Capítulo 115: Culpa é para tolos
Ele sentiu dor ao perceber como estava errado.
Cercado em meio ao seu orgulho sem fim, o Hobgoblin acabou sendo ignorante (e esse mesmo orgulho jamais o deixaria se auto-adjetivar assim em voz alta) de um fato crucial. A Bruxa do Pântano, embora fosse muito menos paciente e teimosa do que o Monstro Verde, tinha em suas mãos escamosas uma vantagem que não podia ser subestimada de forma alguma.
Um corpo saudável e no auge de sua vitalidade. Ela descansou com graça e elegância, suas costas deitadas sobre a grama alta que em alguém com escamas tão resistentes era um conforto e não o contrário. O sol a lambendo com o carinho de um amante era o toque a mais que lhe dava um prazer exclusivo a ela, uma vez que os outros dois se sentia castigados pelo astro.
A bruxa poderia passar horas ali deitada.
“Ele” não.
Mas onde errou em suas afirmações?
Não era uma situação simples ao ponto de que um pedido medíocre de desculpas fosse ser útil. Se pudesse, admitiria estar errado e seguiria em frente sem hesitação, o Monstros já esteve errado muitas vezes antes e seus erros apenas o ajudaram a evoluir, em vários sentidos.
Infelizmente, conhecia a Bruxa bem o bastante para saber que não eram meras desculpas o que a mulher queria. Ela desejava sinceridade. Algo que o Hobgoblin não era capaz de dar, não em relação aquele tema em específico.
Era simplesmente estúpido!
Talvez deuses existissem de fato, não era teimoso na medida de que negaria isso. No entanto dá forma que as crenças ao seu redor ditam? O pensamento lhe fazia rir.
Veja a loira reptiliana como seu exemplo, a veterana de guerra rezava todos os dias sem nunca faltar, possuia até mesmo um altar em um dos quartos de sua cabana e oferecia oferendas meticulosamente preparadas ao seu tão precioso e sagrado deus. O ser divino é claro, não a respondeu.
O Monstro descrente poderia entender no caso de um daqueles olimpianos tão importantes que eram adorados através da fronteira de países e por milhares pelo continente. Supostamente haviam muitos fiéis a serem respondidos e um deus não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo.
Mas o tal de Anhangá? Cujo nome vinha sendo esquecido ao passar dos anos de forma gradual conforme cada fiel seu morria? O velho senhor divino não deveria ter nada melhor a fazer e se tivesse, dificilmente o manteria tão ocupado a ponto de nunca haver surgido uma oportunidade para responder as orações de uma fiel tão fervorosa.
A Fé era uma coisa estúpida e “ele” jamais conseguiria encontrar sinceridade o suficiente em seu coração para dizer o contrário.
As suas costas doeram ainda mais com sua conclusão desanimadora. O Monstro estava preso lá, pois não havia chances de voltar atrás em suas palavras. Ela era uma tola, sua crença uma sandice.
— Por que não pedir desculpas logo?
Ele apertou ainda mais sua mandíbula já travada de raiva, claro que o tolo irmão da tão similarmente tola Lauany teria sua opinião a acrescentar sobre o que devia ser feito. Se o Monstro Verde quisesse a opinião estúpida do bovino, o próprio teria perdido seu tempo a exigindo.
— Não há o que se desculpar. — infelizmente, o ignorar teria sido rude.
— Você a ofendeu. — pontuou o pseudo-centauro.
— Ela mesma se ofende com sua fé cega.
O quadrúpede suspirou e encarou o enfermo como se fosse sua culpa toda a situação, sua expressão transitando entre o julgamento e a pena. Aquilo sim era ofensivo.
— Você realmente não acredita em nada?
— Não há nada para se acreditar.
— Eu queria poder explicar a você, mas fé não é algo que se entende, ela deve ser sentida. — o bovino falou cruzando seus braços com um olhar baixo.
— E depois me julgam por não compactuar com essa tolice.
— Não se trata de compactar ou não. Você não a respeita? — questionou apontando para a réptil deitada longe.
— Claro que a respeito. Não seja estúpido. — não mais do que normal, pelo menos.
— Então custa apenas ficar quieto? Você não precisa acreditar, mas é importante pra ela.
O bastardo agiu como se houvesse soltado sobre o Monstro Verde alguma grande pérola de sabedoria e o deixou sozinho para pensar. Como se ele precisasse ouvir a opinião de uma criatura medíocre como aquela. De qualquer forma, já estava se repetindo em relação àquele pensamento.
Embora (e doesse admitir tanto quanto os ferimentos em sua coluna), o irmão de Lauany estava correto em certo ponto. A Bruxa nunca pediu que concordasse com sua fé ou participasse de seus rituais, ela ensinou sobre sua religião e seus deuses, porém jamais o fez sob a expectativa de convertê-lo.
Que estranho sentimento de arrependimento era aquele pesando em seu peito. Patético, tão patético quanto o bovino caminhando ao longe ou a sua amiga se perdendo em sua cegueira. “Ele” se sentia tão patético por se arrepender.
O Hobgoblin engoliu em seco, seus lábios tremendos com o que ia dizer.
— Me desculpe.
Não era possível ver de sua posição, mas seus ouvidos perceberam o movimento dela se levantando e chamando o pseudo-centauro de volta.
Em silêncio todos voltaram às posições de antes, de costas para o passageiro ferido e retomaram a viagem. A Bruxa do Pântano não disse uma palavra, mas não era necessário que o fizesse. Todos sabiam o que ela pensava.
A mulher não havia o perdoado.
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