Ralik apareceu logo em seguida, como se surgisse das sombras de Fenriz. Ele interpelou um dos alados que vinha correndo pelo solo, batendo suas asas a cada três ou quatro passos para dar um pequeno impulso e aumentar sua velocidade. Evitando ficar muito alto para fugir das flechas do Caçador. 

    Ver os dois se chocando não pareceu nem um pouco interessante para o lado de Ralik. O alado estava completamente equipado, com uma armadura pesada e ainda com o impulso do voo. Quando se chocaram, vi meu companheiro de equipe ser arremessadoalguns metros para trás e rolar sobre o campo aberto. 

    O alado o olhou de cima, como se Ralik não valesse sequer o tempo que ele gastaria para lhe finalizar e o deixou caído no chão, se virando para mim e vindo na minha direção. 

    Quando me alcançou, usando sua espada para atacar de cima para baixo, eu me defendi com minha adaga. O choque das lâminas se batendo se espalhou por meu braço, quase me fazendo soltar minha arma. Recuei um passo para trás, chacoalhando o próprio pulso na tentativa de afastar a dormência que ameaçava se espalhar. 

    Através dos seus elmos, eu consegui enxergar o espaço aberto de seus olhos. Eram de um cinza tão claro que beirava o branco, suas pupilas sendo a única coisa que se destacava ali. 

    Pude ver, naquele momento, que ele iria me matar. Não era uma fúria desenfreada, era apenas uma resignação de quem sabe que precisa executar uma tarefa antes de seguir com outra.

    O alado atacou com um corte horizontal e eu me abaixei, sentindo o vento passando por cima de minha cabeça e tendo a certeza de que pelo menos uma mecha tinha ido embora com aquele ataque. Ele emendou o próximo movimento, aproveitando a rotação da lâmina para devolver outro corte em diagonal, de uma forma que simplesmente me abaixar não iria me livrar daquele ataque. 

    Rolei para o lado oposto do golpe, aproveitando que seu tronco estava exposto. Se ele não estivesse com uma armadura que o protegia tão bem, enfiar minha adaga entre as suas costelas seria extremamente fácil agora. Não pense no que poderia ser. Foque no agora! Me repreendi mentalmente. 

    Quando ele atacou novamente, dessa vez mirando uma estocada em meu estômago, a cauda de Victoria bateu com tudo na lateral do corpo dele e o mandou rolando pelo chão. 

    De alguma forma, o alado conseguiu proteger suas asas enquanto amortecia a queda com mais graciosidade do que eu esperava de alguém usando uma armadura que conferia toda aquela proteção. 

    Assim que ele se levantou, encarou a mim e ao dragão e ficou parado por um momento. Como se estivesse calculando os riscos de se aproximar de mais ou de ficar ali. 

    O alado estendeu a mão esquerda, aquela que não carregava a espada, em minha direção. Vi o momento em que uma energia laranja se formou, se transformando em uma esfera. Os olhos veridianos me entregavam mais do que apenas a resposta visual, eu conseguia enxergar a manifestação do amarelo e do vermelho se fundindo naquela técnica. O equilíbrio era quase perfeito e eu, mesmo com tantos anos praticando ao lado de minha avó, sabia que não era capaz de alcançar aquele nível de controle da Energia Prismática. 

    Não podemos deixar ele terminar de concentrar isso! — Avisei Kairin e Vic. 

    E imediatamente comecei a correr. Circundando o alado, eu fiz com que ele tivesse que me acompanhar, enquanto girava o seu corpo e mantinha a palma da mão apontada diretamente para mim. Menos mal, assim Vic não está na linha de fogo também. 

    Ele pareceu perceber isso também, sabendo que agora estava aberto para receber golpes dos outros lugares. Aquela esfera alaranjada foi concentrada um pouco mais, rotacionado em volta do próprio eixo enquanto se tornava menor e mais comprimida e ele disparou na minha direção no momento em que Victoria o atacava de cima, destruindo a armadura prateada do alado com suas garras e despedaçando suas asas. 

