Pare! — Pedi a Kairin. 

    O pássaro-trovão mudou sua trajetória no último segundo, passando ao lado do braço estendido do alado e vindo parar ao meu lado, circulando meu corpo.

    E espere mais um pouco, Vic. 

    Ela não me respondeu, mas percebi uma constante concentração através do nosso laço, como se ela estivesse interessada naquela história tanto quanto eu. 

    — Do que você está falando? — Perguntei. 

    — Primeiro precisamos garantir que vocês saiam daqui. Eles fizeram uma armadilha para capturar o general e o convencerem a mudar de lado. — O alado indicou o esquadrão que continuava voando lá em cima. 

    — Como assim “eles”? Você não é um deles? 

    Eu queria muito armar mais uma flecha, mas depois do que ele tinha feito com a primeira, sabia que não representava nenhuma ameaça direta para ele. 

    Através do canto de olho, captei uma movimentação diferente e olhei para o céu, onde os alados batiam suas asas e o fogo refletia em suas armaduras. Eles estavam se movendo para o sul. 

    — Retirada! — Ralik falou através do comunicador. — Fomos descobertos!

    Apertei firme o arco em minha mão esquerda. 

    Estava acontecendo. 

    Era hoje o dia em que meu tio seria gravemente ferido e, depois disso, mudaria totalmente. De alguma forma, aquele homem na minha frente estava ciente disso tudo.

    — O que eu preciso fazer para resgatar nosso general? — Perguntei, escolhendo confiar no desconhecido. 

    — Então ele já foi pego… Bom, o melhor seria vocês irem embora. A invasão em sua terra ainda deve demorar alguns anos. Anos bons o suficiente para se prepararem. — Ele suspirou, como se aquele contratempo fosse apenas um empecilho pequeno. 

    — E a outra opção? 

    Ele sorriu, como se estivesse antecipando aquele momento.

    — A outra opção seria resgatar ele, mas não sei se você conseguiria sem mostrar que tem um dragão… E quando eles souberem que tem um dragão vivo, que ainda não alcançou seu auge, vão concentrar todos os esforços em matar ele. 

    Não parecia uma escolha justa: de um lado, nosso maior general cairia para as mãos dos inimigos. No melhor dos casos, ele morreria e perderíamos potencial militar. No pior… 

    Um flash invadiu minha mente. 

    Me vi caída, olhando para Danibor enquanto ele avançava em minha direção. Seu corpo sendo consumido por uma energia opressiva. E ele me matando. 

    Por mais que eu fosse melhor, mais forte, ligada tanto a Kairin quanto a Victoria. E ainda tivesse um time ao meu lado que poderia me ajudar, era essa a minha decisão que mudaria para sempre aquele futuro em que eu fui morta.

    — Quero salvar ele. 

    O alado de cabelos vermelhos assentiu, como se já esperasse aquilo, mas quisesse que eu transformasse em palavras para fazer acontecer. Com passos rápidos, começou a caminhar para fora da cobertura das árvores e eu o segui. 

    — O barco vai ficar pronto para nos tirar daqui em vinte minutos. Vamos todos para o leste da ilha. — Ralik assumiu rapidamente o papel de comandante. 

    O local combinado era por onde eu tinha vindo anteriormente. Deveriam ter presumido que, já que eu não encontrei nenhum tipo de resistência naquela região, não deveria ter nenhum inimigo lá e que, portanto, poderiam se aproximar e nos resgatar. 

    — Os inimigos que estavam aguardando, também saíram daqui… Acho que estão todos indo de encontro ao general. — Foi a vez de Gakina falar. — Estou indo ao ponto de encontro. — Ela concluiu. 

    Era estranho ouvir a conversa deles, como se eles estivessem ao meu lado, mas não vê-los por perto. Era diferente com Victoria e Kairin: mesmo quando eles não estavam fisicamente presentes, eu conseguia sentir suas presenças pelo nosso laço. Sabia dizer se estavam próximos ou longe. Aquele comunicador era uma cópia muito barata da nossa habilidade de conexão com os familiares e tudo que fazia era transmitir as palavras faladas. 

    — Eu… — A voz hesitante de Baplin surgiu logo em seguida. — Encontrei um lugar onde eles estão mantendo algumas crianças que sobreviveram. Vamos deixá-las aqui?

    — Não temos como vencer todos eles, Baplin. Se falharmos, eles vão continuar com as crianças e vão nos capturar também. — Ralik apelou pela lógica. 

    E eu sabia que era uma péssima abordagem. Baplin não costumava ligar para a lógica. 

    — Eu… Não vou deixá-las aqui. — Baplin concluiu. 

    — Droga, Baplin! — Ralik ralhou. Apesar de achar que essa forma de comunicação era muito limitada, quase pude sentir sua frustração através de suas palavras. — Agora não é hora para insubordinação! Você pode morrer de verdade! Pense em você e no Barkot! 

    Apelar ao nosso sentimento de proteção por nossos familiares era sempre um ponto de apoio importante. Não raramente, gostaríamos de protegê-los acima de nossas próprias vidas. 

    — Ellarien, pode colocar um pouco de juízo na cabeça dele? — Ralik estava tentando apelar comigo agora?

    — Eu até colocaria, mas estou ocupada indo salvar o general. — E tirei o comunicador da minha orelha antes que ele pudesse trazer qualquer argumento capaz de me fazer mudar de ideia. Embora eu mesma não conseguisse pensar em nenhum. 

