Capítulo 10: Um por todos, todos por um.
Lá estava eu, desarmado. As duas me encaravam assustadas. Claro, era super compreensível: aquele que todos chamavam de herói, a reencarnação do Rebelde Carmesim, fazia o chão tremer, e as folhas e pedrinhas levitarem.
De repente, um lampejo avermelhado cortou o ar diagonalmente em minha frente. Depois outro, outro e mais outro. No quinto, chamas carmesins brotaram do meu corpo e me incendiaram. Era como se alguém tivesse tacado gasolina e um isqueiro aceso em mim.
Não sei como ainda consegui manter a sanidade para executar o plano corretamente. E, de verdade, isso pouco importa.
— O quê?! — exclamou a fofa Santine. Eu simplesmente surgi atrás dela no instante em que piscou, e puxei suas mãos para trás. Fiz o movimento que qualquer policial faz para colocar algemas.
Ela tentou se soltar, mas era impossível.
— Covarde! — gritou Santina, a valente. Ela saltou para a direita, em nossa direção, e acabou acertando o rosto da própria irmã. A usei de escudo humano, é claro.
Ao mesmo tempo, Haen e Hoen surgiram para chutar suas pernas. Enquanto ela caía de costas, Kris surgiu da rocha atrás da gente e acertou um “martelo” — o ato de juntar as mãos, quase numa prece —, dando o golpe definitivo em Santina.
Ela caiu apagada no chão.
— Boa! — gritei.
— É isso aí, cacete! — exclamaram os gêmeos.
— Vencemos?
— Sim, sim. Só falta a gente derrotar a Santine… — Hoen olhou para baixo, como se sentisse algum pesar. — Mas eu não quero bater nela.
— Cê não tá falando sério…
— Mas Ed… é que…
— Vai sentir pena da sua adversária?! Elas não tiveram pena de nós esse tempo todo, esqueceu?! — Tentei por algum juízo na mente dele. Mas sabia que ele era gado dela, então temi que não fizesse efeito. — Não se deixe levar por um rostinho bonito, Hoen!
— Mas é que eu… — E sua última palavra foi quase inaudível.
— É só que você…?
— É só que eu…
Abri e fechei os meus punhos, sentindo que eles não seguravam nada. Estava apanhando o ar?!
“Pra onde foi a Santine?!”
— Não… — Ouvi uma voz vir de trás do Kris. Ele estava a noroeste em relação a mim e, prestando atenção, vi um vulto negro com chamas púrpuras em suas costas.
Aquilo se mexia em uma velocidade próxima do som, penso eu. Algo rápido demais para ser descrito com clareza saltava da direita para esquerda, repetindo esse movimento, enquanto queimava as costas do cara que parecia o Jim Morrison.
— …Machuquem… — E aquilo, como se não fosse nada, fez Kris cair de joelhos, desacordado. — …A minha irmã.
“Eita… agora deu ruim.”
Depois foi a vez de Haen, o do cabelo arrumado. Não era como se algo o tivesse acertado. Tava mais para o cérebro dele “desligar” e o coitado cair em seguida. Me desesperei. Era como estar diante de um serial killer.
Queimei minha energia espiritual ao máximo e, superando meus limites, apareci atrás de Hoen, o próximo alvo, ao mesmo tempo em que a Santine Doidona — como decidi chamar — deu o ar de sua escuridão.
— Hold the Tchan! — Socando com o punho direito, o meu robô a atingiu com a garra esquerda. Um duplo soco a acertou no meio da face, fazendo-a voar por alguns metros adiante e rolar.
Meu poder paranormal se recolheu e senti o cansaço dar os seus sinais.
“Tô quase no meu cem porcento.”
Hoen estava em choque. Quando olhei para aquele idiota, ele não ironicamente estava boquiaberto e olhando para o nada. O maldito também caiu, assim como os outros. Eu estava sozinho com aquela garota louca de raiva.
Santine era pequena — não como uma loli, imbecil! —, em comparação com as outras mulheres daquele exército. Todas elas eram filhas bastardas do Rei Elfo. Quantas mulheres você iludiu, Kurono? Esquecendo isso, era por ela ser pequena que eu estava assustado.
Não tinha como prever os seus movimentos. O quê? Você acha que só estou validando a minha derrota? E se eu estiver, tem problema? Sim, tô passando pano pra minha derrota, leitor.
Meus cinco sentidos só captaram a sensação de um míssil acertar meu estômago umas sete ou oito vezes. Depois, a oportunidade foi para o meu rosto, e este recebeu o dobro de golpes. Ou o triplo, não contei.
Após a chuva de balas daquela metralhadora de socos, senti como se estivesse num acidente de carro: saí rolando pelo chão e perdendo a visão a cada fração de segundo. Atingi alguma coisa e perdi a consciência de vez.
Um por todos, todos por um? Uma ova! Simplesmente levamos uma surra. Uma que nunca vou esquecer. O dia em que fui espancado pela garota mais fofa que já vi… que dia surreal.
— — —
Fui tratado por Kris e posto em minha rede. Os caras foram humildes o bastante para atá-la, cuidar dos meus ferimentos, e me deixar baianar. Fiquei lá desde o final daquela tarde. Cochilei e, quando abri os olhos, vi que os outros já tinham ido dormir.
Já era noite e a lua estava bela em seu lugar no céu. Porém, para me assustar, os ventos me trouxeram uma estranha visitante. Ela vestia um manto marrom que só era menos escuro que a noite.
“Encapuzada…?”
Ela vinha em minha direção e sentou ao lado da minha rede. Pensei que o meu próximo treino seria com ela, a Encapuzada, mas…
— …Não, nada disso — falou a mulher, dando um fim aos meus pensamentos. — Aquelas duas já te machucaram o bastante.