    Eu não tive tempo o suficiente para ver tudo isso. 

    A energia prismática alaranjada avançava com velocidade na minha direção, deixando um rastro de destruição no solo por onde passava e causando uma distorção no ar, como se a energia fosse tão forte que tornasse o ar mais pesado ao seu redor. 

    E aquela coisa vinha com muita velocidade. 

    Estendi as duas mãos para frente, envolvendo meu corpo com todo o Vermelho que eu era capaz de externalizar. Tentei direcionar ela para as palmas de minhas mãos, me preparando para o impacto. 

    Ell! — Ouvi Vic gritar através do nosso laço. 

    E, pelo canto do olho, vi o rastro amarelo se deslocando pelo ar com velocidade. Reconheci que era Kairin, mas ele não chegaria há tempo. 

    Não antes do vulto que, subitamente, apareceu entre a esfera e eu. Um de seus braços estendidos para frente. Um único braço que recebeu aquela concentração diretamente na palma da própria mão. Caçador? Não vi asas em suas costas, mas ele deveria ser forte o suficiente para parar isso, não? Se ele usasse uma armadura daquelas, talvez ele conseguisse. 

    Mas não era o Caçador. 

    Era Ralik. 

    Reconheci seu grunhido de dor enquanto ele amortecia o impacto da esfera com a própria mão direita, usando a esquerda para segurar no próprio pulso e fornecer mais apoio para parar aquela ofensiva. 

    Com os olhos veridianos em ação, eu consegui enxergar com detalhes o que estava ocorrendo com a energia prismática naquele momento: o laranja se chocava contra sua mão, causando fricção no ar, pipocando em energia enquanto entrava em combate com a do próprio Ralik. O ar estava tão denso que filetes de eletricidade escapavam do ponto de impacto.

    E então a energia laranja, enviada pelo alado, começava a se dispersar. Não, ele não está dispersando a energia… Eu conseguia ver que as cores estavam envolvendo a mão de Ralik, se embrenhando por seu braço e se misturando aquela que estava em seu próprio corpo. Ele está absorvendo! Percebi, perplexa. 

    Quando as cores se apagaram, ele teve a coragem de olhar para trás, com um sorriso nos lábios, para me perguntar: 

    — Você está bem? 

    — Impossível! — O alado gritou, do outro lado do campo de batalha. 

    Foi sua última palavra antes de Victoria apertar firmemente os dentes no elmo dele, amassando sua cabeça e em seguida puxando para trás, separando seu crânio do corpo. 

    — O que você fez? — Perguntei para ele enquanto me aproximava dela, estudando sua mão e seu corpo enquanto tentava procurar qualquer ferimento. 

    — Depois eu te conto. Precisamos ir embora daqui. — Ele pareceu ver Danibor pela primeira vez e correu em sua direção. — Para onde foram todos eles? — Perguntou, claramente se referindo aos alados. 

    — Depois eu te conto. — Repeti suas palavras. 

    Ralik passou o ombro inteiro de Danibor em volta do próprio pescoço e o levantou, fazendo-o ficar de pé. O gemido de dor que o general deu me deixou preocupada, mas só agora eu vi que ele estava envolto pelo Vermelho, tentando estancar os próprios ferimentos com as propriedades de recuperação daquela cor. Toda sua energia parecia estar direcionada aquela única função e o verde de seus olhos, normalmente brilhantes como joias ao sol, estavam opacos. 

    Vic, preciso que leve ele até o barco. Se formos andando, ele vai demorar muito. 

    O dragão de escamas verdes terminou de raspar as garras nas asas, manchadas de vermelho, do alado abaixo de suas patas e se virou em minha direção. Seus olhos dourados, se estreitando enquanto encarava aquela situação, como se estivesse ponderando antes de responder. 

