ansiedade de Leonhart tomasse forma; a presença dele cortou o ar como lâmina, impondo silêncio imediato no atual líder.

    Só endireitou-se e levou a mão no queixo.

    — Então vamos votar — Inspirou fundo, encarando cada presença que o fitava na penumbra — Vamos libertar o grandioso Glaswyrm? Mesmo que ele leve este andar inteiro e nossas vidas com ele… ainda assim, ele não deixaria o Vazio vagar à vontade. Não é?

    — Se a gente morrer e a paz reinar… terá valido a pena!

    Alguns rostos se curvaram; outros ardiam em fúria, não por discordância, mas pela certeza de entregar a própria vida por algo maior que si mesmos.

    — Dizem que o movimento do seu corpo gera ondas capazes de romper o espaço… é verdade?

    Olhou para o velho.

    — Sei lá! — resmungou, bem irritadinho — Não sou mais velho que um conceito!

    Os dedos arranharam os apoios; um estalo seco quando ele bateu o pé, chamando todos para si.

    — Mas… estão mesmo dispostos a aceitar esse fim?

    — Qual a dúvida?

    — Nenhuma, velho… — suspirou, o olhar perdido — Eu gosto daqui… irônico pensar que nasceu para ser prisão e gelo, mas virou lar. Não sentem pesar?

    — Irônico, triste é… mas temos que fazer ne?

    A melancolia não era apenas transparência; estava em cada gesto. E em outro plano, no intermédio, Elohim deixou cair os ombros ao sentir e ouvir as informações que atravessaram seu ser.

    Virou-se, deixando seus guardiões alheios, conversando entre si.

    Você está aí… Eisfürst?

    Estou…

    E então? Conseguiu freá-lo?

    Consegui… está sem a força externa que o sustentava. Provavelmente irá prevalecer apenas quando estiver vazio o bastante para se espelhar a si…

    Desculpe.

    Sentimento estava além de conceitos cósmicos e da própria onipresença.

    Pelo quê?

    Graças ao seu sacrifício e à sua prole talvez possamos vencer… mas é injusto ter pedido isso quando tudo parecia dar tão certo.

    E o que há para lamentar? Tudo deu certo, afinal. E… eu sempre fui egoísta demais para não ser altruísta!

    Isso não faz sentido…

    Não! Haha… e é por isso que sou eu: uma sombra que ri de si mesma.

    E falaremos? Mais?

    Não sei… você deve saber, ó Senhor dos Senhores…

    Sim… falaremos, Senhor Eterno.

    Assim terminou a ligação extradimensional.

    Restava apenas o som, o ruído, ou a sensação da junção das essências.

    Mas, interrompendo o instante, nosso guardião favorito decidiu fazer o que sabia de melhor: encher o saco do seu preferido.

    — E aí? — Elyah apoiou os ombros na mesa que rodeava a entidade e a separava com seu trono — Cê tá bem?

    — Por que não?

    — Sei lá… você tá fazendo careta…

    — Careta? Ah… eu não aguento você…

    Assim que falou, deu um passo adiante, e naquele instante compartilhou sua cosmovisão. O outro se assustou ao ver, de súbito, o eixo dos três mundos projetado como uma única visão.

    — É assim que vê?

    Via a profundidade, o intermédio e o topo em um só olhar. Mas apenas a totalidade do lugar onde viviam lhe era revelada.

    — É… minha onisciência está limitada aqui. Contudo, minha cosmovisão se entrelaça aos outros fragmentos… Se eles me permitirem…

    — Que chato! Iria amar ver as deusas tomando banho! — disse com um sorriso de canto — Se fosse um brasileiro aqui… já dava um jeito de ficar rico com essa cosmovisão… — acrescentou, colocando as mãos na cintura.

    — Você entendeu?

    — O quê? Fala com palavras!

    — Que… — sua voz falhou, ou talvez ele mesmo tenha se privado de concluir — Entendeu?

    E no ar, suspensa, permanecia apenas a pergunta: entendeu?

    ÚLTIMO CAPÍTULO ESCRITO AQUI!

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