Capítulo 9: Dor, sangue e tiração de sarro.
Nunca parei pra pensar sobre isso, mas a minha espada surgiu ao meu lado no dia após a minha chegada no QG. Eu acordei e ela estava lá, né? A espada falante que só diz alguma coisa quando quer.
Em todas as vezes em que eu fui espancado por alguém durante os treinos, ouvi o riso de Nayu — ela se divertia ao me ver sofrer. Mas por que ela não gostava de mim? Essa dúvida permaneceria em pé até o volume dois dessa novel… opa.
A primeira resposta — não que eu acreditasse muito nela — era de que Nayu me via como alguém pouco determinado. Mas era, mesmo. Nunca soube como explicar isso, as palavras sempre me escapavam do cérebro. Mesmo tendo sido morto por um maldito e ganho a chance de me vingar e salvar as pessoas com quem me importo, não senti a necessidade real de me forçar a fazer algo.
Não que eu fosse exatamente passivo. Não sei dizer. Sabe, eu era o tipo de pessoa que apenas “reage” aos estímulos dos outros. Só reagia. Precisava que alguém me irritasse o bastante para poder cerrar o punho e brigar.
O fato de eu não ter sentido vontade de lutar para ficar forte e matar Yuuta, vendo por esse ângulo, parece até óbvio: Eduardo Ventura não existe mais. Ele está morto. Eu mesmo me chamo de Edward Venture, o apelido pelo qual eu sempre insisti que as pessoas me chamassem.
O que tinha a ver com Ventura já não interessava a Venture. Pensar que poderia fazer algo por Nathan, meus pais e a galera da Terra, no final, seria inútil — além de ser perigoso, já que eu estava fazendo o papel de espião traidor no exército de Takatsukasa, dando certo ou não, o pessoal de lá nunca saberia que eu os salvei.
Isso é bem mesquinho, né? Pois é. Mas para quê eu vou mentir, leitor? Já morri. Gastar minha vida… ou melhor, a arriscar mais uma vez, e por pessoas que nunca mais poderei ver, não era nada mais do que jogar fora a segunda vida que me foi dada.
Pensamentos como esse corriam pela minha mente, mas soube muito bem como evitar que eles me fizessem ficar parado. Claro, a segunda chance me foi dada para que eu salvasse Nehder e a Terra. Ir contra a minha missão seria insultar o deus que decidiu que eu era o melhor para isso.
“Mas por que eu, né?”
Ah, não me venha com essa. Pra começo de conversa, se não fosse eu, essa história nem estaria sendo contada. Só vou fazer o que me mandaram e é isso. Não espere nada épico vindo de mim.
— — —
Eu e os três idiotas estávamos diante de Santine e Santina, as gêmeas mais poderosas do exército. Elas tinham uma irmã mais velha, se bem me lembro, mas nunca pude vê-la com muita atenção e muito menos dialogar com ela. A pessoa que seria o receptáculo para Takatsukasa Kurono quando ele ficasse velho demais.
Aquelas duas podiam ser parecidas de rosto, mas só se fizessem a mesma expressão. Santine vestia um macacão grande com uma camisa rosa por baixo, os pés calçados em uma sandália de madeira. Ela era toda acanhada e se escondia atrás da irmã. Pra ser sincero, o ser dela, aquilo sim podia ser chamado de “fofo”.
— Ih, o Hoen não tá reagindo — sussurrou Kris ao meu ouvido.
Hoen Chabing estava perplexo. Seus olhos congelaram na direção de Santine. Enquanto o irmão dele…
— A Santina? — murmurei.
Com as mãos na cintura, um olhar afiado como o de uma águia, e cabelos curtos de um tom pastel de roxo, ela me analisava de cima para baixo. Ao final, falou:
— Você não é digno de empunhar a lendária espada Nayu. Herói ou não, não vejo ambição nos seus olhos.
“Ô, qual é? Tá zoando?”
— Que análise mais precisa, capitã Óbvio! — rebati, franzindo a testa.
— Co-co-como é?! — Ela recuou um passo. Erguendo o punho fechado, rosnou como um cão.
— Maninha, maninha… se acalme — Santine deu umas leves puxadas pela manga da camisa. — Ele é a reencarnação do Rebelde Carmesim.
— Oh, isso, verdade — Santina estapeou a própria testa. — Rebelde, né? Entendi.
Elas eram uma dupla em tanto.
— E você deve ser o rapaz que cortejou a Encapuzada, estou certa? — falou Santina para Kris, este que tentou esconder o rosto virando-o para o lado. — Até que é bonitinho.
“Eu ainda quero saber que merda vamos fazer.”
— Bom, encurtando as formalidades, nós fomos escolhidas para aplicar o castigo que a Encapuzada lhes deu. Ela é nossa superior, depois de tudo — falou a valente, como se não gostasse disso. — Fala sério. De tantas pessoas, por que logo ela?
Os ventos fizeram os cabelos de Kris ondularem no ar. Como num comercial de perfume parisiense, ele a deu um olhar quarenta e três.
— É só que eu gosto dela. Tem algum problema com isso, senhorita?
— Hmpf! — Santine virou o rosto para a esquerda, inflando as bochechas. Por que sinto que já vi isso em algum lugar? — Pois bem, então o castigo será dobrado!
O que ela queria dizer com isso? Só iremos descobrir mais tarde. As duas nos fizeram deixar nossas armas de lado, tirar as camisas e os calçados, e lutar no braço com elas. Tive a impressão de que Santine me comia com os olhos, mas isso seria prepotência demais para mim.
Puxei o saquinho com trezentas e não sei tantas ervas Riocalu e, ingerindo uma, senti meu coração bater mais rápido. Meus sentidos se aguçaram e o meu corpo mais leve. Quando a luta começou, estive em pé de igualdade com ambas. Porém, quando o efeito da droga passou…
Bam!, o punho de Santine me fez enxergar uma tela preta e perder a mobilidade do corpo. Quando acordei, vi que os outros três estavam no chão.
— É um castigo e treino. Fomos obrigadas, não guardem rancor de nós! — desculpou-se Santine e inclinou o corpo para frente.
“Vai se foder que é…”
Perdoem o palavrão, mas eu estava certo. Elas não tinham pena de nós. Mesmo sob o efeito da erva, pude sentir que cada golpe delas era dado com tudo que tinham. Queriam nos machucar. Esses socos poderiam explodir nossas cabeças!
Dias e mais dias se sucederam nesse mesmo inferno…
— — —
…Até que chegou o dia em que nos reunimos. Inclusive, nos deram redes. Fizemos nossa reunião deitados em nossas redes.
— É isso, então. Sabemos como elas se movimentam, não há erro — afirmou Kris. Ele parecia tão sério que eu acreditei cegamente no que dizia.
— E se falharmos? — indagou Hoen. Como estávamos dispostos de forma que formamos um quadrado, ele estava no lado oposto ao meu. Aquelas árvores, mesmo finas, aguentavam o nosso peso de um jeito impressionante.
— O resultado já conhecemos, né… agiremos como nunca, mas espancados como sempre.
“Não temos nada a perder. O plano é esse e eu, mesmo não tendo vontade de cumprir minha missão… tô puto o suficiente pra dar o troco.”
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.