    Ela sabia o que ele tinha feito a nós duas. A ameaça de usar suas escamas como armadura, o inferno que ele havia feito em minha vida passada. Ela parecia decidida a ela mesma terminar o serviço ali. Bastava uma mordida. Um arranhão. Qualquer encontrão seria o suficiente para matar o general de uma vez por todas. 

    Eu conheci aquele conflito. Era o conflito que eu enfrentava toda vez que o via. O conflito entre ele ser a pessoa que havia me matado e o general que nosso exército precisava para enfrentar essa dificuldade. Ele não era uma má pessoa, embora estivesse longe de ser alguém bondoso também. Inflexível e amargo, poderia matar qualquer piada de Baplin com apenas um olhar. 

    Mas nós estávamos conseguindo… Estávamos impedindo que ele se transformasse naquela coisa que me matou. Que nos matou. 

    Por favor. — Implorei. Deixando que ela sentisse tudo aquilo que eu sentia também. 

    Como se aquele momento não requeresse urgência o suficiente, vi quando os alados começaram a retornar em nossa direção. Como se tivessem finalizado o trabalho do lado de lá. Teriam encontrado e matado o Caçador? Tinha tantas coisas que eu gostaria de perguntar ainda. 

    Isso se somava ao momento em que os alados, com suas asas cravejadas em flechas, começaram a se levantar também. Como se o choque inicial tivesse finalmente passado. O Caçador não havia matado nenhum deles: todas suas setas foram certeiras apenas para incapacitá-los. 

    Certo. Coloque ele em cima de mim. — Victoria finalmente respondeu, se abaixando o suficiente. 

    Eu e Ralik apoiamos o corpo de Danibor sobre ela e percebi que, enquanto eu tinha esse momento com minha familiar, ele estava curando o general. Sua mão apoiada sobre o peito dele, que oscilava com dificuldade, Ralik transferia sua energia para o impedir de morrer. Seu ferimento parecia cada vez mais perto de se fechar, embora ele estivesse longe de se recuperar totalmente. 

    — Eu consigo estabilizar ele, mas preciso ir junto. 

    — Vic não vai aguentar nós três… — Apoiei a mão sobre o pescoço dela.

    Pedir que ela carregasse o general já havia sido muito. Que ela voasse sem mim, me deixando para trás e fosse apenas com Ralik… Parecia impossível. 

    Vocês não querem amarrar uma carroça em mim logo? — Ela rosnou. — Se você não chegar no barco em vinte minutos depois que eu partir, eu vou voltar tacando fogo em tudo. 

    Ela evitava usar essa habilidade porque envolvia o uso de energia prismática para gerar a combustão. Dragões adultos, segundo o que se diziam as lendas, eram capazes de fazer isso sem o uso de energia e apenas com suas capacidades biológicas, mas parecia que os jovens ainda não tinham acesso a esse poder. 

    Quando ela voou, com Ralik reclamando que não tinha onde segurar enquanto mantinha Danibor preso, percebi que pela primeira vez, em muito tempo, eu não estava acompanhada por ela. 

    Ainda estou aqui. — Kairin deu um rasante, pegando uma das espadas caída dos alados que já haviam sido derrotados e soltando para mim. 

    Peguei a lâmina e testei seu peso imediatamente. Ela era muito mais leve do que eu imaginava que poderia ser, respondendo com facilidade aos movimentos. 

    Os alados haviam se dividido em dois grupos: aqueles que iriam atrás de Vic e meus companheiros, atendendo as ordens do capitão deles que era para acabar com a vida dela. E a outra metade se virou para mim e Kairin. Alguns ainda voavam, pairando em uma altura de três a quatro metros, mas a maioria estava a pé.  

    Esse seria um ótimo momento para uma flecha vir das árvores e derrubar os alados, mas eu duvidava que ainda tivesse alguma naquela aljava que eu lhe entreguei. 

    Para enfatizar minha situação de desespero, os alados avançaram.

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