Capítulo 48 - Novas perspectivas
— Lorde Leonhart? — a voz ecoou como uma gaveta antiga. Era uma sombra tão velha quanto a Via Láctea; sua barba longa caía aos pés, enredada em nós de eras, e um dos olhos era apenas um vazio cicatrizado, morto há muito tempo.
A presença dele parecia pesar mais que a própria sala. Quase um ancião saído de um JRPG, envolto em memórias e tragédias.
O segredo? Uma garrafa de Lügenbräu, muita história de pescador e, claro, um semestre cursado com o Mestre dos Magos e Peter Jordan.
— Você sentiu… — perguntou, baixo mas firme. A bengala que segurava, de madeira, enfeitada com runas apagadas e um topo de metal fosco bateu contra o chão maciço de cristais eternos.
Por um instante, tudo pareceu parar: o ar frio se comprimiu, pequenas faíscas de energia se ergueram do impacto e cintilavam no ar.
— Com o fim do Alfa?
— Como não!? — rugiu Leonhart, sentado em um trono de cristal que respondia à sua ira; parte das gemas se partiu em estilhaços que caíram e tilintaram pelo chão — Aquele idiota… se sacrificou por nós! Isso é uma atitude de líder? — seus punhos cerraram-se, os nós dos dedos rangendo como engrenagens prestes a quebrar.
O olhar dele percorreu cada rosto ao redor, sombras sem feições nítidas. Um toque cálido, inesperado, pousou-lhe no ombro, a mão firme e quente de Giermund, lembrando-lhe que ainda havia aliados.
Calma… — murmurou Giermund.
Irônico… ser ele, justamente ele, quem lhe oferecia apoio.
— Não! — o velho rugiu de volta, depois afundando-se em um dos bancos rústicos de madeira espalhados pelo grande salão. O lugar inteiro era medieval, cheirava a ferro e álcool; mais de cem sombras, guerreiros e espectros veteranos, seguiam ali o senhor eterno e gélido — Ele era um rei mais humano do que sombra… e por isso era o melhor! — suspirou, pesado, e por um instante pareceu menor, esmagado pelo peso de eras.
O silêncio caiu como neve. Até que o Lorde ergueu o braço e, com ele, a voz, quebrada mas obstinada:
— E agora? — sua respiração tremia, escondendo as lágrimas atrás do antebraço — O que faremos? Ele se foi para deter aquele maldito… devemos fazer o mesmo?
— Devemos! — respondeu alguém ao fundo, sombrio, quase inaudível; a palavra se arrastou como um sussurro.
E então, quando a última letra morreu no ar, um silêncio pesado caiu sobre o salão.
— É isso…
Até que, como uma onda subterrânea rompendo o chão, todos os demais responderam ao mesmo tempo; um coro rouco, ancestral, misto de raiva e luto, fez as colunas de pedra tremerem e vibrou pelos vitrais mortos.
Isso surpreendeu o Lorde, seus olhos se estreitaram, como se a resposta coletiva tivesse golpeado algo dentro dele.
— Mas antes… precisamos decidir como! — alguém rugiu.
Mas não foi mais rápido que Zweifel.
A sombra ergueu-se antes que a própria ansiedade de Leonhart tomasse forma; a presença dele cortou o ar como lâmina, impondo silêncio imediato no atual líder.
Só endireitou-se e levou a mão no queixo.
— Então vamos votar — Inspirou fundo, encarando cada presença que o fitava na penumbra — Vamos libertar o grandioso Glaswyrm? Mesmo que ele leve este andar inteiro e nossas vidas com ele… ainda assim, ele não deixaria o Vazio vagar à vontade. Não é?
— Se a gente morrer e a paz reinar… terá valido a pena!
Alguns rostos se curvaram; outros ardiam em fúria, não por discordância, mas pela certeza de entregar a própria vida por algo maior que si mesmos.
— Dizem que o movimento do seu corpo gera ondas capazes de romper o espaço… é verdade?
Olhou para o velho.
— Sei lá! — resmungou, bem irritadinho — Não sou mais velho que um conceito!
Os dedos arranharam os apoios; um estalo seco quando ele bateu o pé, chamando todos para si.
— Mas… estão mesmo dispostos a aceitar esse fim?
— Qual a dúvida?
— Nenhuma, velho… — suspirou, o olhar perdido — Eu gosto daqui… irônico pensar que nasceu para ser prisão e gelo, mas virou lar. Não sentem pesar?
— Irônico, triste é… mas temos que fazer ne?
A melancolia não era apenas transparência; estava em cada gesto. E em outro plano, no intermédio, Elohim deixou cair os ombros ao sentir e ouvir as informações que atravessaram seu ser.
Virou-se, deixando seus guardiões alheios, conversando entre si.
Você está aí… Eisfürst?
Estou…
E então? Conseguiu freá-lo?
Consegui… está sem a força externa que o sustentava. Provavelmente irá prevalecer apenas quando estiver vazio o bastante para se espelhar a si…
Desculpe.
Sentimento estava além de conceitos cósmicos e da própria onipresença.
Pelo quê?
Graças ao seu sacrifício e à sua prole talvez possamos vencer… mas é injusto ter pedido isso quando tudo parecia dar tão certo.
E o que há para lamentar? Tudo deu certo, afinal. E… eu sempre fui egoísta demais para não ser altruísta!
Isso não faz sentido…
Não! Haha… e é por isso que sou eu: uma sombra que ri de si mesma.
E falaremos? Mais?
Não sei… você deve saber, ó Senhor dos Senhores…
Sim… falaremos, Senhor Eterno.
Assim terminou a ligação extradimensional.
Restava apenas o som, o ruído, ou a sensação da junção das essências.
Mas, interrompendo o instante, nosso guardião favorito decidiu fazer o que sabia de melhor: encher o saco do seu preferido.
— E aí? — Elyah apoiou os ombros na mesa que rodeava a entidade e a separava com seu trono — Cê tá bem?
— Por que não?
— Sei lá… você tá fazendo careta…
— Careta? Ah… eu não aguento você…
Assim que falou, deu um passo adiante, e naquele instante compartilhou sua cosmovisão. O outro se assustou ao ver, de súbito, o eixo dos três mundos projetado como uma única visão.
— É assim que vê?
Via a profundidade, o intermédio e o topo em um só olhar. Mas apenas a totalidade do lugar onde viviam lhe era revelada.
— É… minha onisciência está limitada aqui. Contudo, minha cosmovisão se entrelaça aos outros fragmentos… Se eles me permitirem…
— Que chato! Iria amar ver as deusas tomando banho! — disse com um sorriso de canto — Se fosse um brasileiro aqui… já dava um jeito de ficar rico com essa cosmovisão… — acrescentou, colocando as mãos na cintura.
— Você entendeu?
— O quê? Fala com palavras!
— Que… — sua voz falhou, ou talvez ele mesmo tenha se privado de concluir — Entendeu?
E no ar, suspensa, permanecia apenas a pergunta: entendeu?
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