Capítulo 23 - Minha Avó
Ellen, minha avó, atacou o alado com um golpe forte. Seus punhos eram firmes e ela não usava nenhuma arma, mas dava para sentir o peso dos seus golpes no ar. Como se fossem duas marretas pesadas com a capacidade de destruir rocha.
Satoriel, meu professor substituto de filosofia e também o Caçador que me ajudou durante a missão em Lazil tenta fugir do alcance dela como se sua vida dependesse disso.
Minha avó acerta um soco no chão, rachando um pedaço de terra onde o alado estava antes enquanto ele se afasta um pouco e usa as asas para ganhar altura, criando mais distância entre os dois.
Provavelmente a vida dele realmente dependa de sua capacidade de fugir dos golpes dela.
Não consigo esconder um sorriso enquanto observo a cena. Ela realmente está pressionando-o, embora eu não tenha deixado de perceber que o alado não fez nenhum ataque até agora.
— Eu achei que não seria boa ideia contar para ela… — Vic falou através do nosso laço. — Ainda bem que você não me ouviu.
Eu estava um pouco mais longe de onde os dois se enfrentavam, sentada no chão e com as costas apoiadas em uma das pernas de Vic.
A luz da lua, de uma noite sem nuvens, refletia em suas escamas verdes e tornavam-na quase hipnótica. Qual era a relação da cor de suas escamas com a minha capacidade de controle da energia prismática? Era apenas uma coincidência que eu havia despertado o Verde ou minha ligação com a dragão teria algo a ver com isso?
Embora eu quisesse muito saber disso, não existiam outros dragões para que pudéssemos perguntar. Não que conheçamos… Lembrei da escama que Ralik me mostrou depois que eu me recuperei.
O som de penas silvando no ar chamou minha atenção de volta para o combate. Minha avó conseguiu conectar um soco e o alado despencava em direção ao solo, rodopiando no ar de maneira desgovernada enquanto se aproximava cada vez mais do terreno rochoso.
No último momento, ele abriu suas asas e girou o corpo através de um eixo próprio, invertendo sua posição e apoiando os pés no chão para amortecer seu impacto.
Quando olhei para o céu, a silhueta feminina de minha avó, com um par de asas nas costas, me surpreendeu. Ela voava no ar como se ela mesma tivesse asas, embora eu soubesse que era seu familiar, Percivarez, que a carregava. O controle dos dois, no ar, deveria ser realmente bem avançado se eles eram capazes de voar em conjunto daquela forma.
Minha avó flutuou até o chão, se posicionando a uns cinco metros de distância do Caçador enquanto os dois se encaravam.
— Se você não parar de se segurar, não vou te deixar treinar minha neta. — Ela falou, sua voz carregando uma autoridade que eu a vi usar poucas vezes em toda minha vida.
O ruivo passou a mão pela testa, deslizando o dedo pelos seus cabelos longos e os amarrou em um rabo de cavalo.
— Mas a senhora também está pegando leve comigo. — Ele respondeu.
— Considere o aviso dado então: vou parar de pegar leve com você.
Me inclinei mais para frente, determinada a prestar mais atenção nos próximos movimentos que aconteceriam naquela luta. Eu sabia que minha avó era uma nahuale muito poderosa, mas mesmo na vida passada eu não tivera muitas oportunidades de vê-la em ação.
Ouvi o som de asas farfalhando e Kairin pousou ao meu lado, provavelmente tão interessado naquele combate quanto eu. Minha avó e seu parceiro eram como eu e Kairin: um nahuale que possui um pássaro-trovão como familiar. Poderíamos aprender muito apenas assistindo os dois juntos.
— Por que eles não se mexeram ainda? — Vic falou através do laço.
O alado e a nahuale se encaravam enquanto mantinham aquela distância. O ar entre eles parecia vibrar. Nenhum músculo se movia, mas uma pressão invisível pesava sobre o campo, fazendo até a grama aos meus pés se curvar. O combate não era de punhos.
Espera… Enviei uma pequena parcela de energia prismática para os meus olhos, ativando minha herança enquanto passava a enxergar o mundo de forma diferente.
Involuntariamente arrastei meu corpo para trás, buscando o conforto e a proteção de Victoria.
A energia dos dois se chocava com força, como se fossem duas tempestades que vinham de direções diferentes e disputavam o direito sobre a mesma região.
Eles não estavam em uma batalha física porque estavam medindo a pressão de suas energias prismáticas.
Isso… É loucura. Era tanta energia que fazia minha ilusão de Victoria adulta, no primeiro dia de aula com Danibor na academia, parecer uma brincadeira de criança.
A tempestade que vinha da minha avó era uma nuvem laranja e densa, que se assomava sobre o brilho prateado da energia do alado e o pressionava para trás, empurrando de volta.
Era pra ser uma noite calma e sem nuvens, mas um vento forte chegou sem ser convidado, trazendo consigo um sentimento gélido e carregando o cheiro de ozônio parecendo que uma tempestade realmente fosse se formar ali.
O cabelo dela oscilava no próprio ar, como se a energia fosse tanta que a gravidade deixasse de exercer sua pressão ao seu redor. Ela deu um passo para frente, encurtando o espaço entre os dois enquanto o alado dava um passo para trás.
