Capítulo 13: Let me sing my rock n' roll all night.
É verdade. Enquanto estive naquele “cativeiro” em Nehder, lembrei do meu gosto por tocar guitarra e violão. Acho que a situação que me levou a isso é a única coisa a qual devo agradecer ao idiota do Takatsukasa.
Aliás, aquele discurso dele é bem nazi, né? Até o Yuuta tava no meio. Engraçado que esse desgraçado é humano, por isso me pergunto se ele sentiu que sua raça estava sendo ameaçada.
Eu só posso estar bêbado pra pensar algo assim. Sasaki Yuuta é o homem que me matou…
“Ele não morreria tão facilmente.”
Mas eu devia ter me segurado. Claro, tô muito feliz de ter acertado um soco naquele maldito e tê-lo nocauteado, mas as soldadas me expulsaram aos chutes.
Disseram que não queriam sujar suas mãos, então usaram os pés. Que merda, tô todo dolorido. Me deixaram no meio de uma clareira e, durante os próximos vinte minutos após ser deixado ali, choveu tanto que pensei que alguém tava brincando com uma mangueira.
“Tá frio…”
…Muito frio e doía muito.
“É nesses momentos que a gente começa a se questionar o porquê de fazer certas coisas…”
Meu mestre não apareceu, também. Fiquei largado e solitário por um bom tempo.
Estava de bruços no chão. Ah, aquela sensação que ora era quente, ora fria. Que loucura era estar com a cabeça em uma poça de água.
Claro, os meus poderes de Rebelde Carmesim me curavam aos poucos, mas isso não me impedia de sentir dor. Queria que fosse assim? Queria. E pra caramba.
As horas voaram e, quando as nuvens se dissiparam, vi que o sol já era poente. Se eram por volta das seis horas quando o discurso do rei imbecil começou, então devo ter passado mais de dez horas jogado naquela clareira.
Estava cansado. A energia que me curou também consumiu minha força. E a fome vinha vagarosa, mas não era grande coisa — já passei fome com o meu pai. Falando nele, foi mais ou menos quando pensei nele que ressurgiu a vontade de tocar algum instrumento.
“O que será que ele está fazendo?”
Mesmo naquela situação, pude sorrir ao lembrar do meu velho todo feliz enquanto cantava — até que bem — Ezio War, dedilhado na guitarra. Você pode se surpreender, mas aqui vai: o meu pai era o segundo guitarrista do Djim Rendrix Experience. O primeiro era também o vocalista, o próprio Djim Rendrix.
Dilson Baraúna Ventura, ou Di, era um homem viciado em cigarros — assim como o melhor amigo, o Djim. Falo em “era” porque sei que nunca mais poderei vê-lo. Ele tinha um sorriso torto e ideais comunistas. Lembro que foi em 2018 quando nosso apartamento foi atacado por uma passeata que apoiava o candidato de extrema-direita que viria a ser o novo presidente do Brasil, e quem pode confirmar isso era a testa do meu antigo corpo — as pedras que eles tacaram destruíram os vidros e algumas, umas bem pesadas, me atingiram e me deram uma bela cicatriz.
“Foi a primeira grande polêmica da banda…”
Papai se enfureceu e, sabe se lá como, tacou nosso sofá, do décimo primeiro andar, ao térreo. Aquilo matou três das cinco ou seis pessoas que não conseguiram fugir. O pior de tudo é que houveram notícias que o puseram como o vilão dessa história.
No show, quatro dias após isso, onde as pessoas esperavam que a banda fosse começar com Ezio War, os três malucos tocaram a música que meu pai compôs enquanto eu estava no hospital. “Tô afim de reclamar” era o seu nome.
Rir dessa memória me fez esquecer o frio que fazia no pós-chuva.
Houve quem tivesse odiado a música. Lá mesmo, naquele show, os fãs se dividiram pela metade e trocaram socos uns contra os outros. Os guardas foram amarrados nos postes de iluminação e ninguém chamou a polícia. Aí sim cantaram Ezio War.
Foi eu ter sido machucado que fez o meu pai ir de alguém que vivia o presente ao máximo, para um homem que trabalharia por um futuro melhor para si e para o filho. Ele devia me amar muito. Me senti culpado por ter morrido.
Penso que ser espancado pela Kazuhito também me fez entender que o idiota ali era eu. Ninguém sabia os meus motivos para fazer o que fazia, e eu mesmo não sentia que tinha algum dever para com o objetivo que me deram e pelo qual digo lutar.
Foi aí que eu ouvi…
— …Sendo assim, que tal cantarmos um pouco?
…Uma voz familiar e percebi que já não estava mais tão frio. Kris, Haen e Hoen estavam ali. Eles fizeram uma fogueira e assaram carne de javali para o jantar. Isso é humildade!
— É o melhor pra se acalmar. Tá falando sozinho, Ed — comentou o dos olhos pequenos e cabelos bagunçados. — Tá aí reclamando da vida, parece até que vai fazer uma chacina em uma escola de ensino fundamental!
Como ele sabe de Columbine?!
Mas o Haen tava certo. Meu pai também diria algo assim. Inclusive, ele escreveu “Tô afim de reclamar” quanto tava puto. Acho que resolveu descontar a raiva na música. Jantamos o javali assado e, sorrindo, Kris — o cara que insanamente parece o Jim Morrison — me emprestou seu violão.
Em homenagem ao Djim Rendrix Experience — ao trio que o formava: o meu pai, o Djim Rendrix e o Nate Dias —, eu…
— …Decidi. Vou cantar o primeiro cover deles — E tive que explicar aos idiotas que me salvaram o que “cover” significava. — É uma música do Raul, um maluco beleza muito bom. Vamo lá!
Como se soubessem o ritmo, começaram a bater palmas.
— Let me sing, let me sing, let me sing my rock and roll!
Foi muito legal. Em poucos minutos eles aprenderam a música e a cantaram com maestria. Me lembrou o primeiro show que vi do meu pai e sua banda. Três idiotas, dois instrumentos de corda e uma bateria — no caso, um tambor e o som dos pratos vinha das palmas.
Naquela noite, pensei que queria lutar não só para me vingar de Sasaki Yuuta…
— …Mas pra tirar vocês três daqui.
Queria vê-los se tornarem famosos e conseguirem tocar os rocks que curtia.
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