Quando completei sete anos, dois anos depois que Vic despertou, minha avó me chamou do lado de fora de sua casa. Apesar de morarmos em um castelo, murado e ter até um palácio ali, ela vive em uma pequena casa, com um pequeno jardim. E eu vivo nele com ela, já que meus pais morreram pouco depois que eu nasci.

    Meu tio, Danibor, era o general dos Veridions e meu pai tentou tomar dele para assumir em seu lugar. Até hoje, penso nessa história esquisita. É estranho estarmos do lado de quem tenta dar o golpe, já que geralmente estamos do outro lado. É como se meus pais… Fossem os errados. O que eu nunca tentei investigar, já que minha avó Ellen me criou muito bem.

    A construção onde ficava o ovo de dragão já havia sido demolida e, no seu lugar, plantada uma árvore. Nos últimos dois anos, eu ia com minha avó até aquela árvore e a regamos juntos. Quando ela me chamou hoje, achei que era para isso.

    A árvore, apesar de ter apenas dois anos de vida, já está com quase dois metros de altura.

    É porque nós não colocamos apenas água nela, mas também energia.

    — Fazer uma árvore crescer é a melhor forma de treinar suas habilidades enquanto ainda é pequena. — Ela disse quando começamos com isso, pouco tempo depois que Vic nasceu.

    Quando alcanço a árvore, vejo a quão bonita ela está. Ser alimentada daquela forma parecia lhe deixar mais robusta, como se a água lhe desse apenas o essencial para sobreviver e ter uma vida normal e nossa energia vital lhe permitisse ser mais. Suas folhas eram mais verdes, seu tronco era mais forte e seus galhos eram mais resistentes.

    Minha avó estava ao lado da árvore, me esperando. Ela usa um vestido verde claro sem mangas que alcança os calcanhares. Ela tem braços fortes e dá para ver seus músculos bem desenhados ali. Sua força contribui com sua beleza, tornando-a ainda mais linda.

    Quando eu crescer, quero ser que nem ela. — Vic fala comigo, mesmo sem estar por perto.

    Onde você foi? — Pergunto, deixando que a preocupação seja transmitida também.Quando eu acordei, ela já havia saído e não a vi desde então.

    Vim tomar um solzinho.

    Olho para cima, no telhado da casa da minha vó, e a vejo lá. Quase dou risada quando vejo que ela está com a barriga virada para cima, usando as asas como suporte para não cair.

    Ela cresceu bem rápido, mas ainda não está no mesmo tamanho da última vez. Assim como o ovo dela demorou mais para se quebrar dessa vez também.

    Tento bloquear meus pensamentos para que não incomodem ela enquanto considero isso. A necessidade de me proteger, de ficar ao meu lado, havia feito ela chocar o ovo mais rápido e também ter um crescimento acelerado? Dragões podem fazer isso?

    Não existem muitos dragões por aí. Eles foram embora há algumas centenas de anos e, até onde sabemos, Victoria foi o único ovo que ficou para trás como garantia de proteção de Redai.

    Bom, os grão-nahuales também param de envelhecer quando alcançaram a idade apropriada, embora eu saiba da existência de anciões que realmente se parecem velhos.

    Deve ser tudo questão de necessidade, então.

    — Bom dia, vovózinha. — Digo quando finalmente me aproximo, passando os braços por sua cintura e lhe abraçando.

    — Bom dia, pequena Ell. — Ela me recebe com um sorriso.

    Quando me afasto, estendo o braço para a árvore, alcançando aquela fonte que fica cada vez maior dentro de mim.

    Chamamos de energia prismática porque nosso corpo funciona como um prisma que transforma a energia em cores e, cada uma dessas cores, é responsável por uma capacidade única.

    Começando com as cores primárias: Vermelho, Azul e Amarelo.

    A que estou usando para regar a árvore agora é a energia vermelha. Ela é responsável pelas capacidades físicas do corpo: ficar mais forte, ganhar mais resistência, correr mais rápido, enxergar melhor e até mesmo regenerar ferimentos mais leves ou recuperar a exaustão. Ela é restrita ao que o corpo está tocando. Já vi Prismáticos – usuários da energia – usando para fortalecer as próprias armas e armaduras também.

