Capítulo 145 – Visão do Campo Amarelo
Fui convocado para a batalha de repente, sem qualquer aviso prévio. Não tenho problemas em lutar contra monstros, afinal, foi pra isso que me tornei caçador. Mas invadir outra cidade? Isso é novo pra mim.
Ainda assim, fui junto com o resto da guilda, seguindo ordens, mantendo a posição. Não fazia parte da linha de frente, não estava entre os grandes, os poderosos, então marchava um pouco mais atrás. Pra ser sincero, fiquei até aliviado.
— Hoje é realmente meu dia de sorte.
Por enquanto, sou apenas um observador. Os manipuladores de mana do inimigo finalmente foram derrubados, um a um, e a última barreira caiu, permitindo começarmos a avançar em definitivo. As flechas continuavam a chover sobre nós, mas as baixas do nosso lado pareciam mínimas; os fortalecedores no fronte estavam fazendo um bom trabalho em defender o grosso do ataque.
Eu diria que já perdemos seiscentas, talvez setecentas vidas até agora, mas quem é que está contando? O problema maior foram aqueles lobos. Até me arrepio só de lembrar. Alguns conhecidos caíram lá, gente com quem treinei, com quem bebi. Foi uma sorte que a confusão não chegou em mim.
Enfim, a cidade toda está fortificada, até com um fosso ao redor dos portões!
Parece coisa de história medieval, algo que você leria em um romance velho, mas, infelizmente pra eles, temos manipuladores que são bem versáteis. Fosso ou não, nada disso impede o avanço de um exército moderno.
Os manipuladores, ainda protegidos, manifestaram pontes firmes sobre o fosso, conectando nossas fileiras aos muros. Os portões, como era de se esperar, estavam reforçados com algumas runas. Mas não duraram muito tempo frente ao poder devastador hahaha!
Me pego pensando que, hoje em dia, as batalhas chegam a ser ridículas. É incrível o quanto a tecnologia, a mana, e o puro poder de fogo podem desmontar qualquer coisa.
Dá até um pouco de dó deles, uma pontada de compaixão. Imagino como deve ser estar do outro lado, todo o medo que devem estar sentindo. Não tenho ideia de como essa loucura toda de matar corrompidos começou, mas, no fim, não sou pago pra questionar.
Ao atravessar os portões da cidade, a primeira impressão é estranhamente desoladora. A entrada está praticamente vazia, mas há uma beleza peculiar nas ruas. Casas de estilos diferentes alinham-se ao longo da avenida principal, mas sem os sinais vibrantes de um comércio ativo. É quase agoniante ver o tudo assim, tão vazio e silencioso, exceto pelas ocasionais flechas que ainda são lançadas de algum ponto oculto da cidade. Não fosse por isso, o clima seria mesmo de filme de terror, uma cidade fantasma que só falta nos engolir aos poucos.
Os cinco líderes acabaram de passar por mim, com aquele ar descontraído. Alguns até sorriram, mas tinham uma expressão de leve irritação. Algum tipo de discussão interna, provavelmente. Já houve várias no caminho até aqui, todos eles se acham os chefões.
Creio que planejam dividir o exército em grupos para agilizar a “limpeza” da cidade. Sendo honesto, não acho que seja uma boa ideia. Cada guilda tem sua própria especialidade, e tudo bem separá-las em uma caçada, mas em uma guerra? Me sinto um pouco vulnerável, pra dizer a verdade. Sem arqueiros e monstros no meu grupo, a coisa parece desbalanceada.
Mas, de alguma forma, sinto que vai dar certo. Ou espero que dê, pelo menos. O único problema é que essa espera está começando a me deixar exausto. Quando é que os inimigos vão aparecer?
Aparentemente, Jasmim vai direto para as muralhas internas. Ainda bem! Se tem alguém aqui que me faz sentir um pouco desconfortável, é ela. Que fique o mais longe possível. Nosso grupo, por outro lado, está seguindo para a ala Leste, disseram que deveríamos tomar a área de suprimentos da cidade o mais rápido possível.
