Toquei na árvore, imitando o movimento de minha avó enquanto me concentrava em sentir meu prisma. Eu não tinha tentado usar minha energia nenhuma vez depois daquele dia em que desmaiei de dor ao tentar fazê-lo. 

    Me pareceu semelhante aos primeiros dias de fisioterapia: quando meu corpo ainda estava fraco demais para responder como eu queria e estava acostumado: o comando de fechar o punho com força era enviado por minha mente, mas tudo que meus dedos faziam eram se mover com dificuldade, mal tendo pressão o suficiente para segurar um copo com água.

    — Eu precisei cuidar dela enquanto você estava fora, Ell. — Ouvi minha avó dizer. — Uma árvore que é alimentada com a energia prismática e fica desse tamanho, não é capaz de encontrar os nutrientes naturalmente e precisa continuar sendo fortalecida ou morre rapidamente. 

    Era a primeira vez que ela me explicava isso, mas algo dentro de mim parecia saber disso quase que naturalmente. Faz sentido. Eu apenas assenti com a cabeça, mantendo minha mão encostada no tronco. 

    Com um pouco de esforço, eu coletei um pouco do meu Vermelho e reguei a árvore com ele. O fiz com medo, receio de sentir aquela dor novamente. Quando a dor não retornou, me senti um pouco mais relaxada. E entreguei um pouco mais de minha energia para a árvore, deixando que ela se alimentasse e fortalecesse. 

    — Como está o tio? — Perguntei, distraidamente. 

    — Você deveria perguntar isso diretamente para mim, criança. — Ele falou, o tom de sua voz sempre potente me assustando e me fazendo olhar em sua direção. 

    Ele estava atrás de nós duas, uns dois metros mais para trás. O grisalho em seu cabelo tomara quase todo o ruivo e ele parecia muito mais velho do que antes. Como se tivesse envelhecido uns vinte anos nesses poucos dias em que eu não o vi. 

    — Desculpe… — Ele pigarreou. — Eu não deveria te chamar mais de criança. Só estou aqui graças a você. A todo o time, mas principalmente graças a você. 

    Ele está em sua posição comum, quando cruza ambos os braços na parte de trás do corpo, expondo o peito estufado. A diferença é que apenas o braço esquerdo está para trás. A ausência de um ombro e do braço direito causa estranheza naquela figura imponente que era o general. 

    Não respondi de imediato, ainda aturdida por aquela visão. E por aquelas palavras. Ele realmente pediu desculpa? 

    — Você deveria estar descansando, general. — Minha avó o repreendeu. 

    Danibor e Ellen se encararam por um momento e eu tive a sensação opressora de estar entre as duas vontades que se chocavam, quase criando faíscas no ar. 

    Eu já presenciei aquele conflito antes: ela o repreendia, ele respondia a altura e os dois começavam a discutir. Poderia durar apenas algumas palavras ríspidas e acabar rapidamente ou durar horas e mais horas. 

    Me preparei para sair de fininho, mas me interrompi ao ver que o olhar do meu tio se suavizou. 

    — Você está certa, mãe… — Pareceu muito difícil para ele dizer aquelas palavras. Quase tão difícil quanto pedir desculpa. Não, talvez mais. — Eu só vim agradecer Ellarien por ter salvado minha vida. 

    Ele fez uma pequena reverência e, por mais pequena que fosse, era o máximo que eu o vi abaixar a cabeça em todos esses anos que estou viva. Esses anos e os da vida passada também. 

    — Isso foi… Diferente. — Murmurei apenas o suficiente para que minha avó ouvisse.

    Conforme ele saia, peguei um movimento com o canto do olho. Minha avó estava limpando o rosto. 

    — Aconteceu algo, vovó? — Perguntei quando ela não respondeu nada.

    Ela olhou para mim, quase sem esconder o sorriso. Com o rosto molhado de lágrimas que ela tentava secar, mas não conseguia. 

    — Eu não lembrava… Como era ser chamada de mãe por ele…. — Ela desistiu de tentar manter o rosto seco. 