    Para passar o vermelho, eu preciso primeiro tocar na árvore e em seguida deixar parte da cor escorrer para dentro dela. É preciso ter um certo controle para fazer isso e colocá-la na árvore é a forma mais fácil de se treinar isso, já que a energia fica ali e você pode recuperá-la novamente.

    Essa parte é importante porque, não raramente, os aprendizes podem colocar mais energia do que deveriam e acabar ficando esgotados. A possibilidade de pegar de volta garante que não percamos a consciência, igual eu perdi quando ativei os olhos veridianos da primeira vez e a energia foi totalmente consumida.

    Em minha vida passada, ouvi falar de pessoas que usaram todo seu prisma e morreram. Considerando o quão relapsa fui no passado, provavelmente seria o meu destino final, caso Danibor não tivesse chegado primeiro.

    Isso não vai acontecer de novo. — Vic diz através da nossa conexão. — Foi culpa minha.

    Já tínhamos discutido antes sobre isso e, por mais que eu dissesse que não foi, ela não queria arredar o pé.

    Saber que agora, com sete anos de idade, eu já tenho mais controle sobre meu prisma do que quando eu tinha vinte e dois anos mostra que eu realmente estou disposta a fazer diferente agora.

    — Muito bem. — Ouço minha avó falar. O que geralmente ocorre quando ela considera que já deixei energia o suficiente para não fadigar e atrapalhar o resto do treinamento.

    Ela se senta ao lado da árvore e acena para que eu me sente na sua frente. Ambas entramos na posição de lótus: meus joelhos e tornozelos se movem com facilidade, ainda na mobilidade fácil que uma criança tem. E que estou trabalhando para mantê-la também.

    O sol da manhã não está forte hoje, mas mesmo assim as folhas da árvore nos protegem do contato direto com sua luz e deixam o ambiente bem agradável para nosso treinamento.

    A segunda parte da prática diária envolve o uso do Azul. É a cor responsável pelas atribuições mentais e tudo aquilo que está no controle do cérebro. Aumento dos cinco sentidos e expansão para o sexto sentido, reflexos mais ágeis, pensamentos mais rápidos. O Vermelho e o Azul praticamente se complementam: não adianta ficar mais rápido com o primeiro se você não tem reflexos para acompanhar sua própria velocidade e é aí que o segundo entra.

    — Treine com isso hoje. — Minha avó diz, me entregando um caroço que eu sei que é de pimenta. — Começando pela audição.

    Coloco a pimenta na boca. A picância demora um pouco para se espalhar, mas não é muito forte. Provavelmente seria usado de tempero em um almoço comum.

    Essa etapa é um pouco mais complexa: se eu apenas concentrar o Azul, todos os os sentidos vão aumentar em conjunto. Isso gasta mais energia do que o necessário, já que tudo está sendo melhorado. Além de tornar mais difícil se concentrar em apenas um deles.

    Então eu diminuo o olfato, o paladar, o tato e a visão. O cheiro do orvalho pela manhã desaparece, a sensação da grama sob meus pés se torna distante e minha visão fica embaçada. O picante do caroço sobre minha língua mingua. O silêncio externo não me alcança e, por um momento, me recordo daquela escuridão opressiva de quando morri.

    Como se eu estivesse em uma bolha, separada do mundo.

    Minha avó já me disse que o uso correto seria o de focar apenas no que eu quero e aumentar somente esse, sem precisar diminuir os outros. É difícil. Mas também é difícil diminuir todos os outros e manter apenas o que eu desejo. Pelo menos de imediato.

    Logo meu corpo é envolto por um brilho cerúleo que, apesar de eu não ver, sei que está mais forte ao redor das orelhas pontudas. Ouço um pequeno assobio quando a bolha parece abrir espaço para que o som me alcance.

    — 6… 7… 8… — A voz da mulher na minha frente me alcança, indicando que eu demorei eternos seis segundos para chegar ali.

    Eu aceno com a cabeça assim que ouço e ela para de contar.

