O título é bem autoexplicativo. 

    Quando levantei às pálpebras, senti que estava preso por correntes. Havia uma espada diante de mim, a uns dois ou quatro passos.

    Cordas de metal se enrolavam em meus braços, como se eu fizesse parte de um cabo de guerra. Havia um círculo mágico vermelho debaixo de mim, e por alguma razão ele estava quente.

    Ao meu redor, meus olhos recebiam as imagens de uma floresta tropical. Haviam árvores enormes que circulavam o lugar em que eu estava, e de seus galhos pendiam cipós de um verde bem escuro.

    Não havia ninguém além de mim.

    — Hold the Tchan!! — gritei, mas meu maldito robô não apareceu. Sequer senti algo sair do meu corpo, como de costume.

    Será que…

    “Fala sério…”

    Eu ia ter de treinar aquilo de novo. Os treinos de Projeção Mental… e não, não aqueles que aparecem na internet.

    “Vamos lá…”

    Para destruir aquelas correntes, precisava do meu poder. Inspirar, espirar… a meditação era um forma de mergulhar em minha mente, e dela puxar aquele robô idiota.

    Como isso funciona? Não sei. Mas funciona.

    Após me desconectar do mundo e deixar de sentir o calor que fazia naquela floresta, mergulhei nas profundezas da minha mente.

    E de fato senti que estava nadando.

    No meio daquele mar cheio de escuridão, havia uma fraca luz azul. Era ela quem eu devia seguir.

    Cada movimento dos meus braços estava conectado com a minha respiração. Pouco a pouco a luz parecia mais perto.

    Até que, após um tempo não contado, cheguei próximo o bastante. Estava de frente com um robô com mãos de pinça.

    Hold the Tchan flutuava timidamente, como se tivesse medo de emergir e vergonha de submergir. 

    Eu o agarrei pelo antebraço metálico e, sem muito esforço, o levei comigo. Nadei para cima com a mesma calma de antes.

    Quando já não podia ver mais nada, abri os olhos. A máquina espiritual estava ao meu lado.

    ㅡ Destrua as correntes!!— ordenei, e ele o fez. Livre, balancei meus braços e alonguei as pernas.

    “Tem um caminho por ali”, pensei enquanto analisava uma trilha ao norte. Senti como se tivesse iniciado um jogo.

    Ignorei a espada que estava perto de mim, pois poderia ser uma armadilha ou algo do tipo. Decidi dar uma averiguada no lugar — o famoso “reconhecimento de terreno”.

    ㅡㅡㅡ

    Caminhei por uma trilha que se prolongava indefinidamente floresta adentro. Vez ou outra uma brisa vinha para aliviar a quentura.

    Enquanto me preocupava com os mosquitos que insistiam em atacar meu braço, não dei importância ao som de passos que vinham na minha direção.

    Isso podia ter me matado, na real.

    — Alto lá! — gritou a meliante. Pela fala, imaginei que sua arma fosse uma rapieira.

    “Puta merda, é uma.”

    O teto de folhas se abriu em um instante. O vento que veio de trás daquela garota não parecia natural. E, com a lua exposta, a luz me revelou a longa e afiada espada de lâmina pontiaguda.

    — Mas você é… — murmurou, deixando a arma cair de suas mãos — …Aquele homúnculo.

    Ela era dona dos cabelos longos que pareciam absorver qualquer brilho que nele fosse focado. Seus lábios eram finos e provavelmente macios. E tinha penetrantes olhos puxados. Cacete… 

    ㅡ …Você parece a minha ex — falei, incrédulo.

    Seus olhos se abriram, arregalados.

    Seria aquilo um reencontro? Ela não queria me ver? Mas espera… por que ela estaria nesse mundo? Minha mente se resumia a um macaco batendo pratos de marchinha.

    Chutaria que passamos uns quarenta segundos nos encarando, em um transe mútuo.

    Até que ela deu exatas três piscadas e, agachando-se, pegou a rapieira e a embainhou.

    — O ritual deu certo… — Se aproximou e andou em círculos ao meu redor, me analisando debaixo para cima. — E pensar que Deus realmente existe.

    — Só duvida quem não acredita — brinquei, cruzando os braços. 

    — Sim… Como é?! — Ela me ergueu pelo pescoço. — Co-como sabe disso?! 

    Não era possível. Não devia ser, mas senti que era. Aquela garota era a minha namorada — ou ex-namorada, se o desaparecimento contar como término.

    — Não — cortei esses pensamentos —, não. Não.

    — Não?! — indagou ela, apertando um pouco mais forte.

    — Ah… não, não faça isso! — pedi, fingindo que estava doendo. Assim, ela me largou e eu voltei a ficar de pé. — Só estava brincando.

    “Por que tô todo nervoso?!”

    Inclusive… ela era mais alta que eu. Antes tínhamos a mesma altura! Essa deveria ser a prova definitiva.

    Por mais que eu soubesse que era impossível, uma parte de mim queria que aquela ainda fosse a garota que amei.

    — Espera…

    Estendi meu braço e passei meu dedo em sua bochecha, enxugando a lágrima que escorria, fazendo-a recuar.

    — …Por que está chorando? — perguntei.

    “O que eu tô fazendo?! Ela não é a Kazu… não é! Não tem porquê…”

    …Eu me importar. Mas era difícil. Não importava o quanto eu negasse, mesmo que a presença fosse diferente, aquele rosto era igual ao dela.

    Ver aquele olhar se entristecer me apertava o coração.

    — Eu não sei… ㅡ sussurrou ela.

    Estávamos de pé, um de frente para o outro. Ela era mais alta que eu, e me olhava de cima.

    Ela não deveria estar agindo assim, como uma garota um pouco emocionada. Ela não era Kiringo Kazuhito, então não tinha porque estar sentimental.

    Isso mesmo, se ela fosse outra pessoa…

    “Por que ela reagiu agressivamente ao que eu acabei de fazer?”

    Ela franziu a testa e, virando-se de costas para mim, começou a andar.

    — Me siga — ordenou.

    — Mas eu…

    — E calado — acrescentou.

    “Que merda tá acontecendo?!”

    Minhas mãos tremiam e eu estava suando muito. Bom que eu só estava de calção — uma camisa teria sido jogada fora, do contrário.

    Nossos passos e as folhas pegas pelas brisas eram as únicas coisas que perturbavam o silêncio da floresta.

    — Nunca mais…

    As atitudes dela me deixaram confuso, e o meu coração acelerado confirmava isso.

    — …Toque no meu rosto — disse ela.

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