Acordei horas depois. Ou dias. Eu já não conseguia mais acompanhar o passar do tempo corretamente. A dor ainda estava no meu peito, embora agora fosse muito menor e menos aguda. 

    Minha avó estava no lugar de Ralik, sentada na mesma cadeira. 

    Assim que abri os olhos, ela colocou a mão sobre minha cabeça. Como se estivesse verificando minha temperatura. 

    Percebi que seus olhos verdes estavam brilhando, então ela não deveria estar apenas avaliando meu físico, mas também o uso da minha energia prismática.

    — Não use seu prisma. Eu já estou fazendo o tratamento em você. — Ela me aconselhou, ainda com sua mão suave sobre minha testa. 

    É engraçado pensar que aquela é uma mão calejada, com centenas de anos de treinamento no manejo da espada e de outras armas. Os calos de uma mulher que viveu uma vida mais longa do que se pode imaginar e que enfrentou todas as adversidades da vida. 

    E aquela mão, na minha testa, era muito confortável e macia. Não macia do tipo aveludada, mas do tipo reconfortante.

    — Qualquer um teria Desbotado se tivesse usado tanta energia quanto você usou. — Minha avó me avisou. — Não sei como seu prisma não se partiu, mas chegou bem perto disso. 

    Assenti, como se eu já tivesse entendido aquilo. 

    Desbotar era quando nosso prisma, a parte do nosso corpo responsável em converter a energia em energia prismática para podermos usar as cores, se torna cinzento e não permite mais a liberação. Nem mesmo as cores primárias se formam mais e ficamos iguais aos humanos: sem qualquer acesso a magia.

    Sua expressão de preocupação se suavizou e ela pareceu mais tranquila.

    Eu fiz como ordenado: não usei minha energia prismática pelos próximos dias. O meu corpo precisava de movimento e não tinha muito que o mesmo o Vermelho pudesse fazer para remediar isso. 

    Com a ajuda de uma fisioterapeuta, não demorou mais do que uma semana para eu já ter voltado a andar. E outras duas semanas se passaram com velocidade enquanto eu recuperava as demais capacidades. 

    O Vermelho era útil nesses momentos. O corpo se cansa, se machuca e se recupera. A energia prismática acelera o processo de recuperação, então eu posso continuar me esforçando um pouco mais. Era como se eu tivesse condensado três meses de fisioterapeuta em apenas três semanas. 

    E eu continuei sem usar minha própria energia, como orientado pela minha avó. Quem me auxiliava com o Vermelho era a própria avó Ellen ou a assistência médica que eu estava recebendo. 

    Danibor estava em estado crítico, internado e recebendo tratamento médico. Graças ao auxílio de Ralik, que havia impedido que os danos aumentassem ainda mais, o general tinha a chance de se recuperar daquilo e ficar vivo novamente. 

    Ralik passava quase todos os dias para ver como eu estava, embora ele tenha diminuído o ritmo depois que eu comecei a melhorar. Como se já não precisasse mais de tanta preocupação de sua parte. 

    Baplin e Barkot estavam ali comigo pela primeira vez. 

    Encostados na minha árvore. 

    — Isso é para você. Presente por ter se recuperado. — Ele me entregou uma folha anotada. 

    Cada um dos professores da academia parecia ter tirado um tempinho para desejarem que eu melhorasse com celeridade. 

    E ainda sim mandaram, cada um deles, um trabalho para fazer enquanto eu não conseguisse retornar. Para manter a mente ocupada, eles disseram. 

    — Acho que eu vou dobrar e passar para o próximo. — Respondi, devolvendo o bilhete. 

    Que ele fez o favor de não pegar. 

    Guardei no bolso. 

    — Como as coisas estão? — Perguntei. 

    — Bem… Complexas. — Baplin deu de ombros. Barkot, em cima de um dos ombros, deu uma balançadinha. — Acham que o general não deve mais voltar ao cargo e pediram para sua avó ficar e assumir até que alguém seja designado. 

    Isso explicava as poucas vezes que eu a via nos últimos tempos. E seu estresse constante. Ela odiava essa responsabilidade. 

    — E as crianças que você resgatou? 

    — Não estão lá muito bem… A maioria viu os pais morrendo na frente deles… Isso porque ainda parece que eles levaram os que não demonstraram resistência. Sabe-se lá para onde. 

    Fazia sentido. Não tínhamos visto tantos corpos enquanto estávamos na ilha, então eles deviam estar em outro lugar. 

    — Nenhuma notícia boa? — Me encostei na árvore e deslizei até chegar no chão. 

    — Hm… — Baplin pareceu pensar por um instante. — Um professor falou que você foi incompetente em não retornar imediatamente quando foi ordenado. 

    — E como ele sabe disso? E essa é uma notícia boa?

    — Está no relatório da missão. Foi um dos oficiais que estava no barco que fez o relatório, ele estava ouvindo nossas conversas pelo comunicador. 

    — E aí? Isso era uma boa notícia? — Foi a minha vez de dar de ombros, desanimada. 

    — Não, eu já ia chegar lá. Aí o Ralik desafiou um professor para luta e ganhou dele. Foi muito bonito de se ver. Essa é a parte boa da notícia. 

    Era a segunda vez que ele entrava em um duelo por algo relacionado a mim? Ou era apenas a segunda vez que eu sabia os motivos do duelo? Quantas vezes mais isso já aconteceu antes e eu não estava sabendo? 

    — Achei que você ia ficar feliz com isso. — Baplin falou, me despertando dos devaneios. 

    Percebi que eu provavelmente estava fazendo alguma careta, com a testa enrugada e o cenho franzido. 

    — Não gosto que os outros lutem minhas lutas por mim. 

    Baplin balançou a cabeça, como se entendesse aquele ponto.

    — Bom, seria daora se a Gakina lutasse as minhas por mim. Certeza de que ninguém mais ia me desafiar. 

    Ele se levantou, batendo as mãos na calça para limpar onde poderia estar sujo e acenou, se despedindo. 

    Enquanto Baplin se retirava, passou por minha avó Ellen que estava vindo em minha direção. Ela o cumprimentou com um sorriso e ele fez uma reverência gigantesca. Mesmo de longe, quase o ouvi gaguejar. 

    — Esse menino é estranho. — Ela disse quando finalmente parou ao meu lado. 

    — Acho que ele é o fã número um da senhora. 

    Ela deu uma risada, achando graça daquilo enquanto tocava na árvore com a mão direita, espalmando sobre o tronco. 

    — E aí? Vamos continuar com o treinamento?

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