    — Seu avô era um homem maravilhoso. Quando eu o vi pela primeira vez, descobri que aquilo que os humanos chamavam de amor à primeira vista era verdade…. — Ela começa a contar aquela história que eu gosto muito de ouvir.

    Conforme ela fala, sua voz diminui cada vez mais. Ela propositalmente chega ao nível de um sussurro, para que eu tenha que me esforçar em melhorar minha audição para conseguir ouvir.

    Quando tento, a picância do caroço de pimenta me avisa que estou aumentando a sensibilidade do sentido errado e me concentro novamente.

    — … Foi quando seu pai nasceu. Ele tinha o nariz e a boca do seu avô, mas os meus olhos e o meu cabelo. Igual você. — Ouço-a a falar quando alcanço o nível de audição desejado.

    Franzo o cenho. Eu não posso ter demorado tanto assim, né? Perdi toda a história dela com meu avô.

    Sinto diversão sendo compartilhado pela minha conexão com Vic, que ainda está no telhado, tomando sol.

    Quando reverto os meus sentidos ao normal, vejo um sorriso zombeteiro no rosto de minha avó.

    Ela percebe minha confusão e não se aguenta dando risada.

    — Você pulou parte da história? Eu queria saber mais! — Tento uma repreensão, mas é difícil quando minha voz ainda é a de uma criança e a mulher na minha frente tem centenas de anos.

    Tento ficar séria, mas não consigo e dou risada junto com ela, cuspindo o caroço picante que já estava começando a me incomodar.

    — Você está melhorando muito rápido, mas preciso guardar um pouquinho para depois, né? — Ela diz enquanto se levanta, me dando a mão para me ajudar a levantar também.

    — Vamos começar o Amarelo hoje? — Pergunto, ansiosa.

    Ela balança a cabeça.

    — Não vamos enfiar os pés pelas mãos, Ell. Você ainda é muito nova para o Amarelo. — Ela me repreende uma vez mais sobre aquele mesmo assunto, mas quando vê chateação em meu semblante, se justifica em seguida:

    — A maioria das crianças começam a aprender as cores com dez anos, você está pelo menos três anos adiantada. Temos que tomar cuidado para você não Desbotar novamente.

    Quando se usa muita energia em um período curto de tempo, nosso prisma pode começar a ter dificuldade em transformar as cores e podemos desmaiar. Aquilo que aconteceu, quando ativei os olhos veridianos, é chamado de Desbotar.

    Um relâmpago corta o céu, um raio amarelo chamando a atenção mesmo no dia ensolarado e sem nuvens. Ele não vem acompanhado de um som estrondoso quando toca no chão.

    Porque ele não chega a cair no chão e pousa no braço estendido que minha avó ergueu.

    É Percivarez, um pássaro-trovão e familiar da avó Ellen. Ele tem quase o meu tamanho, o que não é muita coisa, já que eu ainda sou criança, mas ainda é grande para o padrão dos pássaros. Suas penas são predominantemente amarelas, mas a ponta das asas, da lateral do rosto e a cauda são pretas.

    Quando eu fiz oito anos, em minha vida passada, recebi um de seus filhotes para ser meu familiar. Uma espécie considerada mítica em Redai, a linhagem de Percivarez é a única ainda viva que se tem conhecimento.

    Quero apostar corrida com ele! — Ouço Vic através de nosso laço.

    Quando olho para o telhado onde ela estava antes, vejo que ela está com as asas abertas e planando até chegar em nós três.

    O silêncio de minha avó enquanto olha nos olhos do pássaro indica que ela está conversando com ele, assim como eu faço com Victoria.

    Se me lembro bem, eu o havia visto antes quando ele veio para avisar minha avó que um de seus filhotes ficaria disponível para formar uma conexão dentro do próximo ano.

    Aquele pássaro-trovão que seria o meu companheiro antes de Vic.

    Seu nome seria Kairin.

    E na vida passada, quando eu fiz dezoito anos e não tinha estabelecido nossa conexão, por ser uma garota completamente mimada e sem interesse em nada na vida, ele me abandonou.

    Eu nunca o julguei por isso, mas dessa vez eu vou fazer de forma diferente.

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