— Por que está aqui? Por que seguiu as decisões que eles tomaram por você?

    A voz do brutamontes soou calma, inquisitiva — quase como a de um psicólogo em plantão —, enquanto Cael obedecia às suas instruções. Avançou com um soco direto, mas no instante do impacto, foi como esmurrar concreto.

    A dor subiu em espiral, do punho ao ombro.

    — Grr… cacete…

    Recuou, sacudindo a mão como quem espanta a realidade. Soltou um suspiro, entre o cansaço e a raiva.

    — Tu é uma muralha de aço, desgraça… — Balançando a mão latejante. Era impossível não se irritar. — Ehr… por que tá falando isso? Determinação? Que porra tem a ver?

    — É necessário. Não foi você quem disse que chegou aqui hoje? — a voz do brutamontes soou como um veredito gravado em pedra. — Pois então… agora eu sou teu mestre. Me comprometi a te ensinar, sabe o que isso significa? Hora extra, moleque… e sem direito a adicional noturno! — rugiu quase em desafio, recuando um pé, dobrando o joelho e preparando o golpe com a frieza de quem já sabe que vai acertar.

    O soco não o acertou — congelou a centímetros de seu rosto. Mesmo assim, uma ventania selvagem explodiu no espaço entre os dois, como se o ar em volta tivesse entrado em colapso.

    O pobre coitado sentiu. Cada célula do corpo tremeu. Cada fibra gritou em desespero.

    — Tá vendo isso?

    — Porra… como não?

    — Isso é só uma lasquinha… uma fração do que eu posso fazer. E sabe por quê?

    — Por que… hein?

    — Aura. Eu me envolvi com minha Aura de Eco. E você só vai alcançar isso quando alinhar sua mente com a sua determinação. Que, aliás, tem que estar cristalina… O que você quer ser? O que você quer fazer?

    Ele recuou, os pés vacilaram. As pernas falharam por um segundo e, antes que pudesse se segurar, caiu de joelhos.

    — Caramba…

    — Diga!

    — Tá… tá… — A respiração ofegante cortava as palavras, a voz rouca de tanto esforço — Quero sair daqui…

    — Perfeito! — Ele cruzou os braços novamente, impassível, como se já soubesse a resposta. — Mas só sai quando concluir o treinamento. Sacou? Cada segundo que você perder aqui… é tempo que você mesmo joga fora.

    — Tá bom! Tá bom… — Com um esforço visível, se ergueu, mas quase caiu de novo. — E como faço?

    — Primeiro, comece me respondendo: por que deixou que escolhessem por você? Poderia ter dado meia volta, já que disse que não queria estar aqui…

    — Sei lá, medo? Um cara tentou me matar, o outro me salvou… segui o bonzinho…

    — Não. É mais profundo! Se fosse só isso, você teria sido esperto o suficiente para se livrar do meu líder, mas vejo em seu coração… você não faz questão disso… — Era implacável, sem ceder. — É covardia? Não consegue tomar as rédeas de si? Traumas da vida?

    — Ehr… do que você tá falando?

    — Você não tem o hábito de tomar atitude, não é? Só foge das coisas… e, de alguma forma, você aceita isso como uma maneira de se livrar dos problemas, mas… a verdade é que você não se livra de nada!

    — Aí você me esculhambou!

    Era como olhar para seu pai, uma sensação de falha irrompendo. Suas mãos tremeram, sua voz se quebrou, seus olhos se turvaram. Algo queimava no seu peito, como se uma chama estivesse surgindo das cinzas da sua própria frustração.

    — Por que não voltamos para a parte onde você me reprova, hein?

    — Agora entendi… É isso. É isso que te trava. Por isso você não toca no teu Eco. Admita, você é um covarde!

    — Qual é… — a raiva brotou, mas o nervosismo também estava lá.

    — Admita!

    — Tá… tá… sou um covarde, é isso? Por isso perdi minha namorada, minhas chances na vida… Tá feliz, porra?

    — Estou. Agora entendi o que te impede de te conhecer. Você teme a frustração, mas, acima de tudo, depende demais dos outros. Essa falta de decisão te impede de ter poder sobre si — Após a análise, ele se virou com calma, lhe dando as costas. — Pois bem, vou te dar a primeira escolha. Pode ficar aqui, aceitar o treino por livre e espontânea vontade, ou pode… ir embora, e viver como um humano.

    — Mas… tem gente querendo me matar, cacete! Não é uma escolha justa!

    — Não é sobre justiça. É sobre você escolher. Quer lutar pela sua vida ou continuar dependendo dos outros? Não estou dizendo que o treino te levará mais longe, mas… você terá algo ao qual pertencer, se quiser. É sobre a coragem de assumir responsabilidades, de ter uma chance… mas não serei eu a alimentar sua covardia. A decisão é sua! — Com essas palavras, começou a caminhar, subindo até uma escada de cinco degraus, e abriu uma porta prateada ornamentada. — Vou terminar meu turno. Daqui a, mais ou menos, seis horas, estarei aqui. E veremos… o que você decidiu.

    — Tá…

    Engoliu seco.

    E… passou uma hora.

    Ansioso, vagava com os olhos pela paisagem, como se cada som, cada detalhe do ambiente, pudesse trazer alguma resposta.

    Duas horas…

    Suspirou e deu meia-volta, bufando.

    — Quem eles acham que são? Me julgando assim? Cacete… cacete… eu nem escolhi essa porra!

    Chegou a sair do campo, resmungando, mas quando deu três horas… Voltou. A boca seca, a língua áspera, como se tivesse mastigado poeira.

    — Que fome… será que tem pão e água por aqui?

    Cambaleando, se arrastou até a porta. As pernas estavam bambas, os pés pesavam.

    — Oi? Oh, grandão? Tem comida aí?

    Quatro horas.

    Se encostou na parede fria, encarando o portão como se esperasse que ele dissesse alguma coisa. Ninguém entrava, ninguém saía.

    Cruel pra caralho… pensou. Antes eu tava na minha correria… agora? Um condenado. Que merda eu fiz pra merecer isso?

    Não restavam mais piadas. Nem ironias. Quando sentiu a maçaneta da porta ranger, se jogou para trás com um sopro de esperança.

    — Grandão?!

    Silêncio.

    Cinco horas.

    E então… seis.

    A porta finalmente se abriu, revelando o gigante no alto da escada. Ele estava sentado no chão, quase cochilando, a bunda dormente.

    — Então?

    — Eu… — esfregou os olhos, a barriga roncando alto — quero que me treine, seu maldito… Eu… eu não quero morrer!

    — Hm… como eu disse, essa é sua decisão. — O homem desceu os degraus, pegando-o nos braços como se ele fosse leve como uma pena. — Não vai ser fácil, mas… vejo que você vai, enfim, curar essa relação de amor e ódio que tem com a vida. E talvez, pela primeira vez… lutar por ela.

    E o levou consigo.

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