Capítulo 116: Pousada e turistas
Aquele era um verdadeiro momento histórico, iria entrar para o seu eventual livro de memórias, mesmo que parecesse desimportante. Afinal, era a primeira vez que o Monstro Verde iria entrar em uma aldeia humana habitada.
Foi o que tornou o acontecido tão decepcionante. Se a primeira vila que encontraram parecia ter passado por um cenário de guerra, aquela dava impressão de estar durante um. O silêncio era sufocante, não era a mesma calmaria ameaçadora que a Floresta de Dante tinha como estado natural. Aquela falta de sons era muito mais desanimadora.
Um trio como aquele deveria chamar atenção independente do cenário. Embora se pensasse profundamente, existiam casos onde seriam até que normais. Corrigindo, um grupo tão incomum seria chamativo em uma aldeia tão pitoresca.
Estranhamente, não foi dessa forma. Mesmo que as ruas estivessem desertas, seus olhos amarelos notavam os olhares por trás de frestas pelas cortinas e portas entreabertas. Ainda assim ninguém saiu para os receber, fosse amigavelmente ou com desconfiança violenta.
— Essa é… — o comentário morreu em sua garganta, as palavras lhe faltando.
— Imagino que a outra vila estava assim antes de encontrarem seu destino. — disse a Bruxa.
— Decepcionante, eu carregava maiores expectativas para um assentamento humano. — Os olhos do monstro saltavam inquietos absorvendo detalhes — Arquitetura pobre, até a pirâmide do povo macaco é mais impressionante.
O Monstro Verde estava sentado na carroça com suas costas apoiadas nos caixotes da Bruxa, era o único modo de se manter ereto.
— É só um povoado de fim de mundo, pitoresco. — disse com um lábio curvado em nojo. — Mas não importa, vamos achar um cavalo aqui.
— Não deve ser uma grande dificuldade roubar um cavalo aqui.
— Roubar? Você é idiota, seu imbecil. Esse lugar está no nosso caminho de volta. — a Bruxa recusou a ideia ofendida — Além de que roubar está abaixo de mim.
— Você age com muita pompa pra quem nasceu em um pântano e vive em um.
— E você ergue seu queixo como se fosse uma aristocrata, mas nasceu em um buraco no chão. Além de que não há vergonha em ter nascido no pântano e também não vou morar em um por muito tempo.
— Isso por que?
— Não importa agora, você vai me ajudar a resolver isso quando retornarmos.
Dando o assunto como encerrado, ela guiou o pseudo-centauro a um prédio de três andares feito de madeira e pedras o diferenciando do restante do local. O edifício se destacava com seu quintal cheio de carroças e interior barulhento, contrastando com o resto da aldeia fantasmagórica.
O veículo deles foi estacionado junto aos outros e a Bruxa desceu para logo em seguida retirar o Hobgoblin do veículo. Houve alguma dificuldade em colocá-lo de pé, mas quando conseguiram, bastou se apoiar nos ombros da outra para prosseguirem.
Ao entrarem no estabelecimento, um silêncio incômodo ocupou o espaço. Os olhos dos ocupantes se voltaram para os dois estranhos, algo esperado considerando como todos lá dentro eram humanos.
Ou quase todos.
Para o monstro, parecia um bar ou uma tentativa de restaurante. Haviam mesas de madeira dispostas e próximo a entrada um balcão onde uma garota jovem os observava com olhos arregalados. A réptil levou os dois a uma mesa vazia onde o colocou sentado com as costas retas apoiadas no encosto da cadeira e o deixou para falar com a atendente.
A conversa voltou ao ambiente, embora muito mais sussurrada e contida enquanto o restante ainda os encarava. “Ele” ignorou a curiosidade e animosidade dos humanos e focou sua atenção na única outra raça no prédio.
Os elfos.
Eram doze deles, sentados ao redor de duas mesas juntas no canto do estabelecimento, afastado de todos e encarando os humanos com desconfiança. Principalmente encarando a ele, mas principalmente com curiosidade não disfarçada.
Os orelhas pontudas (isso era preconceituoso contra si mesmo? Ele tinha orelhas pontudas) sussurravam entre si e mesmo com sua audição avançada, não foi capaz de os ouvir.
Eram sete homens e cinco mulheres, uma entre elas parecia jovem, adolescente, embora considerando a expectativa de vida daquela raça, poderia ser muito mais velha do que a aparência denunciava.
Sem tentar ser discreta, a menina apontou para o monstro e falou algo que causou reação negativa nos outros. Ela se levantou mesmo que seus companheiros balançassem as cabeças negativamente, uma das mulheres tentou agarrar seu braço quando a jovem se levantou, mas ela já estava longe do alcance.
A pirralha saltitou pelo lugar alegre, chamando atenção de todos os humanos, algo que os outros obviamente tinham o desejo de evitar. Sem preocupações ela chegou a sua mesa e bateu com as duas palmas na madeira chamando sua atenção.
— Ei! Que tipo de elfo é você?! — ela perguntou com sinceridade alegre.
O monstro ficou sem reação e quando teve uma, mordeu os próprios lábios. Foi necessário, pois sem isso teria rido, “ele” teria gargalhado como fizera poucas vezes na vida. Que tipo de elfo ele era?
Até onde sabia, aqueles tolos deveriam saber reconhecer um Hobgoblin quando viam um. Aparentemente não… ou talvez, não fosse tão simples assim. A Bruxa comentou algumas vezes sobre sua aparência incomum, nenhum monstro deveria ser tão bonito, refinado e aristocrático.
O soro de desenvolvimento poderia ter afetado esse aspecto ou algo mais profundo. O fato é que de fato, ele poderia parecer um elfo que teve a pele pintada de verde e cabelos tingidos e de preto.
— Do tipo que não é comum de se encontrar. — tecnicamente não era mentira e ele gostava da expressão confusa dela.
— Hum? Eu não entendi. — a expressão confusa dela era até adorável.
— Eu pertenço a outra estirpe, meu anjo da natureza. — oh, como ele poderia devorar a carne daquelas bochechas coradas.
A elfa não era particularmente impressionante, em pé mal teria chegado a altura de seu peito. O seu corpo era subdesenvolvido, seus cabelos loiros finos estavam cortados curtos, pouco mais baixos que os ombros. Ela era magra demais para ser atraente aos olhos do Monstro Verde.
No entanto existia uma qualidade naqueles olhos azuis que brilhavam como gemas lapidadas, bochechas coradas vermelhas e sorriso brilhante. Na Floresta de Dante, “ele” já teria arrancado a carne magra daqueles ossos finos.
Todavia, aquela não era a Floresta de Dante e uma acompanhante da elfa já vinha em sua direção.
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