Os Sombrios e a guilda Ventos Livres continuam trabalhando juntos, estão indo para o Oeste. Eles têm uma harmonia no campo de batalha que me impressiona, algo que eu gostaria que minha própria guilda pudesse compartilhar com outra. Mas, infelizmente, esse não é o nosso estilo; somos mais reservados e independentes. Boa sorte para eles, de qualquer forma.
Já os Brutos de Ferro… bem, os caras simplesmente ignoram qualquer convenção. Os soldados rasos deles seguem meio perdidos, um pouco atrás de nós, enquanto a força de elite, a menor entre as guildas, com só cinquenta cavaleiros pesados montados naqueles animais gigantescos, se espalhou entre as ruas assim que passamos pelos portões. Cada um foi para uma direção diferente, como se não precisassem de mais ninguém além de suas armaduras e montarias para protegê-los. A confiança deles beira a arrogância, é uma loucura.
Quanto mais a gente anda, mais estranho fica o silêncio. Será que realmente abandonaram a cidade?
Talvez seja até melhor assim. Mas, quer saber? Até que aqui é agradável, se acabar virando uma base posso considerar me mudar pra cá. Quem é que coloca tantas flores em uma cidade? Uns malditos viciados em girassóis, só pode! Hahaha.
Será que tem algum problema se eu pegar alguns? Girassóis sempre foram os favoritos dela…
— Claro que tem problema, eu os amo, filho! Nem pense em arrancá-los!
— Eu só queria colocá-los no seu túmulo, mãe…
— Pra quê? Eu não estou os apreciando aqui do seu lado?
— Ah, é verdade, sou tão tonto… hahaha…
Mas… há algo estranho. Ela está aqui? Não faz sentido, mas eu sinto sua presença. Como isso é possível?
E… quem liga?
— Mãe! Mãe! Como eu senti sua falta…
Então, no momento em que chego perto, ela começou a desaparecer, se desfazendo em uma pequena montanha de pétalas que caiam suavemente no chão. Eu já sabia que não era real, mas ainda dói tanto…
As lágrimas começaram a correr sem que eu percebesse. Sinto o peso delas, molhando meu rosto, encharcando minha armadura… Espera, minha armadura? Mas que porra é essa? Tentei gritar, mas tudo o que consegui foi ver um escarlate vômito de sangue.
Tem alguém na minha frente agora. Um cara de pernas estranhas. Um fauno, talvez? Cada vez mais me sinto em um livro de histórias… haha… Seus olhos me encaram com um misto de serenidade e desdém, me dão um pouco de medo. Claro, não mais medo do que a lança que atravessa meu estômago.
Atrás dele, duas criaturas igualmente bizarras se destacam. A primeira é uma mulher que parece ter sido esculpida das próprias plantas, como se cada ramo e folha formasse o contorno de seu corpo. Ela carrega… um rádio? Que seja… não vou gastar meus últimos suspiros pensando nisso… Ao lado dela, uma criatura gigantesca e sinuosa se arrasta pelo chão, uma minhoca feita de pétalas e flores, um ser que parece ter saído de algum pesadelo onírico.
Foi então que entendi: era a porcaria de um sussurrador de pétalas. Esse maldito campo de girassóis… Porra, precisava ser justo a minha mãe? É um truque cruel.
Merda de mundo. Merda de flores. Merda de guildas.
Minha visão começou a ficar turva e, ao redor, ouço os gritos de outros caçadores, um som abafado, como se viesse debaixo d’água. Alguns caem de joelhos, entregues ao mesmo destino que eu, enquanto outros, mais sortudos, parecem se afastar ao custo de deixar para trás amigos ensanguentados.
Merda, merda… Bom, pelo menos posso tentar sair disso com alguma dignidade. Se conseguir deixar alguma marca antes de partir, talvez eu possa terminar como um herói.
Minhas mãos tremem enquanto procuro meu isqueiro. Cadê ele? Droga…
— Ah, foda-se, que se dane.
Tenho certeza que algum manipulador vai ter a mesma ideia em breve. Que queimem no inferno, malditos corrompidos.
Pelo jeito, não era meu dia de sorte…
Discord oficial da obra: https://discord.com/invite/mquYDvZQ6p
Galeria e outros links: https://linktr.ee/eternity_of_ana