Capítulo 4: Pasárgada.
Era como estar submerso em uma banheira de água morna. Estava tão calmo quanto um lago, quase pude entender uma fração do que é o Nirvana — não que eu entendesse que isso significa, é claro.
Mergulhei sem intenção. Foi como se eu naturalmente estivesse indo para o fundo daquela imensidão de água morna.
Estava em paz. Ah, sabia o motivo no instante em que entendi o que significava aquele sentimento.
Havia morrido momentos antes.
— Você escolhe — disse uma voz em algum lugar —, este lugar ou aquele lugar.
“Do que diabos você está falando?”
Quem iria querer sair de um lugar assim? Calmo, sereno, monótono e aconchegante… melhor que isso, só assistir alguma coisa legal com uma namorada fofa.
— Então você não se importa em deixar ele solto?
“Ele? Ele quem?”
— Ora, quem? A pessoa que te matou, rapaz.
“Oh… aquele cara de capacete e roupas brancas.”
Já tinha até me esquecido que ele existia. Mas de que importava pensar nele, estando como estou?
“Eu tô morto, parça. Morto não fala e nem come.”
— Oh, então não se importa.
“Não é isso que quero dizer.”
— Então, se tivesse como, você tentaria impedi-lo?
“Eu não estaria aqui se não quisesse, né?”
A voz se calou por algum tempo. Senti como se estivesse me dissolvendo naquele mar, igual aquelas pastilhas de vitamina c.
— Você gostava da sua vida?
“Que pergunta, hein! Ah… eu não odiava. Tipo… ultimamente as coisas tem estado ruins pra mim, mas antes disso tava legal.”
Pois é… estava ansioso para estudar arqueologia e História durante as férias. Eu gosto dessas paradas de “Indiana Jones”, sabe?
Pena que… Nathan Yago Dias.
“Não que eu esteja pondo a culpa nele. Eu escolhi por minha ponta e risco ajudar ele.”
— Não se arrepende de se envolver nos problemas do seu melhor amigo?
“Não… eu não conseguiria viver em paz, de qualquer jeito.”
— Hum? Por que não?
“Eu ficaria preocupado com ele. Sério mesmo, eu não conseguiria dormir bem se eu deixasse esse idiota se ferrando sozinho.”
— Deve ter grande consideração para com ele, eu vejo.
“Sim, sim. Não era só porque ele era meu colega de quarto. Ano passado foi nosso primeiro ano no Instituto Gensei e em Dokoka. A gente passou por muita coisa junto.”
— Entendi… mas, voltando ao questionamento anterior, você não se preocupa em deixar o cara que te matou solto?
“Eu até me preocuparia, mas tô morto. O que um morto poderia fazer? Assombrar?”
Estava sério sobre isso e parecia ser o certo a se pensar. Não me parecia lógico conseguir voltar a viver. Quer dizer, eu nem sabia que a vida após a morte existia.
Só o fato de saber que vou para algum lugar depois de morrer… só isso já me satisfazia.
— E se eu te dissesse que poderia voltar a viver?
“Mas de quê adiantaria? Não é como se eu fosse conseguir impedir o maluco de fazer o que quiser.”
— É claro que pode! Você renascerá no lugar para onde ele foi!
“Mas eu vou começar como um bebê, não?”
— Não. Um homúnculo… um homúnculo perfeito serve?
“Homúnculo perfeito?”
— Sim. Um homúnculo… o único completamente semelhante ao ser humano.
“Pode ser. Mas… como exatamente ele foi pra esse mundo?”
— Você saberá. Quer dizer, eu periodicamente aparecerei pra explicar o que não entender. Fique tranquilo.
Não estava muito certo disso, mas… o que eu tinha a perder? Estava começando a sentir uma vontade crescer dentro de mim.
— Eduardo Ventura… será difícil, mas acho que dará conta. Quer renascer com o seu poder?
“Fala do Hold the Tchan?”
— Sim.
“Quero… mas, me diga… eu poderei ver os meus pais, o Nathan… aquela garota de novo?”
— Se tudo der certo, sim.
Não podia ver e nem sabia se tinha como, mas eu sorri. Não podia fazer nada, era e ainda sou o idiota que sempre irá persistir em conseguir o que quer, mesmo que os deuses pareçam estar o impedido.
Se eu não fosse assim, a história não andaria, né? Ela teria acabado no capítulo anterior. Opa, quarta parede quebrada.
— Você será invocado por um grupo de magos que serve ao Rei Elfo do Reino de Wehsuto — explicou a voz.
“Tá… e aí?”
— Como assim “tá, e aí?”, está me escutando? Isso significa que será difícil sair dessa situação.
“Ah, saquei, saquei.”
— Por ora, descanse. Você foi morto.
“Nem precisava dizer. De qualquer forma, conto com você.”
— Idem.
E ele se calou. Fechei meus olhos e respirei fundo. Foi um sono bom, o melhor que tive em toda minha vida — sem preocupações e nenhum despertador maldito pra me acordar.
“Eu espero que seja um lugar legal, pelo menos.”
Estava dormindo, mas ainda me vi consciente. Que coisa esquisita.
Pensando nesse mundo para o qual eu vou…
O lugar onde posso finalizar o que começou na minha antiga vida… seria um lugar legal. Assim, meus problemas passados terminariam nele.
Que paraíso seria! Pense comigo: se você pudesse terminar todas as suas pendências consigo mesmo em um mundo de fantasia, isso não seria maravilhoso?
Muitos morrem sem alcançar o que queriam. Sem atingir as metas que haviam estabelecido. Aquele que ganhasse a chance de ir contra esse destino… essa pessoa com certeza seria abençoada.
Acho que sou essa pessoa, pensando desse jeito. E um mundo onde tudo é possível…
“Me lembra Pasárgada… Vou me embora para Pasárgada, lá sou amigo do rei…“
Mas eu não seria amigo do rei. Não teria a mulher que eu queria na cama que escolheria…
Afinal…
“Sinto que vou fazer merda…”
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.