Capítulo 26 – A Tempestade que antecede a Tormenta
Avanço com velocidade, mas ele levanta a mão pedindo que eu pare antes que eu dê mais do que cinco ou seis passos.
— Só um momento… — ele diz, com os olhos fechados, enquanto parece se concentrar.
Vejo quando um par de asas surgem de suas costas, como se fossem membros que sempre estiveram ali, mas não à mostra. Me lembrando muito o ato de passar um abraço através da manga da camiseta, mas ele demonstra um pouco de dor em sua feição enquanto o faz e percebo que a ponta das penas estão levemente rajadas de vermelho.
Ele as balança, como se fosse bater, e o movimento é rápido, jogando o pouco do sangue ainda fresco em direção a grama.
Aquela agonia de estar no chão retorna e me atinge com força. Se o caçador também era uma criatura que podia voar, será que os mesmos desejos de Kairin se aplicam a ele também? O quão doloroso era ter que esconder suas asas, podar a própria capacidade de voar, apenas para não ser identificado por todos os outros aqui da região?
Vic também se sente assim?
— Não. — Ela responde imediatamente. — O chão é meu lar. Assim como os céus. E as águas. O mundo de Redai é meu lar.
Ela parece meio… Amargurada.
Olho para ela, que ainda está sentada, e percebo que a a terra sobre suas garras da frente está rasgada, fendida sob o peso de seu corpo.
— Eu. Quero. Meu. Laço. — Ela pontua, me cobrando novamente.
Eu assinto, devagar. Eu devia isso a ela.
— Agora sim, podem vir. — O Caçador avisa.
Ralik passa correndo por mim com velocidade. Ele está montando em Fenriz.
Claro, nós lutamos com nossos familiares ao nosso lado. Por que eu achei que seria diferente?
— Vic e Kairin… Vamos?!
Ralik e Fenriz já estavam envolvidos no combate. Ralik estava em pé sobre o torso do lobo, se equilibrando enquanto o usava de apoio para conseguir mais alta e tentava impedir que o Caçador se afastasse ainda mais do chão. Ele atacava usando os próprios punhos e toda vez que Satoriel batia as asas para subir, ele saltava sobre o alado e lhe atacava para impedir
Parece que ele já vinha treinando isso recentemente, já que parecia estar dando certo.
Levantei a mão acima da cabeça e saltei quando Kairin passou, pegando suas garras enquanto ele aproveitava o impulso para me elevar ainda mais no ar. Ele ainda não era forte o suficiente para me carregar, igual Percivarez fazia com minha avó, mas conseguia aproveitar o impulso do meu pulo para me fazer ir mais alto.
O suficiente para que eu soltasse, caindo sobre as costas de Victoria enquanto ela passava correndo em baixo de mim.
O alado iria precisar enfrentar um dragão, um pássaro-trovão, um lobo que era um faro-verdadeiro e dois nahuales. Será que daria conta?
Sentindo a animação que antecedia o conflito, apertei firme os punhos enquanto deixava a energia vermelha envolver meu corpo e reforçando minha própria força e agilidade para entrar em combate.
Quando uma explosão atingiu Victoria bem na região das costelas, no espaço onde sua asa estava aberta, e a jogou para o lado comigo ainda em cima dela.
O barulho alto me pegou de surpresa, mas ela girou o corpo e me agarrou com suas patas de cima enquanto usava as patas de baixo e as asas para estabilizar.
O Caçador havia atacado Victoria? Mas eu nem tinha visto seu ataque chegando. E com aquela potência… Ele havia atacado para matar? Com esse pensamento na cabeça, olhei para ele enquanto sentia a raiva crescendo dentro de mim.
Eu já havia visto Vic morrer antes.
Foi só então que eu notei que ele não estava me encarando e não lutava mais.
Nem ele, nem Ralik.
Eles encaravam o horizonte, onde a lua iluminava parcamente a silhueta de um exército alado que se aproximava com velocidade. Exatamente da mesma direção onde Vic havia sido atingida.
Puxei um pouco de energia através do laço com Kairin, já me familiarizando um pouco mais com nossa nova ligação. Vendo através dos seus olhos, que eram feitos para enxergarem de longe, captei melhor os inimigos que se aproximavam:
Quase uma centena deles viam com velocidade, suas armaduras de prata brilhando no céu escuro como se fossem estrelas. Sua formação mimetizando uma constelação que descia de além das nuvens para destruir o firmamento.
— Precisamos evacuar a cidade. — Ouvi Satoriel falar enquanto ele caminhava até onde suas coisas estavam e pegava um arco e amarrava uma aljava, recheada com flechas, na cintura.
Quando reparou que nós ainda estávamos estáticos, encarando o exército que se aproximava com velocidade, gritou:
— Vão agora!
Minha avó, que estava assistindo nosso treinamento esse tempo todo como ela disse que faria, caminhou devagar até ficar ao lado do Caçador e estendeu o braço para que Percevarez pousasse nele.
— Conto com vocês dois. — Ela falou, sem se virar para olhar para nós.
Eu a vi de costas, encarando um exército de alados. Exatamente a última visão que eu tive dela em minha vida passada, enquanto fugia com o ovo de Victoria nos braços e ela ganhava tempo para mim e para toda nossa cidade.
Eu não podia deixar ela aqui, mas temi que minha presença fosse apenas servir como motivo de preocupação. Diferente da outra vez, ela não estava sozinha agora e eu não iria apenas fugir.
— Você está bem para voar, Vic? — Falei através do laço.
— Sim, foi só um susto. Precisa de mais do que isso para arranhar minhas escamas.
Me lembrei que as espadas dos alados eram capazes de mais do que a arranhar e temi novamente pela vida de alguém querido por mim.
— Então vamos avisar os outros!
Ela correu sobre as quatro patas e saltou, batendo suas asas enquanto pegava impulso e se afastava do solo. Não estávamos tão longe da cidade, apenas o suficiente para fugir de olhares curiosos.
Kairin voava ao nosso lado, ficando por perto e mantendo a mesma velocidade de Victoria, embora eu soubesse que ela conseguiria voar mais rápido se quisesse. A incapacidade que os familiares tinham em se comunicar com outros, que não partilhavam do mesmo laço, atrapalhava naquele momento.
Não adiantaria nada ele retornar o mais rápido possível se não conseguiria ele mesmo dar o aviso.
Olhei pra trás uma última vez, tentando adivinhar quanto tempo tínhamos antes que os alados chegassem em terra. Pela velocidade que voavam e pela distância… Eu não fazia ideia. Uns cinco minutos? Dez?
— Mais rápido!
Segurei firme nas escamas de Vic enquanto fazia o uso do vermelho para fortalecer a pegada dos meus dedos.
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