Eu mal conhecia esses idiotas e eles já me envolveram em algo estranho. Pelo que entendi, Kris — o cara que se parecia com o vocalista do The Doors — gostava da pessoa mais importante da base.

    Mais importante depois do maldito Hiua, é claro.

    — Ninguém sabe o nome dela. Apenas a chamam de “Encapuzada” — explicou Hoen, o gêmeo arrumado.

    Nos escondemos em alguns arbustos, fora do hangar. Achei estranha, e até cômica, a forma como os dois zoavam o coitado do Kris. Eles cochichavam em ambos os ouvidos dele, e o mané ficava vermelho.

    Que bela manhã!

    — Encapuzada, é? — repeti o nome. — Entendi. Ela deve ser bonita, se o que vocês disseram sobre ela ser uma das filhas do Hiua for verdade. Todas as outras são, de qualquer forma — E encarei o outro gêmeo. — Enfim, qual é o plano?

    — Lá — Haen, o bagunçado, apontou para a cabana não muito longe de nós. Tinha uma trilha de barro para lá. — Ela mora naquele barraco, este que fomos nós que construímos. Somos o trio mais requisitado pelo rei, já que somos os recrutas mais promissores. E por isso estamos frequentemente sob as ordens dela — Sorriu com um canto da boca. — Ela sairá em quinze minutos.

    — Me pergunto como que cê sabe disso… é um hobby de vocês, essa coisa de ficar aqui e espiar? — Que coisa esquisita. — Creeeepy demais.

    — E-ei! Não nos entenda errado! Fizemos isso pelo Kris! E-ele realmente gosta dela, sabe?

    — Aham, aham. E aí? Continue o que ia dizendo.

    — Caham, caham! — tossiu, tentando se livrar do assunto de antes. — É agora ou nunca. Você chegou no momento em que ele tomou a decisão mais importante da vida dele.

    “Cacete, por isso a tensão no ar!”

    — Estamos aqui há um semestre inteiro, contando com hoje — Me olhou com uma estranha seriedade. — Ele quer levá-la para o jantar de fim de ano.

    “Entendi… sei como é. Assim, não é que eu seja invejoso, mas eu queria uma namorada pra passar o natal, já que meus primos tinham suas namoradas e tal… ô cacete…”

    — Mas espera! — Estendi os braços como se quisesse frear os movimentos deles. — Como vão fazer isso? Quer dizer, como ele, Kris, fará isso? Vai lá sem mais nem menos?

    Ela não era qualquer uma. Opa, antes que me interprete errado, não estou querendo dizer que há “quaisquer umas”… por que explicar isso só piora as coisas?! Deixa pra lá. 

    — Ah,  bem… com um rostinho bonito como o dele, qualquer um consegue, eu acho. No meu mundo era assim, pelo menos.

    — Aqui também — concordou Haen. — O problema é que ela é séria demais, sabe? Do tipo que pediria para você fazer polichinelos, mesmo na chuva, porque você tem o hábito de fazer isso todos os dias. Isso quebra ela. 

    “Só agora que eu vim perceber. O jeito desses três de falar é bem ‘adolescente’ demais pra um mundo medieval…”

    — Todo mundo tem medo dela?

    — Todo mundo — disseram os gêmeos. — A exceção é o Kris.

    Confesso que era estranho quando eles falavam ao mesmo tempo… 

    — Parem com isso.

    — O quê? — indagaram.

    — Isso que vocês acabaram de fazer!

    — Ah, sim… certo — desculpou-se Hoen.

    O cara que gostava da Encapuzada era bem estranho. Excêntrico, na real. Um cara como ele tem gostos excêntricos, acho que pensar assim é até que óbvio. Músicos são estranhos — boa parte dos artistas são. Eu ia falar que é isso o que dizem, mas ninguém fala isso. 

    Além de um compositor de trovas, um exímio versista, e um pintor de quadros — ele tinha alguns no nosso “quarto” —, possuía um gosto diferenciado para mulheres. Achei isso legal, por algum motivo, e isso me fez querer ajudá-lo.