    O alado caminhava na minha frente e eu precisava me esforçar um pouco para lhe acompanhar. Ele mantinha suas asas fechadas, as penas alvas recolhidas enquanto avançávamos. 

    — Quem é você? — Perguntei, finalmente.

    Essa deveria ter sido uma das minhas primeiras questões antes de sequer ter pensado em aceitar aquele plano, mas…. Ele era a primeira pessoa que sabia que eu havia conseguido retornar a vida. Nem Victoria, que estava lá comigo, sabia disso. 

    — Pode me chamar de Caçador. 

    Ergui a sobrancelha. Esse seria o seu nome no outro mundo, naquele que estava nos invadindo? 

    Eu estou por perto. — Ouvi a voz de Victoria em minha mente. 

    Não precisei olhar para a esquerda, sabendo que ela se esgueirava nas proximidades para o caso desse sujeito resolver me atacar. 

    Kairin voava um pouco acima de mim, tomando cuidado para não passar da altura das construções e não chamar a atenção. Seus olhos afiados mantinham o alado na mira. 

    A cidade de Lazil caberia dentro da nossa, como um bairro, de tão pequena que era. Apesar da ilha relativamente grande, não tinham pessoas o suficiente para aumentarem seu tamanho e se restringiam naquela região onde a floresta os protegia de ataques vindos do oeste e a montanha os protegia do leste. Embora o leste fosse onde Algator ficava, então geralmente não fosse uma proteção que seria tão necessária assim. 

    — Só isso? Eu estou confiando em você aqui. Não pode dar um nome de verdade? Explicar o que está fazendo aqui? Por que não está ajudando eles, mas me ajudando? — Já que a abordagem com poucas perguntas não estava sendo o suficiente, resolvi disparar uma saraivada delas. 

    Ele riu, suas asas balançando com o movimento do tronco. 

    — Tinha esquecido como os jovens conseguem ser tão curiosos. Primeiro, eu estou confiando mais em você do que você em mim. Não posso te falar meu nome porque, se você for capturada, vão descobrir que eu estou aqui e minha missão é mais importante do que isso. — Ele continuou andando, mantendo o ritmo dos passos acelerados enquanto eu tinha dificuldades para lhe acompanhar. — E segundo… Essa invasão não é certa. Nós temos muitos problemas do outro lado para estarmos pensando em conquistar um novo mundo agora. 

    Antes que eu pudesse perguntar novamente, ele levantou a mão. Não tínhamos combinado nenhum sinal, mas aquele era praticamente universal: pare. O fato dele não ter usado nenhum comando verbal chamou minha atenção para a necessidade de precisarmos ficar em silêncio. 

    Quando emparelhei ao lado dele, ele indicou com o queixo o ambiente à nossa frente. 

    Era para ter uma floresta antes ali. Por uns vinte metros, o solo parecia completamente estéril e cinzento. Só a partir dali era possível ver troncos ainda enfiados na terra, mas levemente inclinados para fora como se uma forte força tivesse empurrado todos. As árvores, ainda de pé, apresentavam sinais de chamuscado, com seus galhos parcialmente carbonizados. 

    No chão, em uma formação circular, pelo menos vinte alados estavam preparados. Assim como outros vinte no céu, batendo suas asas para ficarem no lugar. 

    Parecia ter tido uma batalha recente, já que contei pelo menos doze criaturas com asas caídas no chão, inertes.

    No centro daquilo tudo, Danibor estava ajoelhado com a mão presa atrás das costas. Na frente, de pé, um alado o olhava de cima. Ele não usava elmo, revelando seu cabelo preto. O resto da armadura estava ali: aquelas placas que se uniam de forma complexa, com o prateado parecendo capaz de o fazer brilhar. 

    O general tinha um grande ferimento no lado direito do corpo: seu braço não estava onde deveria estar e um buraco grande, como uma esfera perfeita, havia passado através da costela daquele lado. 

    Eles pareciam estar conversando. Ou aquele em pé apenas falava. 

    — Como eu disse…. — O Caçador falou ao meu lado, sussurrando. — Não posso ser visto, mas irei te ajudar. — Ele estendeu a mão para mim. Para o meu arco. — Preciso disso para te dar cobertura. 

    Hesitei. O arco era minha principal arma naquele momento e entregá-la me deixaria apenas com a adaga presa no cinto em minha lombar. 

    — Não temos muito tempo. — Ele alertou. 

    Travei a mandíbula e lhe entreguei o arco, fazendo o mesmo com a aljava logo em seguida. 

    Os inimigos deveriam estar em quase quarenta alados naquele momento. Seria essa uma missão impossível?

    — Quando eu derrubar o primeiro, resgate seu tio e o tire daqui. Não tente lutar. 

    Ele deu um pulo, se impulsionar ao ar. Mesmo com aquela armadura pesada, ele pareceu saltar quase dois metros antes de bater as asas e se posicionar no topo de uma árvore. 

    Kairin pousou nos escombros do que era uma parede, preparando seu corpo para voar em uma rajada assim que o disparo fosse efetuado. 

    Vic? 

    Estou com você. — Sua resposta me indicou que ela estava do outro lado da clareira forjada, provavelmente embrenhada nas árvores. 

    Ouvi o som característico de uma flecha sibilando no ar e soube que o momento do ataque havia chegado.

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