Ela realmente estava pressionando-o, mas eu via algo — do ângulo em que eu estava, que ela não deveria ser capaz de ver — se formando atrás dele. Satoriel havia dividido sua energia prateada em duas porções e enfrentava o poder de minha avó com apenas uma delas enquanto a outra se concentrava em suas costas, escondida atrás de suas asas.
Ellen deu outro passo em sua direção, lhe empurrando novamente.
A energia que o alado escondia se condensava cada vez mais, me lembrando daquele mesmo ataque que um dos invasores tinha usado contra mim em Lazil, mas que Ralik havia aparecido para me salvar.
Me levantei, determinada a ajudar minha avó e não permitir que o alado a ferisse de forma alguma.
Eu estava enganada, é claro.
A nuvem de energia que enxergava através dos olhos veridianos de minha avó finalmente venceram a barreira prateada imposta pelo Caçador, caindo sobre ele como uma onda gigantesca capaz de engolir qualquer navio.
O alado atacou exatamente nesse momento, recolhendo a parcela de sua energia que barrava o avanço da nahuale enquanto a somava com aquela segunda energia que ele concentrava em suas costas e devolvia o ataque final de minha avó.
Nesse momento, Percivarez caiu do céu como um trovão. O som do impacto foi ensurdecedor, me jogando para trás enquanto eu precisava apoiar as costas no corpo de Victoria para não sair realmente voando.
Ela… Matou ele?! Percebi que eu estava preocupada com a pessoa errada esse tempo.
Ainda havia tantas coisas que eu queria saber. O alado parecia ser o único que sabia que eu havia retornado depois da morte e eu precisava de respostas.
A poeira do impacto cobriu o campo aberto por um momento, não me deixando enxergar nada mesmo com meus olhos verdes. Victoria apoiou as quatro patas no chão e bateu suas asas duas vezes, dispersando os detritos enquanto me permitia enxergar o que havia acontecido.
Percivarez, o familiar da minha avó, estava com uma das garras apoiadas no pescoço do alado enquanto a outra se agarrava à sua camisa.
O alado estava com as duas mãos levantadas, em sinal de rendição, mas com um sorriso no rosto.
Ele estava bem.
—
— Se você tivesse me dito que eu teria que lutar com sua avó para ter o direito de te treinar, eu teria desistido. — O Caçador falou.
Estávamos sentados exatamente onde a batalha havia acontecido, mas agora um amontoado de gravetos secos e lenha pegava fogo enquanto alguns peixes espetados, cortesia de Percivarez e Kairin, assavam.
— Bom… Eu também não sabia disso. — Olhei para minha avó, que ainda encarava o alado com certo ceticismo. — O que foi isso?
Ela desviou seus olhos afiados dele para mim e seu rosto se suavizou aos poucos.
— Ninguém que não seja melhor do que eu vai te treinar, pequena Ell. — Afagou os meus cabelos enquanto falava, bagunçando.
Não pude deixar de ficar feliz com aquelas palavras, sabendo que eu havia tomado a decisão certa de contar para ela sobre minha experiência com o alado e sobre ele ter me protegido.
A verdade é que meu retorno estava envolto em muitos segredos. O principal ele, que eu havia morrido na vida passada e acordado nessa, era o que eu mais evitava compartilhar com qualquer outra pessoa. Apenas Kairin e Victoria sabiam sobre ele e eu queria que continuasse assim, mas não tinha energia extra para ficar guardando mais desses segredos comigo.
Mesmo que isso significasse que eu não seria treinada pelo alado.
— O que você tem para ensinar para minha pequena Ell que eu mesmo não possa ensinar? — Minha avó perguntou, a dureza voltando para seus olhos enquanto encarava o alado.
— Direto ao assunto, né? Vocês vão lutar contra arcontes, o meu povo. E provavelmente contra os deviantes também… E eles não usam apenas as cores primárias e secundárias que vocês estão acostumados. Nossos mundos… Tem uma cor própria para cada. O Prateado e o Dourado.
— Eu nunca ouvi falar em outras cores prismáticas. — Minha avó rebateu.
— É porque nesse mundo ela não é manifestada… Não ainda. Se o portal ficar aberto por muito tempo ou se minha espécie começar a viver aqui, provavelmente essas cores passarão a existir.
— Espera aí… — interrompi. — Como assim novas cores? Eu nem aprendi a minha cor secundária ainda, só sei que ela é verde. Não devíamos ir por partes?
— Por isso que eu nunca pedi para ser seu único professor, Ellarien. — O alado falou enquanto estendia a mão e pegava um dos peixes assados. — Você deve continuar seu treinamento com o general e sua avó normalmente. Eu seria apenas o reforço.
— Que pena que você não derrotou minha avó e não vai poder me treinar então, né?
Ele afastou o peixe da boca, já mordido, e sorriu enquanto olhava para minha avó.
Como se deixasse que ela falasse.
— Ele vai te treinar sim, Ell.
— O quê?! Como assim? Achei que ninguém mais fraco do que a senhora poderia me treinar.
Em resposta, minha avó balançou a cabeça e pegou um dos peixes no fogo também e começou a comer.
Quando olhei para o alado, ele sorriu e piscou para mim.
Ele havia ganhado da minha avó?!
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