Estava escuro, mas de alguma forma eu sabia que estava sorrindo. Ei, ela leu meus pensamentos?!
— Eu sei que você não quer lutar pelo Rei Elfo.
— É tão óbvio assim? — Não consegui articular as mãos. Tava cansado e dolorido demais para isso.
— Sim. Eu ouvi o que disse a elas enquanto lutava. Nem você, nem os outros três patetas parecem ter vontade de erguer suas espadas em nome de Takatsukasa Kurono — Ela coçou a nuca.
— Fazer o quê? — Encarei o céu. Achei estranho haverem palmeiras em uma clareira, mas me acostumei com o passar do tempo. A lua acima delas estava bonita. — Ninguém quer lutar por um nobre que fica com o cu na mão enquanto você sangra no campo de batalha.
— Sei… por isso eu me voluntariei para ser uma espiã — E pegou minha mão, envolvendo com as suas. — O objetivo era provar para Ragon que haviam inocentes e possíveis aliados, mas graças a isso, pude descobrir a sua existência, herói.
“Herói…?!”
— Por que o espanto? Eu já sabia faz tempo — Riu um pouco. — Participei do ritual de invocação pelo qual você veio até nós.
— Por… por que está me dizendo tudo isso? O que ganha… falando essas coisas? Eh… eh, você é aliada do “Lorde Demônio”, certo? Não tem medo de me dizer…
— Ah, isso?
Ela se levantou. Aquela mulher loira dos olhos azuis profundos, vestindo um manto marrom, me mostrou um brasão estranho em seu pulso.
— Sou uma bastarda ingrata com orgulho. E sobre a minha vinda até você, herói, é porque eu vim lhe avisar do meu retorno ao castelo de Ragon — Ficou de costas para mim. — Estou partindo hoje para planejar um ataque ao QG. Coletei todas as informações que precisava.
“Meu mestre me disse… ele falou que haveriam missões para mim. Será que…”
— Peço que não morra quando o momento chegar. Estando vivo, quero que mate Kurone e Kiringo Kazuhito. — E caminhou, distanciando-se de mim. — Isso é um até logo, Rebelde Carmesim.
“Ela sabe disso… a ordem não importa… mas… eu ouvi algo sobre eu ser o terceiro herói a ser invocado… se Ragon é um deles, quem…”
— Quem é o segundo…? Ou talvez o ter…
Ela já não podia me ouvir. A Encapuzada sumiu na escuridão da mata, e a minha voz tão logo perdeu o volume. Seria cansaço? Ou talvez…
“…Ela me induziu a dormir, de alguma forma…?”
ㅡㅡㅡ
No dia seguinte, Santina e Santine vieram e disseram que eu e meus amigos estávamos livres do treino. Nunca mais as veria a partir dali — sei porque isso foi no passado, mas tive o pressentimento naquela época.
Eles ataram suas redes perto da minha, e não trocamos palavra alguma. Sabíamos o que cada um sentia, e com certeza era algo diferente de alívio.
Agradecíamos a qualquer que fosse o deus pelo treino com as “gêmeas trovão” ter findado. Oh, findado, lembrei que essa palavra existia.
Kris pegou o violão e brincou com as cordas. A melodia era serena como os ventos alegres que nos refrescavam.
Estando fora do QG desde que cheguei, perdemos a noção do tempo. Cada manhã parecia ser a mesma. As chuvas vinham um dia sim e outro não.
Hoen dava umas batidinhas, acompanhando o violão, e a flauta de Haen parecia um assobio. Meu pai era o guitarrista do Djim Rendrix Experience, devia ter aprendido algo de teoria musical com ele.
Queria poder descrever a música que aqueles três idiotas tocaram. Fui um ouvinte passivo. Minha existência ali se resumia em ouví-los.
Claro, alguma coisa do que a Encapuzada pediu eu tinha que fazer, mas o meu corpo simplesmente não respondia aos meus chamados. Foi frustrante…
“….Ah, quer saber? Que se dane! Tem dias em que simplesmente não acordamos para sermos produtivos. Acontece.”
Claro que não acreditei no que estava pensando, mas na hora pareceu convincente.
“Será que dá de estruturar um pensamento como se ele fosse um texto dentro de outro?
Não sei, mas vou fazer isso. Tô afim de ser ousado. Creio que o leitor que tenha acompanhado minha narração até aqui não vá se importar.
Penso que nada do que eu tenha feito aqui teve algum sentido. No fundo do meu coração, sei que não quero estar nesse mundo.
Eu queria mesmo é ouvir a minha playlist no Spotfai e ler alguma novel. Sou um adolescente, quero internet!”
Em Nehder levei mais socos do que qualquer boxeador em todos os seus anos de carreira. Santine e Santina não sabiam das chutes, mas os seus punhos compensavam essa falta.
Não só perdi a noção do tempo, como estava quase perdendo de vista o sentido da minha nova vida. Querendo ou não, iria passar mais uma existência errante — só o mundo era diferente.
Eu tinha que fazer algo. O bom foi que deixei o saquinho com ervas Riocalu aos cuidados de Kris. Vez ou outra me dava uma vontade de usar uma.
Pensei sobre elas enquanto ouvia a melodia. Uma erva que se pode comer e fumar, e ainda assim ter o mesmo efeito… curioso, não?
Auando estava para dormir, vi, por um breve momento, o vulto de uma mulher de longos cabelos negros.
No exército de Takatsukasa, só havia uma única pessoa assim. Minhas teorias se confirmariam no dia seguinte, e eu passaria por mais um inferno.
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