    — É o seguinte, Kris — chamei e me aproximei, sentando com as pernas cruzadas em sua frente. —  O negócio não é “ser você mesmo”, como se fosse uma situação qualquer, mas como “agir do jeito que você acha que é o certo”.

    — Como assim? — perguntou, e corou logo em seguida.

    — Não siga nenhuma orientação muito detalhada. Tipo passo a passo, sabe? — O vi concordar com a cabeça. — Apenas faça o que você acha que é o certo.

    — E… como eu saberei?

    — Ueh? Você não fica pensando em como esquivar de um golpe, fica? — E ele negou com a cabeça. — Pois então, é disso que tô falando. É só chegar lá e dançar conforme a dança.

    O rosto dele pareceu ter se iluminado. 

    — E-entendi… vou fazer isso — E estreitou os olhos azuis profundos. Sua determinação eram como as ondas do mar em uma tempestade.

    — Lá vem ela! — alertou Haen em seu sussurro.

    Katchuki!, a porta da cabana se abriu. Era como a morada de um ribeirinho. Dela saiu uma mulher escondida em seu manto marrom, cobrindo o rosto como o famoso capuz. Cabeça baixa, vinha em nossa direção.

    Sem fazer qualquer som, Jim Morrison Falsificado se levantou e caminhou até ela. A encapuzada parou assim que se aproximaram, talvez por ter visto os pés dele. Quando levantou o rosto, deu de cara com o par de safiras de seu apaixonado subordinado.

    As janelas duplas da alma de Kris mostravam o quão intensos eram os sentimentos dele.

    Se eles dissessem alguma coisa, poderíamos ouvir, pois estavam perto o bastante. Mas os dois pareceram terem feito um pacto de silêncio mútuo! Vimos, como o sol se revelando por entre as nuvens, o alvo e sério rosto da Encapuzada — que também era loira — ficar espantado e rubro.

    As mãos de Kris tremiam durante aquele instante quase infindável. Foram os quase dois minutos mais longos pelos quais passei.

    — E–E-E-Eu! — gritou a mulher, e saiu correndo enquanto dizia mais alguma coisa. Novamente trancou-se na casinha.

    Algumas soldadas — suas meio-irmãs — viram aquilo, e simplesmente jogaram o pobre garoto no chão e pareciam terem decidido levá-lo para a base. Eu não podia o deixar só. Não sei o motivo, mas simplesmente me levantei e me mostrei para elas.

    — Eu estou com ele — falei.

    — Então você vem junto… — disse uma das cavaleiras de prata.

    — Nós também — gritaram os gêmeos, surgindo logo depois.

    — — — 

    — Ela ficou tão irritada que quase os matou, huh? — Kurono fechou os olhos e cruzou os braços. Ele estava sentado em seu trono, tendo a bancada cheia de papéis entre nós. — Se uma filha minha te poupou, senhor Kris, o destino deve ter te escolhido para algo grandioso. Nenhuma delas poupou alguém.

    “Vai se ferrar que é!”, xinguei em minha mente. “Vem com esse papinho idiota de ameaça pro meu lado não. Sei onde isso vai dar.”

    — Mas pra que não saia barato… — E decidiu nos encarar. — Vou te deixar de castigo. Você, o herói e os outros dois.

    “Sabia! Nem eu escapo dessas, né?! A incrível igualdade facista de um filho da mãe como você!”

    Ele franziu a testa para mim. 

    “Qual foi, tá lendo minha mente?” 

    E as cavaleiras nos levaram para os nossos quartos e nos disseram para as esperar. Nesse meio tempo em que elas não vinham, pensei nas decisões que tomei até ali, e pensei que poderia ter feito escolhas melhores. Podia, mas não havia como voltar atrás.

    Sim, decidi o que decidi porque foi o que achei ser o certo naqueles momentos. Mas ter ido com o Kris me fez, de uma vez por todas, virar amigo dele e dos outros idiotas. Com eles, enfrentaria o inferno que estava por vir…

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