    Não demorou muito para que eu estivesse boa o suficiente para retornar às aulas. Consegui fazer os exercícios, trabalhos e atividades que os professores enviaram por meio de Baplin e, por mais que eu ainda estivesse atrasada na maioria das matérias, não estava tão atrasada assim e seria fácil recuperar o tempo perdido. 

    Esse era o nosso último ano na Academia. 

    — Bem-vinda de volta, Ellarien. — A professora de biologia, Sandhe, me recebeu na porta quando eu cheguei. — Como foi a recuperação? 

    — Foi bem, obrigada por se importar. — Cumprimentei ela com um sorriso enquanto entrava na sala. 

    Apesar dos alunos serem divididos em suas Origens diferentes de acordo com a necessidade de seus familiares, todos fazíamos aulas juntos. E, mesmo que fosse o último ano, tínhamos poucas desistências na Academia e a sala estava cheia. 

    O ambiente se parecia muito com um teatro: a professora dava aula em um palco, na parte de frente da sala, onde ela tinha um quadro negro para poder escrever, mas era pouco usado porque os alunos que ficavam nas últimas fileiras mal eram capazes de enxergar qualquer coisa escrita ali. 

    — Recentemente foi descoberto que as plantas podem se comunicar umas com as outras através de suas raízes e dos fungos abaixo do solo. Isso permite que, quando qualquer planta ou árvore identifique um predador próximo, ela consiga se defender e avisar para que suas vizinhas se defendam também. 

    A aula parecia ter começado a partir de um certo ponto, mas como eu não sabia qual era o assunto da aula anterior, resolvi não perguntar enquanto ela continuava com sua explicação. 

    “Chamamos essa conexão de redes micorrízicas. Elas não apenas permitem trocar informações, como também a troca de nutrientes. Dessa forma, uma árvore que tem mais nutrientes do que o necessário, os repassa para as mais próximas poderem crescer também. 

    “É com base nesse estudo que estamos desenvolvendo uma capacidade de usar o Azul para manter comunicações a distância. Alguns de vocês já devem ter ouvido falar do Vermelho para fortalecer as árvores, o que indica que elas são suscetíveis a energia prismática. 

    “Imagine uma missão onde você pode se comunicar com a sua equipe sem a necessidade de falar, apenas enviando seus pensamentos direto para o outro lado.” 

    Levantei a mão, entendendo que agora era um bom momento para perguntar. 

    — Sim, Ell? — Ela olhou para mim. Outras cabeças se viraram na minha direção também. 

    — O que impediria que outra pessoa, de fora da missão, se conectasse com as árvores e ouvisse o que estamos conversando? — Perguntei. Abaixando a mão em seguida.

    — Na verdade… Nada impediria isso. — Ela pareceu dar de ombros, como se aquele fosse um assunto já debatido entre os pesquisadores antes. — Assim como nada impediria que alguém chegasse depois e ouvisse o que aconteceu, mesmo não estando lá quando ocorreu a conversa. 

    Ela desenhou uma árvore no quadro negro. Bem rústica, mas deu para entender o que eram as raízes, os troncos e os galhos. Logo em seguida ela desenhou outras três, as conectando pelas raízes como se as árvores estivessem de “mãos dadas”. 

    — Nossa conversa ficaria guardada na árvore para ser ouvida depois? — Perguntou uma aluna, algumas fileiras na minha frente. 

    Pelo seu cabelo loiro, reconheci ela como aquela que tentou entrar na equipe de Danibor, a que seu familiar era um corvo. Tentei lembrar seu nome, mas falhei. 

    — Sim. Demora muito tempo para a energia prismática se dissipar naturalmente, então o que foi dito ficaria lá por alguns anos. — A professora respondeu. — Por isso teríamos de falar apenas por códigos e estritamente o que for necessário. 

    Não me parecia muito útil. Os comunicadores que usamos durante a missão em Lazil pareciam muito mais úteis. Embora eu precise falar para que ouçam do outro lado. 

    Pareciam dois usos completamente diferentes. E, bem, a pesquisa ainda estava em desenvolvimento. Talvez conseguissem resolver essa questão até ela passar a ser usada em campo oficialmente. 

