Capítulo 76: O Abismo

Além da borda oeste do Túmulo de Cinzas, a paisagem da Costa Esquecida não era nada parecida com o que Sunny esperava — nem com o que desejava — ver.

Deste lado da ilha, a encosta era muito mais comum. No local onde deveria terminar, a visão familiar do deserto plano não estava em lugar nenhum. Em vez disso, o solo continuava a inclinar-se para baixo numa angulação estável, mas ainda consideravelmente ingrime.

Continuando assim por muito tempo. Na verdade, a ilha inteira parecia estar na borda de uma depressão colossal na terra, uma que se estendia até onde os olhos podiam ver. Com suas bordas levemente curvas, parecia uma cratera gigante deixada para trás por um impacto inimaginável.

Pelo que Sunny conseguiu observar, o diâmetro da cratera só podia ser calculado em centenas de quilômetros. As raízes da árvore gigante, que poderiam ser vistas projetando-se do solo bem abaixo, eram pequenas folhas de grama em comparação ao tamanho da parede do gigantesco abismo.

Era como se o mundo inteiro estivesse inclinado para o lado, fazendo a cabeça de Sunny girar.

Em suma, não havia mais características naturais altas a oeste deles. O único caminho a seguir era descer, sem esperança de encontrar abrigo das esmagadoras ondas do mar escuro.

O que resultou com que não houvesse mais como seguir em frente. A jornada deles para o oeste havia chegado ao fim.

E com isso, toda a esperança de encontrar uma porta de entrada para o mundo real foi perdida.

Sunny olhou para a paisagem desolado, sentindo raiva crescente arranhando seu coração. Ele simplesmente não conseguia acreditar que todas as suas lutas foram em vão. Mas a prova estava bem na sua frente, real e inegável.

‘Droga! Droga! Droga!’

Ele tentou pensar em alguma maneira astuta de resolver a situação, mas não havia nada que sua imaginação pudesse inventar. O mar escuro com todos os seus horrores afogava o mundo todas as noites, e a única maneira de escapar dele era subir alto o suficiente antes do pôr do sol. Sem elevações em lugar nenhum à vista, o que ele poderia fazer?

Sunny olhou para Nephis, que parecia ainda mais desanimada do que ele. Seu rosto estava se adaptando a uma máscara de gelo, um olhar escuro cheio de amargura e ressentimento em seus olhos. Ele abriu a boca, tentando pensar em algo para dizer, mas nenhuma palavra lhe veio à mente.

No final, ambos permanecem em silêncio até que o distante aviso do retorno do mar escuro viesse.

Nas profundezas da cratera colossal, torrentes escuras surgiram do horizonte, correndo para enchê-la até a borda. Um pouco atordoado, Sunny viu o nível da água subir rapidamente, finalmente torcendo o abismo sem fim em um vasto mar negro. Então, começou a transbordar, enviando uma inundação incontrolável de água para o deserto. Fluindo além do Túmulo de Cinzas, correndo para o interior e esmagando o coral do labirinto carmesim.

Logo, o mundo inteiro estava coberto pela água negra.

Sunny molhou os lábios secos e virou-se para Nephis. Após uma curta pausa, ele disse com uma voz rouca:

“Acho que chegamos à fonte do mar escuro.”

Ela ficou ali, observando humildemente os últimos raios de sol desaparecerem lentamente do céu, então se voltou para ele com uma expressão sombria no rosto.

“… Vamos voltar.”

Todos os três se sentiram perdidos e de coração partido por causa da terrível descoberta. Cassie em particular parecia estar completamente chocada.

“Não faz sentido, simplesmente não faz”, ela murmurou a caminho do acampamento. “Como isso é possível?”

Agarrando o ombro de Sunny, ela acelerou o passo e perguntou:

“Você tem certeza de que não há nada mais alto que o nível do mar lá fora? Você tem certeza absoluta?”

Ele suspirou, sentindo seu humor ficar ainda mais sombrio do que antes.

“Sim. Nós olhamos bem a fundo. Não conseguimos encontrar o fim da descida. Ela se estende até o horizonte, até onde podemos ver, em todas as direções, exceto para o leste. O Túmulo fica bem na borda.”

A menina cega balançou a cabeça:

“Mas como pode ser? Eu vi que cheguei ao castelo! Deve haver um jeito!”

Sunny permaneceu em silêncio, sem saber como responder. Se realmente houvesse um jeito, ele não tinha ideia.

Depois de alguns segundos, Nephis respondeu em seu lugar:

“Tentaremos pensar em algo amanhã. Na pior das hipóteses, teremos que dar a volta em todo o penhasco.”

Sunny estremeceu com esse pensamento. Uma jornada como essa levaria meses. Para circular em volta da cratera colossal, eles teriam que cobrir uma distância muito maior do que nas semanas anteriores, cada dia correndo o risco de trombaram em algo além de suas capacidades de resistir.

E cada noite trazia o risco de algo tropeçar neles…

As chances de sobreviver vários meses naquele lugar infernal eram mínimas.

‘Ha, ha, ha. Esse abismo…’

Com uma careta, ele tentou não pensar no pior cenário possível. A escuridão da noite que caía não era o melhor ambiente para pensamentos assustadores.

‘Amanhã. Vamos descansar, recarregar nossas energias e pensar em algo amanhã. É exatamente como Cassie disse… já que ela nos viu entrando no castelo, deve haver um jeito.’

Eles chegaram ao acampamento temporário pouco antes do sol desaparecer completamente. Deitado na cama improvisada de folhas caídas, Sunny fechou os olhos cansado e pensou:

“Espero não ter nenhum sonho hoje.”

Então, ele franziu a testa ligeiramente.

‘Sonhos? Desde quando sou capaz de sonhar neste lugar? Ah, certo… teve aquele sonho… ou era uma lembrança? Sobre o que era mesmo… huh, não consigo lembrar…’

Com esse pensamento desaparecendo de sua mente, ele adormeceu.

De manhã, o clima entre os três era bem sombrio. Ninguém parecia querer falar ou fazer nada, olhando sem rumo para o chão ou para as folhas farfalhantes da grande árvore.

Além do golpe da revelação de ontem, eles também estavam com fome. O cadáver do Demônio de Carapaça estava começando a parecer cada vez mais atraente, pelo menos para Sunny. No entanto, ele ainda não estava pronto para quebrar sua promessa com Cassie.

Finalmente, Nephis quebrou o silêncio. Levantando-se, ela olhou para cima com resolução sombria e disse:

“Vou subir no topo da árvore e dar uma olhada ao redor. Talvez eu perceba algo que deixamos passar.”

Sunny olhou para a árvore gigante, de repente, sentindo-a como se fosse incrivelmente pequena. Ela era realmente enorme. O próprio Túmulo de Cinzas já era muito mais alto do que a estátua do cavaleiro gigante e todos os outros abrigos que eles tinham visto, e a árvore quase o superava em tamanho. Escalar todo o caminho até lá levaria muito tempo e esforço.

Mas talvez ela realmente conseguisse perceber alguma coisa daquela altura incrível.

Ele coçou a nuca e disse:

“Tudo bem. Mas tenha cuidado. Fique de olho no céu. Se você notar aquelas abominações novamente, volte para baixo.”

A Estrela da Mudança assentiu e foi em direção à árvore. Sem virar a cabeça, ela calmamente disse como uma despedida:

“Cuide da Cassie enquanto eu estiver fora. Não devo demorar mais do que algumas horas.”

Sunny acenou com a mão e a observou se afastar. Então, ele tentou pensar em algo para fazer.

Em um dia normal, ele já teria começado seu treinamento matinal. Mas hoje, ele estava com muita fome.

‘Vamos lá. Fome não é desculpa. Você acha que sempre terá o estômago cheio antes de uma batalha? Não! Então levante-se e treine. Você não quer experimentar como o Fragmento da Meia Noite fica na sua mão?’

Com um suspiro, Sunny se surpreendeu.

Ele treinou por uma hora, aproveitando a sensação rápida e confiável de sua nova espada. A ‘tachi’ era realmente incrível. Era leve, manobrável e implacável. Seu fio cantava enquanto cortava o ar. Sunny já sentiu como se fosse parte dele.

Seus movimentos eram fluidos e estranhos, quase elegantes.

Depois que a sessão de treinamento terminou, ele decidiu fazer algo útil.

Caminhando até o corpo do Demônio de Carapaça, Sunny passou algum tempo arrancando o Fragmento de Alma dele. No final, ele reuniu todos os três cristais com algum esforço e os guardou na mochila de algas.

O que fazer agora?

Depois de um pouco de reflexão, ele de repente teve uma ideia e tentou encontrar o lugar de oferenda — aquele onde o Demônio de Carapaça havia jogado o Fragmento de Alma transcendente na areia. Esse fragmento foi levado para o Túmulo de Cinzas pelo Centurião e seria uma verdadeira perda para Nephis ou Cassie.

Ele rapidamente encontrou o lugar certo. No entanto, não importava o quanto Sunny procurasse, ele não conseguia encontrar o cristal. No processo, mais algumas horas se passaram.

‘Estranho. Ele era bem grande. Onde poderia estar?’

Ele estava determinado a continuar a busca. Mas, naquele momento, a sombra que ele havia deixado com Cassie notou uma movimentação nos galhos da grande árvore.

Nephis estava de volta.

Sunny caminhou de volta para o acampamento, pensando no que ela havia encontrado. Havia alguma esperança para eles? Ou eram apenas mais notícias ruins?

Quando ele voltou, Nephis e Cassie estavam sentadas no chão com expressões relaxadas no rosto.

“’Ela viu alguma coisa?’, pensou Sunny, subitamente animado.

Mas no segundo seguinte, seus olhos se arregalaram.

As duas garotas seguravam algo nas mãos, seus lábios estavam pintados de vermelho. Elas estavam… comendo.

Eles estavam comendo os frutos da grande árvore.