    Tive mais três aulas antes de poder retornar para minha torre, onde Kairin e Victoria me esperavam. 

    Se eu tivesse que ouvir mais duas palavras sobre as leis da física, eu ia ficar louca. — Comentei mentalmente com Kairin e Victoria conforme eu me aproximava. 

    Depois que meu laço vital foi firmado com Kairin, eu sentia que nossa ligação estava mais forte e podíamos conversar mesmo quando ele estava muito longe. E o laço com Vic parecia mais fraco. 

    Na verdade, não era seu laço que estava mais fraco: era como olhar para duas estradas diferentes que originalmente eram iguais, mas que uma tivesse sido recentemente pavimentada enquanto a outra ainda continuasse a mesma. A antiga pareceria menor em relação a recém reformada, mas não tinha ficado menor diretamente. Apenas continuava a mesma.

    Ela deveria estar imaginando o mesmo, já que me esperava na área que dava entrada para a floresta, do outro lado da torre vermelha. 

    Firme o nosso laço agora. — Ela ordenou. 

    Arqueei a sobrancelha. 

    Eu não sei como fiz aquilo, Vic. E eu não quero ter que fazer do mesmo jeito… — Apesar de Kairin ter me perdoado, eu ainda remoía isso internamente. 

    Então aprenda. E não pense que eu precisarei de perdão quando você fizer, eu já estou pronta desde agora. — Ela me mostrou os dentes, como se me desafiasse a contestar seus argumentos. 

    Deslizei a mão pelas escamas de seu pescoço, sentindo o toque familiar enquanto deixava aquela paz se espalhar por dentro de mim. Pelo nosso laço, eu conseguia sentir que ela estava angustiada. E eu entendia esse sentimento. 

    Ela permanecia ao meu lado desde quando eu era apenas uma criança. Um bebê, na verdade. Era natural que ela firmasse o laço comigo primeiro e não o Kairin, que chegou mais tarde. 

    Apesar disso, eu não sentia ciúmes vindo dela. Ela não invejava que o pássaro-trovão tivesse feito primeiro ou desejava que fosse ela em seu lugar. Era apenas queria estar ao nosso lado, juntos. 

    Vic virou seu pescoço alongado para a direita e eu achei que era para que fizesse carinho no lado que ela deixou exposta, então passei a mão ali também, mas percebi que não era isso quando acompanhei para onde ela olhava e vi Fenriz e Ralik vindo em nossa direção. 

    Fiquei feliz quando percebi que o lobo não parecia ter nenhum ferimento. 

    — Acho que você esqueceu isso, Ell. — Ralik me entregou um embrulho que tinha quase o tamanho da minha perna, alongado, mas fino. Enrolada por um tecido fino. 

    Peguei e desenrolei, espiando o que tinha dentro. Um brilho prateado me fez lhe desembrulhar totalmente e vi que era a espada que Kairin havia me entregado durante a luta. Que eu usei para matar o capitão dos alados. 

    — Obrigada. — Testei o balanço da espada no ar. 

    Tinha me esquecido do quão leve ela era. 

    — Como o Fenriz está? — Perguntei, andando para o lado do lobo e passando a mão na região da costela. 

    Algo naquele incidente nos aproximou mais, caso contrário ele não deixaria que eu chegasse em uma região do seu corpo que era tão exposta desse jeito. Sorri ao perceber isso. 

    — Ele está bem. Tinha fraturado duas costelas, mas no fim deu tudo certo. — Ralik me respondeu. 

    Percebi que ele encarava Victoria, que parecia lhe desafiar com o olhar a tentar fazer a mesma coisa que eu fazia com Fenriz, com ela. 

    — Preciso… Conversar com você. — Ele falou, parecendo meio hesitante. 

    É agora que ele vai se declarar. — Victoria se afastou alguns passos, como se fosse nos dar privacidade. 

    Ele vai o que?! 

    Senti sua risada ecoando por nosso laço enquanto ela ficava mais longe. E acho que meu rosto ficou um pouco vermelho, considerando o calor que eu senti subitamente.

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